No último dia 17 de janeiro, aconteceu no auditório da sede do Ministério Público Federal (MPF) em Belém o 2º Encontro Metropolitano de Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matrizes Africanas (Potmas), reunindo lideranças religiosas, autoridades e representantes de movimentos sociais para discutir desafios e propor soluções voltadas à proteção dos direitos das comunidades de terreiro. O evento integrou as atividades dos 21 Dias de Ativismo Contra o Racismo Religioso no Pará, em alusão ao Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado em 21 de janeiro.
Com uma atmosfera de celebração e resistência, as lideranças presentes destacaram a urgência de combater o racismo religioso, institucional e ambiental que afeta as comunidades afro-religiosas no estado. As discussões resultaram em um amplo conjunto de propostas que vão desde a ocupação de espaços de poder até ações para combater a desinformação e fortalecer a ancestralidade.
O encontro contou com a presença de representantes do MPF, como o procurador-chefe no Pará, Felipe de Moura Palha e Silva, e o procurador regional dos Direitos do Cidadão, Sadi Machado Flores, que reiteraram o compromisso institucional com a defesa dos direitos dos povos tradicionais de matriz africana.
“Esse encontro demonstra que o MPF já firmou a sua parceria com os Potmas no Pará. A assinatura do acordo de cooperação técnica inaugurou uma nova era no MPF no Brasil. Firmamos o entendimento interno do enquadramento jurídico dos povos de matrizes africanas enquanto população tradicional, abrangidos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e por todo o normativo internacional, tendo o MPF o dever constitucional de protegê-los”, afirmou Palha e Silva.
Flores complementou destacando a necessidade de ações concretas: “Esse papel precisa ser desempenhado não só sediando um encontro como o de hoje, mas também por meio de investigações criminais, de denúncias, ações penais, de ações civis públicas, de recomendações e de requisições a órgãos públicos e privados. Nós também precisamos combater a desinformação, combater os discursos de ódio e reprimir a violência, promovendo campanhas educativas e diálogos inter-religiosos”.
As mesas redondas abordaram temas cruciais para a proteção e valorização das comunidades afro-religiosas. Na mesa “Tradição, Ancestralidade e Axé”, foram discutidos problemas como o uso inadequado das redes sociais para disseminar desinformação sobre religiões de matriz africana, a cobrança indevida de impostos como o IPTU de terreiros e a falta de representatividade política. Entre as soluções propostas destacaram-se o fortalecimento da ancestralidade, a ocupação de espaços de poder, a valorização da educação, o uso consciente da internet e a documentação de violações de direitos.
Já a mesa “Combate ao Racismo Institucional no Sistema de Justiça e na Segurança Pública” abordou o tratamento inadequado pelo sistema de Justiça, a subnotificação de casos de racismo religioso e a falta de investimentos em políticas públicas, com propostas como a criação de protocolos específicos para afro-religiosos, o letramento racial, o fortalecimento do ativismo jurídico e o reconhecimento das comunidades afro-religiosas como defensoras de direitos humanos.
Na mesa “Políticas públicas para Potmas no Brasil”, destacou-se a frustração com a ineficácia das políticas públicas voltadas às comunidades tradicionais, apontando como soluções a formação política das lideranças, a implementação de leis que promovam a inclusão da história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares e a criação de uma escola de axé.
Por fim, a mesa “Racismo ambiental e os Povos de Terreiro na COP 30” discutiu questões como gentrificação, desmatamento e poluição, sugerindo iniciativas como o reconhecimento dos terreiros como áreas de proteção ambiental, a criação de hortas comunitárias, a recuperação de áreas degradadas e o fortalecimento de parcerias com órgãos públicos para garantir apoio jurídico e conscientização.
Uma das grandes ênfases do encontro foi a importância da participação da juventude na defesa dos direitos das comunidades de terreiro. Propostas como a criação de um fórum estadual de juventude, valorização da autoestima dos jovens de terreiro e utilização dos terreiros como espaços de educação política reforçaram a necessidade de mobilizar novas gerações.
O evento foi organizado pelo Fórum Permanente de Afrorreligiosos do Pará (Fopafro), Movimento Atitude Afro Pará e Associação dos Filhos e Amigos do Ilê Omi Àsé Òfà Kare (Afaia), com apoio do MPF. As propostas e demandas levantadas durante o encontro serão encaminhadas às autoridades competentes.
Para o procurador Sadi Machado Flores, “é fundamental que encontros como esse não fiquem apenas no discurso. Precisamos de ações concretas para garantir que os povos de terreiro sejam reconhecidos, protegidos e valorizados como parte essencial da cultura brasileira.”
Comentários