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Lembram da jovem Karina Pereira Rosa, de apenas 15 anos de idade, que foi aprovada no vestibular para o Curso de Odontologia da Universidade Federal do Pará, na 34ª colocação, mesmo sem ter concluído o ensino médio?

Pois bem. Sua família ajuizou, através do advogado André Serrão, Ação de Obrigação de Fazer contra a UFPA requerendo a matrícula da estudante sob o argumento de que a Constituição da República estabelece que o acesso aos níveis superiores devem decorrer do esforço pessoal de cada um; que a necessidade de certificado de nível médio é mera formalidade burocrática, e que o impedimento por conta do critério etário se traduz em conduta discriminatória que fere o princípio constitucional da igualdade.
O juiz da 5ª Vara Federal de Belém-PA indeferiu o pedido aduzindo, em síntese, que ela não cumpriu as exigências do edital. Mas, em Agravo de Instrumento ao TRF da 1ª Região, o desembargador Souza Prudente, relator perante a Quinta Turma, concedeu a liminar, publicada ontem no Diário da Justiça da União. (processo: 0007644-04.2015.4.01.0000).    

Citando que o entendimento jurisprudencial já consolidado no âmbito do TRF1 sobre a matéria é no sentido de que “ao candidato aprovado em regular processo seletivo para ingresso no ensino superior assegura-se o direito à matrícula, ainda que pendente de apresentação da documentação de conclusão do ensino médio, desde que esta venha a se efetivar antes da data prevista para o início do semestre letivo”, o relator entendeu que, muito embora não configurada a hipótese ventilada no precedente jurisprudencial, a documentação carreada para os autos aponta para a conclusão do ensino médio ainda no ano letivo em curso, na iminência de preencher o requisito legal para ingresso no ensino superior, caracterizando, dessa forma, a excepcionalidade da situação fática da aluna recorrente, a autorizar a concessão da tutela almejada, na linha, inclusive, do entendimento já dispensado pela colenda Sexta Turma do TRF1, em caso similar, na dicção de que “o pequeno lapso temporal, ocorrido entre o início das aulas e a conclusão do ensino médio não tem o condão de descaracterizar a excepcionalidade da situação, em homenagem ao princípio da razoabilidade, mormente quando já consumada situação de fato autorizada por decisão judicial, proferida há mais de 01 (um) ano, que, liminarmente, garantiu a matrícula objeto do presente writ, sendo desaconselhável a sua desconstituição”

O relator observou, ainda, que a estudante obteve notas no Exame Nacional de Ensino Médio – Enem suficientes ao seu ingresso no ensino superior, atraindo, assim, a orientação jurisprudencial sobre a matéria, conforme, dentre outros, os seguintes julgados: 

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CERTIFICADO DE CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO EM FACE DE APROVAÇÃO NO ENEM. CANDIDATO MENOR DE 18 ANOS. PORTARIA MEC Nº 807/2010. INGRESSO EM INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR. POSSIBILIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. DEFERIMENTO DA LIMINAR. FATO CONSUMADO. SENTENÇA MANTIDA. I – A questão posta ao reexame refere-se à possibilidade de reconhecimento dos resultados obtidos por candidato menor de 18 anos nas provas do ENEM para fins de certificação de conclusão do ensino médio, com vistas ao ingresso em instituição de ensino superior para a qual fora aprovado. II- Não obstante a exigência etária estabelecida pela Portaria nº 807/2010 do Ministério da Educação para aqueles que intencionam obter o aludido certificado com base unicamente em aprovação no ENEM, há de se prestigiar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade em detrimento de imposições meramente formais. III- A tutela jurisdicional ora buscada, além de se encontrar respaldada pela noticiada capacidade do impetrante, que alcançou ótimas notas no certame, alinha-se harmoniosamente ao exercício do direito constitucional à educação (CF, art. 205) e à expectativa de futuro retorno intelectual em proveito da nação, que hão de prevalecer sobre formalismos eventualmente inibidores e desestimuladores do potencial científico daí decorrente. IV- Na espécie dos autos, deve-se valorizar o mérito do estudante que, a um ano de concluir o ensino médio, logrou aprovação no ENEM, tornando-se apto a ingressar em duas universidades públicas federais. Entender o contrário equivaleria a impedir injustamente a ascensão intelectual do aluno que já possui conhecimento suficiente para se matricular no curso pretendido. V- A demais, na hipótese, por força da liminar deferida nos autos, em 16/02/2012, restaram asseguradas ao impetrante a expedição do certificado almejado e a consequente efetivação da matrícula no curso superior de sua escolha, impondo-se ao caso a aplicação da teoria do fato consumado, haja vista que o decurso do tempo consolidou uma situação fática cuja desconstituição não se mostra razoável. VI – Remessa oficial desprovida. Sentença confirmada. (REOMS 0001169-44.2012.4.01.3813/MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL CARLOS EDUARDO CASTRO MARTINS (CONV.), QUINTA TURMA, e-DJF1 p.625 de 01/03/2013)”

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. MATRÍCULA. ALUNO APROVADO NO VESTIBULAR ENQUANTO NÃO CONCLUÍDO O SEGUNDO GRAU. POSSIBILIDADE. DECLARAÇÃO DE ESCOLARIDADE. DECURSO DO TEMPO. ÓBICES TRANSPOSTOS. SEGURANÇA CONCEDIDA. SENTENÇA CONFIRMADA. 1. Deve ser prestigiada a situação do aluno que, antes de concluído o ensino médio, logra aprovação no vestibular, o que denota, sem sombra de dúvida, a capacidade intelectual para o ingresso na universidade. (…) 6. Sentença confirmada. 7. Apelação e remessa oficial desprovidas. (TRF 1ª Região, AMS 0024292-54.2009.4.01.3400/DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO, SEXTA TURMA, e-DJF1 p.422 de 24/10/2011)

ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. ENEM. MENOR DE DEZOITO ANOS. RAZOABILIDADE. VESTIBULAR. CERTIFICADO DE CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO EM FACE DE APROVAÇÃO NO ENEM. PORTARIA MEC 807/2010. PRECEDENTE. -Trata-se de apelação e remessa obrigatória de sentença que, confirmando a liminar deferitória, concedeu a segurança para determinar ao impetrado ou ao responsável pelo setor competente do INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO GRANDE DO NORTE- IFRN a imediata expedição do Certificado de Conclusão do Ensino Médio em nome do impetrante, caso já não tenha o feito por força da tutela de urgência. -A questão posta a deslinde cinge-se ao reconhecimento dos resultados obtidos nas provas do ENEM da impetrante para fins de certificação de conclusão de ensino médio, junto à universidade impetrada para fins de matrícula após aprovação no vestibular no curso de Direito. -Fere o princípio da razoabilidade que a impetrante havendo conquistado aprovação no vestibular e no ENEM sofra prejuízo em sua vida escolar até porque a portaria do MEC 807/2010 possibilita a utilização do resultado do ENEM para obtenção de certificação de conclusão do ensino médio, mesmo para aqueles que ainda não o concluíram. -Precedentes: PROCESSO: 00035220520114058300, AC543585/PE, DESEMBARGADORA FEDERAL CÍNTIA MENEZES BRUNETTA (CONVOCADA), Terceira Turma, JULGAMENTO: 19/07/2012, PUBLICAÇÃO: DJE 27/07/2012- Página 181 e PROCESSO: 00008492720114058401, APELREEX19588/RN, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO BARROS DIAS, Segunda Turma, JULGAMENTO: 13/12/2011, PUBLICAÇÃO: DJE 15/12/2011- Página 69.- Apelação e remessa obrigatória improvidas. (TRF 5ª Região, PROCESSO Nº: 00002167920124058401, APELREEX24111/RN, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL SÉRGIO MURILO WANDERLEY QUEIROGA (CONVOCADO), Segunda Turma, JULGAMENTO: 25/09/2012, PUBLICAÇÃO: DJE 04/10/2012- Página 483)-grifei. 

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AGTR. AÇÃO ORDINÁRIA. CANDIDATA COM MENOS DE 18 (DEZOITO) ANOS DE IDADE APROVADA NO ENEM. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DA INSTITUIÇÃO CERTIFICADORA. INGRESSO EM UNIVERSIDADE SUPERIOR DE ENSINO. POSSIBILIDADE. DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL E DO STJ. AGTR PROVIDO. 1. (…) 2. O cerne da questão ora apresentada cinge-se à possibilidade de se admitir o ingresso em instituição de ensino superior de candidata aprovada no exame do ENEM, que não tenha completado 18 (dezoito) anos de idade quando da realização da primeira prova, nem tenha apresentado o certificado de conclusão do ensino médio. 3. No caso, a ora agravante não cumpre os requisitos da Portaria Normativa nº 16/2011 do MEC e do item 6.9.3 do Edital do ENEM. Todavia, tais exigências devem ser mitigadas, em prol da efetividade do direito fundamental à educação, o qual é tutelado constitucionalmente (arts. 205 a 214, CF). Registre-se que a teleologia da norma insculpida no art. 205, da Carta Magna consiste em proteger situações como a que ora se apresenta. 4. Ademais, considere-se que a aluna adquirirá a maioridade no dia 03/12/2012, de sorte que a situação da candidata, a qual, a propósito, foi a primeira pré-selecionada como bolsista integral do PROUNI na Faculdade Farias de Brito para o curso de Direito, não deve ceder à mera restrição formal que, no presente caso, não se coaduna com os preceitos da Constituição Cidadã. 5. Permitir a manutenção da aluna na instituição superior de ensino é medida condizente com a prestação da efetiva jurisdição constitucional. Aplicam-se ao caso os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, os quais orientam o Julgador a exercer a prestação jurisdicional em conformidade com as normas regentes, sem olvidar a principiologia constitucional e as peculiaridades do caso concreto, zelando-se por uma “ordem jurídica justa”, nas palavras de Kazuo Watanabe. (…) 7. AGTR provido, para determinar a manutenção da agravante como aluna regularmente matriculada na Faculdade Farias de Brito. (TRF 5ª Região, AG 00083290520124050000, Desembargador Federal Emiliano Zapata Leitão, Primeira Turma, DJE- Data::06/12/2012- Página::161.)”

Adotando esse embasamento, o desembargador deferiu o pedido de antecipação da tutela para assegurar o direito à matrícula, sem prejuízo de regular comprovação, no final do ano letivo em curso, da conclusão do ensino médio, sob pena de ineficácia da ordem. 
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, presidente da Academia Paraense de Jornalismo, membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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