Publicado em: 19 de agosto de 2025
O vereador Mateus Batista, de Joinville (SC), publicou nas redes sociais declarações que atribuem a migrantes do Norte e Nordeste do Brasil a responsabilidade pela sobrecarga nos serviços públicos de Santa Catarina. Em vídeo publicado em sua conta pessoal, acompanhado por texto de teor alarmista, Batista afirma que “a única forma de impedir que nosso Estado se torne um grande favelão é barrando e controlando esse fluxo migratório”, referindo-se à chegada de brasileiros de outras regiões ao estado.
As falas do parlamentar propagam xenofobia, desinformação e preconceito.
“A população de lá [Norte e Nordeste] tem que fugir de lá. Então a gente tem que expandir o serviço público para praticamente absorver esses quase refugiados desses estados destruídos por esse bando de vagabundos”, declarou o vereador, em referência direta aos gestores públicos das duas regiões brasileiras.
No vídeo, Batista culpa a “má gestão e a corrupção no Norte e Nordeste” pela migração interna no Brasil e sugere que o fluxo migratório seria o responsável por problemas como trânsito, falta de vagas em escolas, e aumento da população em situação de rua. Ele chega a perguntar: “Santa Catarina vai virar o Pará?”, insinuando que o estado amazônico, com uma população majoritariamente cabocla, indígena e negra, representa um modelo de fracasso social e urbanístico.
As falas do vereador violam os princípios da dignidade humana e da igualdade consagrados na Constituição Federal. Além disso, atentam contra o direito de liberdade de circulação dentro do território nacional, previsto no artigo 5º da Carta Magna.
Essa retórica de que o Sul está sendo ‘invadido’ por nordestinos ou nortistas é velha, racista e perigosa. É um discurso de ódio que alimenta o preconceito regional e contribui para a marginalização de populações migrantes dentro do próprio país.
A migração interna é fenômeno histórico e natural. Segundo dados do IBGE, milhões de brasileiros se deslocam entre as regiões por motivos de trabalho, estudo e mesmo a melhoria das condições de vida. A Constituição de 1988 garante a todo cidadão o direito de residir e trabalhar em qualquer parte do país.
A afirmação de Batista de que Santa Catarina corre o risco de se transformar em um “grande favelão” caso não controle a migração de brasileiros de outros estados ecoa discursos típicos de políticas xenofóbicas de extrema direita praticadas em países que criminalizam migrantes estrangeiros. Nesse caso, o preconceito tem claramente uma face racista.
Até o momento, Mateus Batista não se retratou publicamente e manteve o vídeo no ar, alimentando comentários ofensivos e de teor semelhante nos espaços de interação da postagem. A Câmara de Vereadores de Joinville também não se manifestou oficialmente.
Mateus Batista enfrenta duas ações judiciais por calúnia, injúria e difamação (artigos 138, 139 e 140 do Código Penal), sendo que já foi condenado no primeiro processo. A sentença, proferida no mês passado, impôs quatro meses de detenção, pena que poderá ser cumprida em liberdade. Agora, responde a uma nova ação movida pelo ex-vereador Cláudio Aragão (MDB), em que o juiz eleitoral Daniel Radünz, da 76ª Zona Eleitoral, deu um prazo de 10 dias, a partir da última segunda-feira (4), para que o vereador apresente defesa e arrole testemunhas.
As acusações referem-se a uma série de vídeos e postagens nas redes sociais publicados por Mateus durante a campanha de 2022, nos quais ele atacava diretamente Aragão, que buscava a reeleição. Em linguagem agressiva, Batista o chamou de “vagabundo”, “corrupto” e o apelidou pejorativamente de “Cláudio Arregão”. A denúncia inclui ainda o episódio em que Mateus teria ido até a frente da residência de Aragão, utilizando um megafone para chamá-lo de “ladrão” e “corrupto”, retirando-se rapidamente do local sempre que alguém se aproximava. Em audiência de transação penal realizada em 16 de julho, não houve acordo entre as partes, já que a defesa de Batista alegou inexistência de crime. O processo, portanto, segue tramitando na Justiça Eleitoral.
O Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Joinville publicou nota de repúdio à declaração do vereador Mateus Batista:
“Uma vez mais, a notícia vem da extrema direita de Joinville. Dessa vez, do vereador Mateus Batista (União), membro do MBL – Movimento Brasil Livre. O parlamentar, em suas redes sociais, afirmou que “se não barrarmos o fluxo migratório, Santa Catarina vai virar um grande favelão”, referindo-se especialmente ao Pará como comparação. As falas do vereador, não demonstram apenas xenofobia, mas o já costumeiro desconhecimento que a extrema direita tem sobre assuntos de Estado.
Segundo o vereador, a “corrupção e a má gestão do Norte e Nordeste” fazem com que cresça o fluxo imigratório para Santa Catarina, como se o estado fosse um território ilibado dentro do país. É importante lembrar que casos de corrupção sempre foram característicos de Santa Catarina. Apenas na história recente, foram mais de 28 prefeitos presos por corrupção nos últimos anos. Também tivemos desvios de recursos públicos nas contratações de serviço de limpeza urbana no Estado. As Organizações Sociais, defendidas por este vereador, lideram o ranking de corrupção no país e foram alvo de várias operações da PF em Santa Catarina. Ademais, tivemos fraudes em compras de respiradores durante a pandemia de Covid, além da CPI do Rio Mathias… e uma longa ficha corrida.
Portanto, o fator “corrupção e má gestão” é mais um desses factoides que a direita gosta de criar. E o desconhecimento desse vereador, que afirma ser liberal, é patente no que se refere a dados de Santa Catarina e também sobre princípios básicos do liberalismo: é apenas um compilado de desinformação com uma atuação artificial de tiktoker, promovendo xenofobia.Adam Smith defendia, em Riqueza das Nações, que a livre circulação de pessoas é complementar ao livre mercado. Até Ludwig Von Mises, liberal que voltou à moda recentemente entre a direita, dizia que mobilidade laboral é condição para alocação de recursos. Tanto Mises como Hayek, Friedman e Smith são unânimes na defesa da liberdade de movimento como expansão para o mercado. E não é à toa que nenhum grande empresário catarinense reclama da imigração, em que a mão de obra é sempre bem-vinda à lógica exploratória da indústria e do agronegócio.
É extremamente constrangedor para um sindicato, cuja ideologia é clara na defesa constante da classe trabalhadora e sua emancipação, explicar para um parlamentar liberal o que é liberalismo.Sobre “o grande favelão”
O vereador, que estampou com orgulho em suas redes sociais o fato de ele ter aparecido como xenófobo no République afirmou que se o fluxo migratório continuasse, Santa Catarina viraria “um grande favelão”. O Estado, segundo estudo do IBGE, tem 166 comunidades em vulnerabilidade. E as causas disso pedem um pouco de história e dados.
Em Joinville, por exemplo, tivemos um amplo acréscimo da população imigrante nas décadas de 70 e 80, resultado da expansão industrial na cidade. Para acompanhar o crescimento populacional, é necessário investir em serviço público, ampliando e melhorando políticas de moradia, saúde e educação. Se esse investimento não for feito, o resultado será um crescimento de comunidades periféricas em situação de vulnerabilidade. Dessa forma, quando o sindicato afirma que é necessário contratar mais servidores (que o vereador do MBL é contra), ampliar o investimento público (que o vereador também é contra) e não gastar R$ 100 milhões em cargos comissionados (que o vereador foi fervorosamente a favor ao gasto durante a Reforma Administrativa de Adriano Silva), é justamente para que a cidade tenha um atendimento adequado segundo a demanda.
Mas o vereador não informa, apenas faz a histeria para receber curtidas. Ele não diz, por exemplo, que a imigração em Santa Catarina ocorre, em sua maioria, entre catarinenses e estados como Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo. Ele prefere estigmatizar brasileiros de outras regiões, como o Pará, para reproduzir um apartheid social – uma atitude irresponsável que pode gerar violência contra imigrantes em nossa cidade. Ele não explica que as causas do que ele chama de “favelização” também estão na especulação imobiliária, no déficit de moradia, na falta de políticas públicas e na insistência em repassar o que é público para o interesse privado.O histórico do MBL
A posição do vereador Mateus Batista, do MBL, não é estranha ao sindicato. Este movimento atua, muitas vezes, ultrapassando o limite da legalidade – como foi o caso de um expoente do movimento que afirmou “que as ucranianas eram mais fáceis porque eram pobres”. Em 2016, durante a tentativa de emplacar a Lei da Mordaça com o apoio da Pastora Leia, o MBL foi amplamente rechaçado por Joinville e a lei foi, finalmente, derrubada. Durante as manifestações e panfletagens na rua nessa campanha, o MBL enviava adolescentes de 14 e 15 anos para provocar os manifestantes, enquanto seus dirigentes ficavam observando. É um movimento, sobretudo, covarde e inimigo da juventude e dos trabalhadores.
A posição do Sinsej
Nós, do Sinsej, repudiamos as falas do vereador que, além de reproduzirem senso comum e mentiras, contribuem ainda mais para a violência entre trabalhadores. Exaltamos, ainda, uma cidade onde as histórias de construção e luta estão ligadas, desde seu surgimento, até os imigrantes.
Não é com R$ 100 milhões a comissionados, limpeza de grafites e vasos que não pegam enchente (políticas apoiadas por Mateus Batista ao lado do prefeito) que resolveremos os problemas da cidade, da classe trabalhadora e da juventude. Nós entendemos que, dentro dos limites da democracia parlamentar, não cabe ao vereador fomentar ódio contra pessoas de outras regiões e sim enfrentar os problemas desses trabalhadores longe de falácias e espantalhos.”
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