Um estudo publicado na revista The Lancet no último dia 8 de novembro relata que três pacientes com comprometimento severo da visão experimentaram melhorias significativas e duradouras após receberem transplantes de células-tronco reprogramadas. Esse progresso é um marco no tratamento da deficiência de células-tronco límbicas, condição conhecida como LSCD, que leva à formação de cicatrizes na córnea e, eventualmente, à cegueira.
A camada mais externa da córnea é mantida por um conjunto de células-tronco localizadas no anel límbico – a borda escura ao redor da íris. Esse “reservatório” celular é essencial para a regeneração contínua da córnea. Quando essas células são danificadas, seja por trauma, doenças autoimunes ou condições genéticas, o processo regenerativo é interrompido, resultando na formação de tecido cicatricial que bloqueia a visão.
Atualmente, as opções de tratamento para LSCD são limitadas. Em casos onde apenas um olho é afetado, células saudáveis do próprio paciente podem ser usadas em transplantes, mas o procedimento é invasivo e os resultados são incertos. Em casos bilaterais, uma alternativa é o transplante de córnea de doadores falecidos, o que envolve risco de rejeição imunológica.
No estudo liderado pelo oftalmologista Kohji Nishida, da Universidade de Osaka, Japão, os pesquisadores optaram por uma abordagem alternativa: o uso de células-tronco pluripotentes induzidas (iPS) para criar novos enxertos de células epiteliais da córnea. Para isso, células sanguíneas de um doador saudável foram reprogramadas para um estado similar ao embrionário e, em seguida, transformadas em uma camada fina de células epiteliais transparentes, dispostas em um formato de mosaico característico da superfície da córnea.
Entre junho de 2019 e novembro de 2020, a equipe recrutou quatro participantes – dois homens e duas mulheres com idades entre 39 e 72 anos – que apresentavam LSCD bilateral. Durante a cirurgia, os médicos removeram o tecido cicatricial de um dos olhos afetados e aplicaram cuidadosamente a camada de células-tronco iPS sobre a córnea. Para proteger o transplante, uma lente de contato foi colocada sobre a nova camada celular.
Dois anos após o procedimento, nenhum dos quatro pacientes apresentou efeitos colaterais graves. Os enxertos não desenvolveram tumores, um risco associado ao uso de células iPS, nem sinais de rejeição imunológica, mesmo em dois pacientes que não receberam medicamentos imunossupressores. “Ver que os enxertos não foram rejeitados é um alívio importante”, declarou Kapil Bharti, pesquisador de células-tronco no Instituto Nacional de Olhos dos Estados Unidos, para o portfolio da Nature.
Todos os participantes observaram uma melhoria imediata na visão após os transplantes, com uma redução na área afetada pela LSCD nas córneas. No entanto, um dos pacientes apresentou uma leve regressão das melhorias durante o período de um ano de acompanhamento.
Apesar dos resultados animadores, os pesquisadores ainda não sabem exatamente o que causou as melhorias na visão dos pacientes. Pode ser que as células transplantadas tenham se proliferado e substituído diretamente o tecido danificado. Alternativamente, a remoção do tecido cicatricial antes do transplante pode ter estimulado as células remanescentes da córnea a se regenerarem. Outra hipótese é que o procedimento tenha desencadeado uma resposta no próprio organismo dos pacientes, mobilizando células de outras regiões dos olhos para reparar o tecido afetado.
Para responder a essas questões e verificar a eficácia do procedimento, Nishida e sua equipe planejam iniciar ensaios clínicos em março de 2025. O objetivo será avaliar se estes resultados podem ser replicados em uma amostra maior e com maior controle científico.
O sucesso inicial deste estudo se soma a uma série de pesquisas que utilizam células reprogramadas para tratar doenças oculares. Jeanne Loring, especialista em células-tronco do Scripps Research Institute, nos Estados Unidos, considera que os resultados justificam a expansão do tratamento para mais pacientes.
Bharti compartilha o otimismo. “Essas histórias de sucesso sugerem que estamos no caminho certo”, afirmou. Se os ensaios clínicos continuarem a mostrar resultados positivos, a terapia com células iPS pode oferecer uma alternativa segura e eficaz para milhares de pessoas ao redor do mundo que enfrentam a cegueira devido a condições que afetam a córnea.
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