Fui à agência do banco onde tenho conta. Vesti-me tal um astronauta. A moça veio atender com um sorriso, confirmando comigo a profissão de escritor. Sinto até um constrangimento. É como encontrar uma celebridade, ou alguém que vive em outra esfera, talvez de sonhos. Contou que seu pai, com mais de setenta, lê muito pouco e vê muita televisão. Quando quer conversar, faltam palavras, vocabulário para expressar suas opiniões. Pois é. O grande desafio da Literatura, hoje, captar a atenção das pessoas, seja por conta da Educação brasileira, em péssimo momento, seja pela atração de outros meios, que apesar de luminosos, mostrar cenários incríveis, por outro lado, cortam a possibilidade de imaginar nossos próprios cenários, enriquecer nossa coleção de palavras e frases. Recolho-me à minha insignificância para discutir aspectos técnicos da leitura para jovens, mas acho que forçá-los a ler Machado de Assis, maravilhoso escritor, mas com construção de frases e palavras de outro tempo, vai entediar quem vem da tv e dos games, onde tudo é veloz, cada quadro com uns dois segundos, no máximo. É preciso conquistar, primeiro, com livros, revistas em que o enredo e as palavras sejam apropriadas a essa idade. Não sei se ainda estão nas bancas, não sei nem se ainda existem bancas de revistas, onde se comprava, antes, livrinhos como Tex, ZZ7 e Corin Tellado, por exemplo. Aventuras rápidas, português simples e pronto, era um bom começo. Tex era bang bang. ZZ7 tinha Brigitte Montfort, a espiã, sempre em capas deliciosas, com formas fartas desenhadas por Benício. Corin Tellado era para as meninas, mas acho, superado nos dias de hoje. Quanto a mim, comecei pelos livros de aventuras da biblioteca de meu avô Edgar Proença. Li todos os Alexandre Dumas, Robin Hood, Ivanhoé, Ladrão de Bagdad, enfim, tudo. Tenho, ainda hoje, atração por histórias medievais. Já soube que a Netflix mostra a mais recente versão da série Outlander. Estou lendo os três livros de Hilary Mantell, inglesa condecorada por seu talento em contar a história da Inglaterra, já tantas vezes publicada, mas agora, com muitos outros detalhes e uma capacidade ficcional altíssima. São três livros com letras miúdas e muitas páginas. Conta sobre Thomas Cromwell, Henrique VIII e o surgimento da Igreja Anglicana, Catarina, Ana Bolena e as guerras com França, Espanha e quem mais aparecer. Semana passada, Antonio Maria, que nas rodas literárias é mais conhecido como o poeta “Corisco”, foi à Livraria Fox e ficou desolado com a falta de público. Falou com Tito Barata e este me ligou. Precisamos fazer alguma coisa. A Fox, somente como livraria, é um órgão divulgador de Cultura da maior importância e perde-la seria terrível. Mas a Fox é mais. Ponto de reunião de intelectuais e pessoas que gostam de livros. Que adoram passar algum tempo procurando novidades, sentados, fazendo um lanche, cafezinho, encontrando os amigos e conversando sobre qualquer assunto, de qualquer matiz. Há mais três ou quatro livrarias pequenas na cidade. Preciso conhece-las, mas devem estar como a Fox, precisando da presença de seus amigos. Claramente, precisando vender livros. Com a pandemia, a quarentena, poucas vacinas, muitos foram adiando fazer uma visita. Enquanto discutíamos o que fazer para levar de volta as pessoas, fiz uma postagem no Facebook, sobre o assunto e adiantei uma solução simples, que foi convocar essas pessoas amigas da Fox a ir comprar livros. Só. Simplesmente. A resposta veio no dia seguinte e a livraria viveu dias de lotação esgotada. Quanto a mim, tive meus livros esgotados. Que bom. Esteve de volta aquele ambiente feliz, cultural, cheio de conversas, um burburinho especial que deixou a esperança de ao menos adiarmos a perda da Fox, como se já não bastasse perdermos tantos amigos para essa doença. Esta é minha primeira crônica para o Uruá-Tapera, de Franssinete Florenzano e Gabi. Espero que gostem.
*O artigo acima é de total responsabilidade do autor.
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