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Para quem não sabe, estou vivendo minha segunda experiência de maternidade. Confesso que me peguei, em dado momento, perguntando se, como feminista, eu não estava publicando fotos demais, romantizando o que nós tanto problematizamos. Depois, graças ao feminismo também e a análise pessoal, vi que não. Não há problema nenhum em estar feliz, em estar vivendo integralmente este momento. Ao contrário, que bom que enquanto mulher, isso me é possível. Já tive outro momento em que outras amarras patriarcais me roubaram um tanto. Não quer dizer que é tudo fácil, pois não é. Escrever aqui, por exemplo, tem sido desafio: tem dias que amamento o dia inteiro, que o bebê só quer colo de mãe e, sem exagero, quando levanto ou tento fazer outra coisa, é aquele chororô. Contudo, sei que tenho as melhores condições para que seja melhor: um teto, um companheiro que assume sua função, rede de apoio, o direito à licença maternidade. E isso tem a ver com o fato de eu ser branca. Sou muito privilegiada. Só de ter meus direitos garantidos e poder estar em casa, disponível pro meu bebê, isso é muita coisa. Ainda assim, tem um sistema que vai me fazer voltar a trabalhar antes do meu bebê ter feito introdução alimentar, passando por cima de recomendações nacionais e internacionais em saúde.

Não há amparo para mulheres e seus bebês e isso diz muito da sociedade em que vivemos. Outro dia, lancei um livro com uma amiga e levei meu bebê, na hora que peguei o microfone o danado comecou a chorar. Desconcentrei total. Para estar lá, monte de gente se mobilizou, desmarcou compromisso. E deu certo, apesar disso tudo. Mas eu fui porque não estava só. Neste dia, recebi uma mensagem linda de uma mulher dizendo o como foi importante me ver lançando livro com um bebê, pois faz ela pensar que não precisamos nos perder de nós mesmas com a maternidade. Esse é um grande medo, era o meu. Sabemos que numa sociedade como a nossa não temos a retaguarda necessária para educar uma criança: tudo recai sobre nós, em troca de grandes sacrifícios.

Romantizam, assim, a exploração feminina. Se povos originários demonstram que é preciso uma aldeia para criar uma criança, nossa cultura vai no caminho inverso, tudo recai para as mulheres, inclusive as responsabilizações e culpas. Vivemos em culpa e sendo culpadas desde o momento que sabemos que estamos formando um feto dentro de nós. E se minha culpa burguesa é de como lidar com jornada tripla ou de precisar abdicar de minha individualidade enquanto mulher, para outras a culpa e  o medo tem a ver com saber de terão ou não, ao fim do dia, pão pra alimentar os seus e as suas. Por isso, falar de maternidade é falar de politizar a gravidez, o parto, a amamentação, o puerpério, a educação infantil. É falar de políticas públicas e também de realidades diversas, sem universalizar categorias, deixando-as acriticas. 

E nessa direção, muitas mulheres temem ser mãe porque não querem ser mãe desta forma, sendo exploradas. Outras, gritam que ser mãe é se submeter ao patriarcado. Outras sequer conseguem decidir sobre si, sendo levadas pela vida, tal como cantarola o Chico em “Meu Guri”. Do meu lado, sem discordar destas mulheres, ao contrário, concordando também com elas, tenho pensado que o problema não está em ser mãe ou no bebê, o problema está no sistema de opressões que vivemos: racista,  heterosexista, patriarcal.


É contra a sobrecarga e violências contra nós, mulheres, que temos que lutar. É contra a apropriação de nossos corpos que devemos lutar. É contra a desresponsabilização dos homens, estado e sociedade que devemos lutar. Neste momento, que tenho condições externas que me amparam em parte, que pude refletir sobre dispositivo materno e desejo e que fiz da maternidade uma escolha, eu posso usufruir dela com maior felicidade, sem negar as dificuldades, o cansaço, medos, dores, até porque eles não se anulam, mas coexistem, e só são possíveis de serem vividos de forma a não me adoecer porque a maternidade pôde ser vivida sem que eu tenha me amparado nas idealizações e romantizações da maternidade modelo, de comercial de margarina de gente branca, loira e feliz.

Por isso, mesmo estando muito feliz com meus rebentos no colo, luto para que mulheres possam escolher se prosseguem ou não com suas gestações, para que mulheres deixem ser violentadas em suas escolhas. Luto para que possamos refletir sobre as diferentes realidades de maternidades e termos políticas públicas para amparar mulheres. Luto para que formação em equidade gênero e raça seja assunto transversal nas escolas, unidades básicas de saúde e projetos de governo. Luto por creches. Luto por grupos em que mulheres possam ter espaço para falarem das expectativas,  medos, dúvidas, raiva, desilusões, mal-estar na maternidade. Luto por política para as mulheres. Para que tenhamos saúde mental, para que possamos ser função materna com todos os sentimentos e ambivalencias que toda e qualquer relação requer. E que todas mulheres possam viver suas maternidades e expressar o que estiverem sentido: seja raiva, seja arrependimento, seja felicidade, ou seja tudo junto e misturado. Maternidade é assunto de Feminismo sim, embora não queiram que seja, afinal, quem quer mexer na estrutura social? 

Beijinhos feministas!

Bárbara Sordi
Psicóloga, Psicanalista, Especialista em Psicologia Hospitalar da Saúde, Facilitadora de Círculos de Paz, Professora da Universidade da Amazônia, coordenadora do Projeto “Sobre-viver às violências” e do Grupo de estudos “Relações de gênero, Feminismos e Violências”, Mestre e Doutora em Psicologia pela Ufpa e coordenadora/assessora da Vereadora Lívia Duarte. Mãe da Luísa e Caetano, Feminista Terceiro Mundista.

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