Publicado em: 22 de junho de 2025
Exatamente neste momento de horror, em que as guerras entre nações recrudescem, encontro Stasis: a Guerra Civil Como Paradigma Político, de Giorgio Agamben, na minha estante de leituras do Kindle.
O filósofo italiano, nascido em Roma, é autor de Homo Sacer: O Poder Soberano e a Vida Nua, uma de suas obras mais conhecidas. Na verdade, Giorgio Agamben escreveu a tetralogia Homo Sacer, composta de nove volumes, divididos em quatro seções: Homo Sacer I, Homo Sacer II, III e IV. A obra teoriza sobre a decadência da democracia no estado atual e sobre a predominância do estado de exceção. Para falar dessa crise, o autor faz interlocução teórica com o filósofo alemão Walter Benjamin e com o jurista alemão Carl Schmitt.
Agamben traz à arena de debates e reformula em sua obra conceitos jurídicos e filosóficos muito sólidos, como a norma hipotética fundamental, teorizada por Hans Kelsen no início do século XX e por Carl Schimitt. É possível compreender melhor o fundamento de Agamben a partir do seu diálogo com Benjamin e Schmitt em Estado de Exceção (Homo sacer II, 1). Agamben também dialoga com Michael Foucault, no percurso de sua obra, quando revisita o conceito de biopolítica.
Séculos depois de A República, de Platão, e os embates Stasis e Pólemos
Stasis, na antiguidade grega, dizia respeito à guerra e sedição entre cidadãos da mesma comunidade; guerra entre irmãos. Pólemos deve ser entendido como um tipo específico de guerra: refere-se ao combate contra um estrangeiro, um inimigo externo.
Agora, no século XXI, em Stasis, publicada em 2015, na Itália, o autor teoriza sobre a guerra civil como paradigma político e considera que há uma lacuna na teoria política do Ocidente, quanto à esta questão. Na obra, Agamben retoma e expande a reflexão sobre as guerras civis (guerra entre consanguíneos, para Platão). Devo sublinhar que, para Agamben, o estado de exceção tem sido uma regra na atualidade, haja vista que o estado, a pretexto de nos proteger de inimigos virtuais, e do terrorismo (para a Europa e para os EUA), opera com mecanismos de vigilância dos cidadãos e restrição das liberdades fundamentais.
Agamben se refere a atos de estado semelhantes ao USA PATRIOT Act, decreto que foi assinado pelo presidente George W. Bush, em 26 de outubro de 2001, logo depois dos ataques terroristas de 11 de setembro. O Patriot Act permite, entre outras medidas, que órgãos de segurança e de inteligência dos Estados Unidos interceptem ligações telefônicas e e-mails de organizações e pessoas supostamente envolvidas com o terrorismo, sem a necessidade de qualquer autorização da Justiça, limitando o exercício de liberdades públicas fundamentais.
A obra
No primeiro e no segundo capítulos, “Stasis” e “Leviatã e Behemoth”, reproduzem seminários oferecidos pelo autor na Universidade de Princeton, em 2001, a seis anos da publicação de Homo sacer I.1. O terceiro e último capítulo, “Notas sobre a guerra, o jogo e o inimigo”, foi acrescentado em 2018, ano do lançamento do projeto integrado de Homo sacer.
Algumas questões da teoria política trazidas por Agamben
O autor teoriza que: se há na filosofia política ocidental uma “polemologia”, uma teoria da guerra, e uma “irenologia”, uma teoria da paz, então é preciso conceber uma “stasiologia”, que seria uma teoria da guerra civil. Por stasiologia devemos entender uma teoria política sobre a guerra civil, ou, como diria Platão, guerra entre consanguíneos. Os gregos diziam que a stasis é a guerra fratricida de uma comunidade contra si mesma. É este o tema de uma possível teoria política sobre a guerra civil.
O autor vê a guerra civil como o primeiro estágio da politização do Ocidente. Agamben se propõe a investigar essa lacuna no pensamento político. Para enxergar por dentro, utiliza o pensamento grego e a teoria de Hobbes, para compreender a fisiologia do poder no estado moderno. Assim como em Homo Sacer, Agamben elabora uma crítica ao contrato social (do ponto de vista do consenso e da representatividade) como uma narrativa de origem do estado moderno e também teoriza sobre ademia, que seria a ausência de povo no estado moderno.
É certo que, para Thomas Hobbes, o contrato social é uma alternativa ao estado de natureza e à guerra de todos contra todos. Na antiguidade, por outro lado, a guerra civil teria outro significado político. Para tratar sobre a antiguidade clássica, o autor aborda o trabalho da historiadora Nicole Loureaux. A autora pensa a guerra (stasis) partir da relação com a família (óikos) e a cidade (polis), compondo um cenário em que a guerra articula os limites entre o público e o privado. É nesse ponto que a teoria interessa para Agamben, que compreende o contexto da guerra civil como estado de exceção
É interessante a leitura que Agamben faz de Thomas Hobbes e de seu Leviatã, da representatividade política vista por Hobbes dentro das arestas de poder da figura titânica do estado. Penso que será muito difícil ler todo o stasis sem revisitar algumas páginas do Leviatã, para compreender a anatomia do poder emanado do soberano e do povo no estado moderno, do mesmo modo que é difícil compreender conceitos como biopolítica sem ler Foucault.
A obra de Agamben tem influência de de Martin Heidegger, Walter Benjamin, Michael Foucault, Thomas Hobbes, Franz Kafka, Gilles Deleuze, Jacques Derrida, Jean-François Lyotard e Pierre Klossowski, para citar alguns. Mas o autor também transita pela literatura, pela arte e pelo cinema. Aqui, no Brasil, a editora Boitempo lançou a obra O Fogo e o Relato, com o subtítulo Ensaios sobre Criação, Escrita, Arte e Livros. Estou com esse título na lista de leitura. Se calhar, farei uma resenha neste espaço.
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