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Quatro versos de «Poemarma», do poeta Manuel Alegre, anunciavam o primeiro comunicado da Revolução: «Que o poema seja microfone e fale uma noite destas de repente às três e tal/ para que a lua estoire e o sono estale e a gente acorde finalmente em Portugal». Mas, também, em «Lisboa perto e longe», a estrofe já cantava, sete anos antes, Lisboa na rua, de cravo vermelho na mão: «Lisboa tem um cravo em cada mão/ tem camisas que Abril desabotoa mas em Maio Lisboa é uma canção/ onde há versos que são cravos vermelhos/ Lisboa que ninguém verá de joelhos.» Passava um pouco da meia-noite daquele 25 de abril de 1974 quando começou a soar na emissora católica de Lisboa “Grândola, Vila Morena”, de Zeca Afonso, proibida pela censura, a senha para o início do levante em Portugal. Era a Revolução dos Cravos. A liberdade chegou com a música e os cravos enfiados pela população nas espingardas dos soldados, encerrando, ao mesmo tempo, 48 anos de ditadura fascista e 13 anos de guerra nas colônias africanas. Artistas, políticos e desertores começaram a retornar do exílio. As colônias receberam a independência. Não houve caça aos responsáveis pela ditadura, e as dívidas do governo anterior foram todas pagas. Os únicos a oferecer resistência foram os agentes da polícia política. Três pessoas morreram no conflito pela tomada do quartel-general.
Ao voltar do exílio em Paris, Mário Soares, o dissidente mais popular do governo Salazar, foi recebido por milhares de pessoas na estação ferroviária de Lisboa. Cravos vermelhos foram jogados de helicóptero sobre a cidade e só se ouvia a famosa canção, que já havia se tornado o hino da revolução. 

Em 1974, Portugal era um país atrasado, isolado na comunidade internacional, embora fizesse parte da ONU e da Otan. Era o último país europeu a manter colônias e vinha travando uma longa guerra contra a independência de Angola, Moçambique e Guiné. O regime de Salazar, iniciado em 1926, havia conseguido se manter através da repressão e fora tolerado pelos países vencedores da Segunda Guerra Mundial.
Antes de abril de 1974, os partidos e movimentos políticos estavam proibidos, as prisões políticas estavam cheias, os líderes oposicionistas estavam exilados, os sindicatos eram fortemente controlados, a greve era proibida, as demissões fáceis e a vida cultural estritamente vigiada. 

Acuado pelo povo e pelos militares, o sucessor de Salazar, Marcelo Caetano, transmitiu sua renúncia por telefone ao líder do movimento, general António de Spínola.
Transportado de tanque ao aeroporto de Lisboa, Caetano embarcou para o exílio no Brasil. Em quase 18 horas, havia sido derrubada a mais antiga ditadura fascista no mundo. A partir de 25 de abril de 1974, começou um processo que consolidou, digamos assim, o Estado de Direito em Portugal, a liberdade de pensamento, de expressão, de reunião. Por outro lado, também permitiu o início da descolonização. O canto e as armas andaram juntos em Portugal e sopraram ventos novos para todo o planeta.
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, presidente da Academia Paraense de Jornalismo, membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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