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O Senado Federal aprovou na última quarta-feira, 28 de maio, o Projeto de Lei 2.985/2023, que impõe severas restrições à publicidade das chamadas casas de apostas esportivas, conhecidas como “bets”. A proposta, de autoria do senador Styvenson Valentim (PSDB-RN), foi aprovada em plenário com apoio expressivo de parlamentares da base governista e da oposição. O texto segue agora para apreciação da Câmara dos Deputados.

Aprovado em caráter de urgência após passar pela Comissão de Esporte, o projeto altera dispositivos da Lei 14.790/2023, que regula o funcionamento das bets no Brasil, para estabelecer regras que tentam frear o crescimento descontrolado da exposição midiática dessas plataformas. A principal motivação é conter os impactos sociais, financeiros e psicológicos de um fenômeno que já é tratado como questão de saúde pública no país.

Uma das mudanças mais relevantes trazidas pelo texto é a proibição do uso de figuras públicas nas campanhas de publicidade das casas de apostas. A nova legislação impede a participação de atletas em atividade, artistas, comunicadores, influenciadores digitais e autoridades públicas, figuras que até aqui foram protagonistas de campanhas que apresentavam as apostas como caminho fácil para o sucesso financeiro.

A exceção será para ex-atletas aposentados há mais de cinco anos. A justificativa, segundo o relator da proposta, senador Carlos Portinho (PL-RJ), é preservar a imagem pública de personalidades esportivas e limitar o apelo sedutor das campanhas, especialmente sobre jovens e pessoas em situação de vulnerabilidade.

O projeto aprovado estabelece ainda que as peças publicitárias não podem apresentar as apostas como socialmente atraentes ou como forma de êxito pessoal. Além disso, devem conter, de forma clara e ostensiva, o aviso: “Apostas causam dependência e prejuízos a você e à sua família” em todos os formatos e plataformas de divulgação.

A veiculação de cotações dinâmicas, como odds atualizadas em tempo real, também passa a ser proibida durante transmissões ao vivo. Essa estratégia, considerada uma das mais eficazes em engajar apostadores, era amplamente utilizada em partidas de futebol e outros eventos esportivos.

Apesar de não proibir totalmente a publicidade, o texto impõe limites rígidos. Anúncios de apostas em rádio e TV passam a ser permitidos apenas em horários específicos (entre 19h30 e 24h na televisão e das 9h às 11h e das 17h às 19h30 no rádio). Em plataformas de streaming e redes sociais, o conteúdo só poderá ser exibido para usuários maiores de 18 anos, com mecanismos de verificação obrigatórios.

As exceções foram previstas para casos de patrocínio oficial. Assim, casas de apostas poderão estampar suas marcas em uniformes, materiais de campo e arenas esportivas, desde que sejam patrocinadores oficiais do evento ou das equipes participantes. Porém, é vedado o uso dessas marcas em uniformes de atletas menores de 18 anos e em peças voltadas ao público infanto-juvenil.

A legislação atual proíbe que operadores de apostas esportivas adquiram, licenciem ou financiem direitos de eventos desportivos realizados no Brasil. No entanto, o relatório do senador Carlos Portinho (PL-RJ) introduz mudanças significativas ao permitir que essas empresas patrocinem equipes esportivas.

No campo do entretenimento, o texto aprovado permite o patrocínio de eventos e programas esportivos, culturais ou jornalísticos, inclusive aqueles veiculados por rádio, televisão ou plataformas digitais, sem limitação de horário. Nesses casos, é autorizada apenas a exposição visual da marca, sem mensagens promocionais além do necessário para identificar o patrocinador.

Outra novidade relevante é a autorização para que as operadoras de apostas se utilizem de leis de incentivo fiscal, tanto em nível federal quanto estadual, municipal ou distrital, para financiar projetos esportivos ou culturais incentivados.

O projeto também amplia os mecanismos de fiscalização e responsabilização no ambiente digital. Pela norma vigente, empresas responsáveis por veicular publicidade , incluindo provedores de aplicativos e serviços de internet, devem retirar do ar campanhas irregulares assim que notificadas pelo Ministério da Fazenda. A obrigação também se estende a provedores de conexão e aplicativos que ofertem serviços em desacordo com a regulamentação.

A nova redação aprovada pelo Senado estabelece que, caso a ordem de retirada não seja cumprida, as plataformas digitais, empresas de publicidade e provedores passam a responder solidariamente pelos conteúdos irregulares veiculados.

Com essas medidas, o texto busca garantir maior controle e responsabilização em relação à publicidade de apostas, protegendo especialmente o público jovem e assegurando que a regulamentação seja efetiva e respeitada em todos os canais de comunicação.

O senador Carlos Portinho destacou que o projeto busca uma regulamentação equilibrada. “Não é uma proibição total, mas sim uma regulamentação para proteger os mais vulneráveis. Estamos reconhecendo a existência da atividade, mas limitando seus efeitos nocivos sobre a sociedade”, afirmou.

Dados do Instituto DataSenado revelam que cerca de 22 milhões de brasileiros (13% da população com mais de 16 anos) realizaram apostas em plataformas de quota fixa nos 30 dias anteriores à pesquisa. Mais da metade dos apostadores (52%) vive com renda de até dois salários mínimos, o que acende o alerta para o risco de endividamento, adoecimento mental e exclusão social.

Parlamentares que defenderam a medida classificaram o avanço das bets como uma “epidemia silenciosa”, com impacto crescente entre os jovens e nas camadas mais empobrecidas da sociedade. O texto aprovado também proíbe qualquer associação entre apostas e atributos como beleza, riqueza, sucesso sexual ou estabilidade financeira, tentando cortar o apelo emocional e aspiracional explorado pelas campanhas anteriores.

A medida foi bem recebida por especialistas em políticas públicas, que apontam a necessidade de regulação robusta para conter a expansão sem controle desse mercado, que lucra bilhões ao explorar brechas na legislação e a ilusão de lucro fácil.

Mesmo com as exceções para clubes e arenas esportivas, o projeto designa um novo marco na relação entre o setor de apostas e o público. Agora, espera-se que a Câmara dos Deputados analise e aprove o texto com celeridade, garantindo que as regras estejam em vigor antes de eventos esportivos de grande porte e da expansão de campanhas publicitárias já previstas para o segundo semestre.

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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