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Publicado: 7 de abril de 2025  

Um estudo publicado pela revista científica Nature revelou que a vacina contra herpes zoster — conhecida popularmente como “cobreiro”, causada pela reativação do vírus varicela-zoster, o mesmo da catapora — pode reduzir em até 20% o risco de desenvolver demência. A pesquisa foi conduzida no Reino Unido, com dados de mais de 280 mil pessoas, e utilizou um modelo estatístico chamado “experimento natural”, que permite observar efeitos causais de políticas públicas sem intervenção direta dos cientistas.

Diferentemente de estudos anteriores, que apenas comparavam pessoas vacinadas com não vacinadas (correndo o risco de distorções por fatores como estilo de vida ou acesso à saúde), os autores deste trabalho aproveitaram uma situação específica que ocorreu no País de Gales. Em 2013, o governo local determinou que apenas quem tivesse nascido a partir de 2 de setembro de 1933 seria elegível para a vacina por pelo menos um ano. Com isso, foi possível comparar grupos quase idênticos — pessoas separadas por poucos dias de nascimento, mas com diferenças significativas na chance de terem sido vacinadas.

Entre os que receberam a vacina, houve uma redução de 3,5 pontos percentuais nos novos diagnósticos de demência ao longo de sete anos — o que representa uma queda relativa de 20%. Esse efeito foi mais evidente entre as mulheres, o que reforça estudos anteriores que apontam respostas imunes mais intensas em pessoas do sexo feminino a vacinas do tipo atenuado.

Ainda não se sabe com exatidão qual é o mecanismo responsável pela proteção contra a demência observada após a vacinação contra herpes zoster, mas os cientistas trabalham com duas hipóteses principais. A primeira sugere que o efeito estaria relacionado ao controle do vírus da herpes zoster, pois o vírus da catapora  pode permanecer latente no organismo e reativar-se com o envelhecimento, provocando inflamações que, por sua vez, afetariam o cérebro e estariam ligadas ao desenvolvimento de quadros demenciais. A segunda hipótese aponta para um efeito imunológico ampliado: vacinas com vírus vivos atenuados, como a da zoster, são conhecidas por estimular o sistema imune de forma mais abrangente, o que pode gerar benefícios inesperados — os chamados “efeitos fora do alvo” — na prevenção de outras doenças, inclusive a demência.

Embora o estudo tenha sido feito com a vacina Zostavax (a mais antiga), e não com a versão mais recente, a Shingrix (baseada em subunidade recombinante), os dados ainda são relevantes. A estimativa é que, se o efeito for mesmo causal, a imunização contra herpes zoster pode ser uma das formas mais eficazes e custo-efetivas de prevenir a demência, superando medicamentos disponíveis atualmente.

A relevância é ainda maior quando se considera o envelhecimento da população mundial e o impacto devastador das demências — como o Alzheimer — tanto sobre pacientes quanto sobre suas famílias e sistemas de saúde.

O estudo também serve como exemplo de como políticas públicas podem gerar oportunidades únicas para estudos científicos. A simples existência de uma regra de vacinação baseada em data de nascimento permitiu, por acaso, uma separação clara entre grupos, como num ensaio clínico.

A cientista-chefe do estudo, aliás, reconhece que parte do impacto social da pesquisa está na sua aplicabilidade. Se comprovado por outras análises, o achado pode influenciar campanhas de vacinação, especialmente entre idosos, e oferecer uma nova esperança para frear o avanço de doenças neurodegenerativas.

Em tempos em que a confiança nas vacinas é questionadas por grupos negacionistas, estudos como este reforçam que a ciência pode proteger vidas inclusive de formas inesperadas.

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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