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Certa vez, ainda no tempo em que o barão do Rio Branco era chanceler do Brasil, o Panamá indicou seu novo embaixador por aqui, Belisário de Porras y Porras, parente do general e ex-presidente panamenho Belisário de Porras Barahona.

Certamente você, que está lendo esta crônica, percebeu a inconveniência do nome do novo embaixador.

Pois bem, isso até seria coisa superável, porque diplomacia é diplomacia, mas, por alguma razão de ordem burocrática, o agrément – o aceite oficial de um embaixador pelo país que o recebe – tardou a sair e um diplomata panamenho suspeitou que a demora se devia ao nome do seu superior, afinal a palavra tinha um sentido, no Brasil, que não passava desapercebido.

O assunto chegou ao barão do Rio Branco.

– O que pensa desse nome, barão?

Homem de espírito, Rio Branco sorriu e respondeu:

– Bem, na verdade não é apenas o nome ou o plural, mas sobretudo a insistência!

Precisava ser duas vezes? Porras y porras?

E o ministro recebeu seu agrément. (Ribeiro, p. 198)

Mas contam que um auxiliar do barão teria feito um comentário a respeito do caso. Teria dito que as repúblicas latino-americanas – inclusive a Argentina – precisavam ter lições em Minas Gerais, para, em vez de ficarem galaordeando seus feitos e nomes e provocando constrangimentos, ficassem mais tranquilos e fizessem menos barulho.

Por sinal, como disse Lauro Sodré (embora não sem irnonia), “a política se faz na paz do Senhor…”.

Como se sabe, mineiro é um sujeito que tem prudência, que fica quieto e que, falando devagar, ponderando, sempre consegue o que deseja.

Na verdade, tem outro modo de dizer a mesma coisa: mineiro é um sujeito de tira a banana do macaco e deixa o macaco satisfeito, agradecido e devendo favor.

Diz meu amigo, o escritor (mineiro) João Gabriel Paulsen que ser mineiro – id est, a pessoa relativa ao estado de Minas Gerais – não é um gentílico, mas um estado existencial. E isso para me convencer de que eu mesmo, apesar da minha paraenselidade (?) sou, na verdade mineiro.

Meu amigo se refere à minha capacidade de observação e discrição (mas, vejam, já nem sou mais mineiro se estou falando aqui sobre isso, não é verdade?).

Vejam: pensando nisso, me dou conta de que alguns não-mineiros são mais mineiros que os mineiros.

San Tiago Dantas, uma das mentes mais incríveis da história do Brasil, por exemplo, foi senador por Minas Gerais, apesar de ter nascido no Rio de Janeiro.

Por sinal, acabei de lembrar que, uma vez, durante sua campanha ao senado, um repórter resolveu indagar a respeito dessa aparente contradição e cheio de malícia:

– O senhor nasceu onde, mesmo, candidato?

E a resposta de San Tiago Dantas foi a mais mineiras das respostas.

– Nasci no Rio de Janeiro, como tanto mineiros ilustres.

E também posso falar de Vargas.

Getúlio Vargas foi, muitas vezes, mais mineiro que os mineiros. Por exemplo quando, diante da conturbada disputa para ver que iria suceder Olegário Maciel no governo de Minas, em 1933, tinha que escolher entre Gustavo Capanema, poderoso secretario do Interior do estado e Virgílio de Melo Franco, diplomata e homem de grande influência nacional.

Pois bem, Vargas deu uma rasteira nos dois, se livrou de gente mais importante que ele e nomeou o jovem (e mineiríssimo) Benedito Valadares para assumir o cargo.

Ninguém esperava por isso. (E, igualmente, ninguém esperava que Benedito Valadares nomeasse, como chefe de gabinete, o desconhecido Juscelino Kubitschek, igualmente jovem e, igualmente, mineiríssimo).

Bom, todos são mineiríssimos nesta história. Deixemos estar.

Deixemos estar para contar que, logo depois de tomar posse no governo, Valadares foi inaugurar uma estátua do seu antecessor, Olegário Maciel (para quem não sabe, morto na banheira do Palácio da Liberdade, enquanto tomava banho – dizem as más línguas que afogado), e tinha, a seu lado, Capanema e Melo Franco. Ambos fulos da vida por terem perdido a nomeação para o simplório Valadares.

Sim, porque Valadares, além de jovem, não chegava aos pés da bagagem cultural de Gustavo Capanema – um dos maiores intelectuais do país, naquele tempo – e nem da bagagem social de Virgílio de Melo Franco – membro de uma família rica e poderosa.

Acabada a solenidade, saíram no mesmo carro Benedito, Juscelino e Capanema. Capanema, intelectual, culto, vaidoso e irado, começou a querer dar aulas, a Valadares, sobre como ele devia governar:

– Olha, Benedito, governo é cultura. Você tem que esquecer Pará de Minas e ver que agora você é o chefe político de Minas. Tem que cercar-se de intelectuais, ler, estudar, para poder estar à altura de governar Minas.

Seguindo o relato de Sebastião Nery, Benedito foi ficando vermelho, furioso, e acabou perdendo a paciência:

– Olha, Capanema, nada disso. Se suas lições prestassem, você é quem teria sido nomeado pelo presidente Vargas. Governar não é nada disso que você disse. Esse negócio de cultura é para intelectual. Governar é ação, é trabalho. E é isso o que vou fazer. Não vou ler nem estudar coisa nenhuma. Aliás, tenho lá em casa uns cinco ou seis livros e vou jogar tudo fora.

Pois Benedito fez exatamente o oposto: comprou bibliotecas inteiras e começou a ler desbragadamente. Além disso, cercou-se das melhores cabeças de Minas – como Orosimbo Nonato, Mario Casassanta, Cristiano Martins, Ciro dos Anjos e outros – para aconselhar-se. E, afinal, fez um governo que se destacou tanto como política cultural como enquanto cultura política.

Ah, e até começou a escrever livros. Escreveu três: “Esperidião”, “A Lua Caiu” e “Tempos Idos e Vividos”.

E deixou o mote “Minas, se governa é com cultura!”.

E, governando com cultura, mandou no estado exatamente doze anos: de 1933 a 1945.

Na minha modesta opinião, Minas teria uma lição a ensinar aos políticos paraenses – sempre tão briguentos e disputadores de patacas. E essa lição seria: paciência, sabedoria, um pouco mais de silêncio e de tocaia. E menos Porras y Porras

(Na imagem, a convenção de partidos políticos convocada por Benedito Valadares para a escolha de candidato à Presidência da República. 25/5/1937. Fonte: Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.)

Fábio Fonseca de Castro
Fábio Fonseca de Castro é professor da Unversidade Federal do Pará e atua nas áreas da sociologia da cultura e do desenvolvimento local. Como Fábio Horácio-Castro é autor do romance O Réptil Melancólico (Editora Record, 2021), prêmio Sesc de Literatura.

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