Amanhã, dia 23 de julho, acontecerá a tão esperada Cerimônia de Abertura dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Verão de Tóquio, que por causa da pandemia do Covid-19 foi adiada para este ano e não terá público presente – com exceção de membros VIP. A oposição da população japonesa é altíssima, já que a cidade está no meio de um novo surto de contágio – sábado passado foram 1410 novos casos em Tóquio – e mesmo com todos os cuidados para a formação da “bolha”, já são quatro os casos notificados de infectados na Vila Olímpica. O Brasil, para proteger ao máximo sua delegação, será representado apenas pelos atletas Bruninho Rezende, do vôlei, Ketleyn Quadros, do judô, pelo chefe de missão da delegação e por um oficial administrativo. O diretor de esportes do Comitê Olímpico Brasileiro, Jorge Bichara, declarou que os patrocinadores do uniforme de desfile da delegação brasileira, a Havaianas e a Wollner, não fizeram exigências e acataram a decisão de proteger os atletas, diferentemente da maioria dos outros países que, por causa de compromissos comerciais, devem ter delegações entre quinze a vinte pessoas na cerimônia. Para o capital abrem-se exceções, porém já virou emblemático o caso da atleta de nado sincronizado e medalhista olímpica espanhola Ona Carbonell, que é lactante e não pode levar o seu filho Kai, de onze meses, por causa das restrições em razão da pandemia.
A Cerimônia Olímpica é um momento mágico pelo qual eu espero religiosamente desde que me entendo por gente e, com a fama do perfeccionismo nipônico, tenho certeza de que amanhã será impossível conter as lágrimas, que sem dúvidas serão acentuadas pelo momento terrível pelo qual estamos a passar desde o ano passado. As competições, entretanto, já começaram, e as polêmicas ultrapassam o âmbito pandêmico e podem transformar esta edição na mais politizada da história depois que o Comitê Olímpico Internacional afrouxou a regra 50 da Carta Olímpica que diz que “nenhum tipo de manifestação ou propaganda política, religiosa ou racial é permitida em locais, instalações ou outras áreas olímpicas”. Cada vez mais com um sentimento de protagonismo social, os atletas têm lutado para conquistarem seus merecidos espaços independentemente de sexo, gênero, cor, origem, religiosidade, inspirando toda a sociedade com suas representatividades.
O primeiro protesto antirracista das Olimpíadas de Tóquio aconteceu no jogo de futebol feminino entre Chile e Grã-Bretanha, quando as duas seleções ajoelharam em campo antes da partida, gesto que popularizou-se mundialmente ao ser adotado por atletas dos mais diferentes desportos desde o assassinato de George Floyd. No jogo de abertura, entre Brasil e China, a brasileira Marta, marcou dois gols e tornou-se a única atleta de futebol – feminino e masculino – a marcar gols em cinco Olimpíadas consecutivas, e até agora é a segunda maior goleadora olímpica, com doze gols, perdendo apenas para a também brasileira Cristiane, com catorze, e que não está neste elenco atual. Marta divide com Lionel Messi o título de maior vencedora da Bola de Ouro da Fifa da história com seis títulos conquistados, além das cinco outras vezes em que ficou entre as três melhores jogadoras do mundo. Marta também tem na bagagem três títulos Pan-americanos, três Copas América, duas medalhas de prata em Olimpíadas, duas Champions League, quatro Campeonatos Sueco, uma Copa da Suécia e duas Super Copas da Suécia, e é a maior artilheira em Copas do Mundo – marcou 17, ultrapassando os 16 do alemão Miroslav Klose. Dona de uma carreira impressionante, Marta não é patrocinada por nenhuma marca esportiva por não aceitar os valores inferiores em comparação aos atletas homens considerados de topo. É célebre sua declaração que diz que não quer que lhe paguem o mesmo que o Neymar e sim o que a Marta vale (que, só pelo breve currículo relatado aqui, podemos perceber que é infinitamente maior ao medíocre jogador do Paris Saint Germant, que para além de tudo tem conduta político-social e moral completamente contestável e ainda assim ganha 269 vezes a mais do que a melhor futebolista do mundo). Marta joga com chuteiras pretas pela igualdade de gênero, é protagonista da campanha Go Equal! que escancara o machismo dentro do esporte, é ativista LGBTQI+, embaixadora global da Organização das Nações Unidas para as Mulheres e um dia antes da estreia em Tóquio fechou patrocínio pessoal para ser a Líder Global de Diversidade e Inclusão da LATAM. Pessoalmente, é impossível esperar uma atuação menos do que brilhante de Marta, e também impossível não cultivar admiração por Formiga, a atleta de 43 anos que é a primeira na história do futebol – feminino e masculino – a jogar em sete Olimpíadas consecutivas (com o adendo de que a brasileira participou de todas as edições da modalidade, já que o futebol feminino entrou para o torneio olímpico somente em 1996).
A egípcia Sarah Gamal, engenheira civil e ex-jogadora de basquete, entrou para a história ao ser a primeira mulher árabe a arbitrar um jogo olímpico de basquete. Em 2012 a seleção iraniana feminina de futebol foi impedida pela Fifa de participar das eliminatórias para as Olimpíadas de Londres por causa da indumentária religiosa. Apenas em 2016, no Rio, foi que as mulheres muçulmanas puderam usar o hijab. Apesar do avanço neste sentido, a Federação Internacional de Natação deu um salto para trás em Tóquio ao proibir os atletas de natação usarem toucas especialmente desenvolvidas para cabelos afro. Recentemente, durante o último Campeonato Europeu de handebol de praia, antes das Olimpíadas, o time feminino da Noruega foi multado por usar shorts em vez de biquínis. A Federação de Handebol da Noruega apoiou suas atletas e responsabilizou-se pelos valores – que são pessoais – por entender a total falta de fundamento técnico na diferença de uniformes entre os times feminino e masculino e a completa exploração comercial sem autorização da imagem das atletas.
Até hoje o casamento homoafetivo não é legalizado no Japão, mas esta edição olímpica é a primeira a ter uma atleta transgênero a participar. A neozelandesa Laurel Hubbard disputará na categoria acima dos 87kg no Levantamento de Peso. A polêmica, entretanto, é grande, já que Hubbard competiu na categoria masculina até os 30 anos, ou seja, passou pela puberdade com as alterações fisiológicas inerentes ao sexo masculino que são irreversíveis. Porém, para poder competir em Tóquio, a atleta de 43 anos teve que manter o seu nível de testosterona abaixo de 10 nmol/l durante doze meses, fiscalizada sempre pela Federação Internacional de Levantamento de Peso.
É extremamente relevante ressaltar o posicionamento de Paulinho, futebolista brasileiro, que no momento mais obscuro e intolerante da história recente brasileira, quando o governo federal escandalosamente usa o dinheiro público para mandar o vice-presidente e um grupo de parlamentares para Angola negociar interesses da Igreja Universal do Reino de Deus, e num ambiente dominado pelo discurso evangélico, fala abertamente sobre o Candomblé, sua religião, tolerância, luta por direitos. Em sua “Carta de Coração Aberto”, publicada pelo site The Player’s Tribune, ele diz “Por tudo que nosso país já sofreu, temos não só o preconceito com religiões de matriz africana, mas também de outras naturezas, como de raça, gênero e orientação sexual. Como uma pessoa que tem voz, eu não posso me dar o direito de permanecer calado. De não me posicionar diante de preconceitos e negligências”. Quem também usa seu amplo alcance nas redes sociais é o já medalhista de ouro olímpico Douglas Souza, do vôlei, o primeiro assumidamente homossexual da modalidade no Brasil a competir em alto rendimento. Preciso confessar: estou viciada no instagram da bee. Ele é o máximo e têm feito uma cobertura divertidíssima do backstage da Vila Olímpica!
Amanhã, ás 8h (horário do Brasil) ou ao meio-dia (horário de Portugal), espero que estus atletus e tantos outres não aqui citados, estas histórias, estas conquistas, inspirem não só o esporte, mas os infinitos aspectos das vidas de cada um de nós, para que usemos nossas habilidades, nossos talentos, as nossas vozes e a nossa capacidade de amplificar os gritos de progresso para construir um mundo melhor.
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