Publicado em: 18 de julho de 2025
A prefeita Francineti Carvalho, de Abaetetuba, em parceria com o Instituto Alziras, promoveu uma roda de conversa com mulheres cuidadoras do município, com o objetivo de ouvir as demandas dessas mulheres e discutir políticas públicas voltadas à saúde mental, valorização do trabalho de cuidado e criação de equipamentos de apoio para aliviar a sobrecarga que recai, majoritariamente, sobre elas.
“É fundamental que as mulheres que cuidam também sejam cuidadas”, afirmou a prefeita, destacando a importância de transformar o cuidado em uma pauta coletiva e estruturada.
Marina Barros, do Instituto Alziras, elogiou a iniciativa e ressaltou o impacto do investimento em equipamentos e políticas que beneficiam diretamente as mulheres. “Então a gente vê que é muito importante esse investimento que a prefeita faz no cuidado das crianças, dos idosos, das pessoas com deficiência e dessa forma também impulsionando mais mulheres”, declarou. A ação buscou compreender os desafios enfrentados por mulheres que conciliam a responsabilidade com crianças, idosos, pessoas com deficiência, o trabalho doméstico e, muitas vezes, o sustento da família.
A pauta dialoga com uma agenda global de reconhecimento e reparação da histórica desigualdade de gênero no trabalho de cuidado. Exemplos internacionais evidenciam a urgência de políticas estruturantes. No México, o governo da presidenta Claudia Sheinbaum lançou o programa Pensión Mujeres Bienestar, destinado a mulheres entre 60 e 64 anos, com o pagamento bimestral de 3 mil pesos mexicanos (cerca de R$ 930). A iniciativa busca ampliar a autonomia econômica dessa população, frequentemente invisibilizada e sem renda própria, mesmo após uma vida dedicada ao cuidado de familiares e trabalhos não remunerados.
Dados do Instituto Nacional de Estatística e Geografia (INEGI) daquele país mostram que 35,3% das mulheres mexicanas relatam discriminação unicamente pelo fato de serem mulheres (ENADIS 2022). Além disso, a Encuesta Nacional de Ocupación y Empleo (ENOE) de 2024 revela que apenas 46 de cada 100 mulheres em idade ativa estão inseridas no mercado formal de trabalho, contra 76 de cada 100 homens. Essas desigualdades se refletem na falta de independência financeira e no acúmulo de funções que as mantêm presas ao ciclo do cuidado.
No Brasil, a sobrecarga feminina no trabalho doméstico e de cuidado não remunerado é amplamente documentada. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2022 as mulheres dedicaram em média 21h36min semanais a afazeres domésticos e cuidados de pessoas, enquanto os homens gastaram 11h48min. Essa diferença, de quase 10 horas, representa um dos principais entraves à inserção plena das mulheres no mercado de trabalho.
O recorte por classe social evidencia desigualdades ainda mais marcantes. Mulheres brancas e negras em domicílios com renda de até um quarto de salário mínimo por pessoa (as mais pobres) dedicam cerca de 25 horas semanais ao trabalho não remunerado, enquanto as mulheres em lares de maior renda (8 salários mínimos ou mais) dedicam entre 13 e 15 horas. Entre os homens, essa diferença varia entre apenas 3 e 4 horas semanais, revelando que o peso do cuidado é uma questão sobretudo feminina e de classe.
Os dados do IBGE reforçam esse cenário de desigualdade. Em 2022, 92,1% das mulheres com 14 anos ou mais realizaram afazeres domésticos ou cuidados de pessoas, enquanto entre os homens esse percentual foi de 80,8%. A média semanal nacional de dedicação a essas atividades foi de 21,3 horas para as mulheres e 11,7 horas para os homens, evidenciando a diferença de carga.
Entre aquelas que estão inseridas no mercado de trabalho, as mulheres dedicam, em média, 6,8 horas a mais aos cuidados e afazeres domésticos do que os homens ocupados. O recorte racial também acentua essa disparidade: 92,7% das mulheres pretas realizam essas tarefas. No grupo etário, jovens de 14 a 24 anos registram menor taxa de participação nos afazeres domésticos (77,6%), enquanto entre as mulheres de 25 a 49 anos o índice chega a 95,1%.
A realidade das mulheres de Abaetetuba reflete esse quadro estrutural. Em uma região onde grande parte da economia doméstica se apoia na pesca artesanal, no extrativismo e no trabalho informal, o papel de cuidadoras recai quase exclusivamente sobre as mulheres, o que limita seu tempo e oportunidades de formação, emprego e renda. Ao criar espaços de escuta e diálogo, como a roda de conversa promovida com o Instituto Alziras, a gestão municipal sinaliza a necessidade de políticas públicas que reconheçam e compartilhem o trabalho do cuidado, transformando-o em um compromisso coletivo.
É nítida a relevância de lideranças femininas em cargos de administração pública que sejam comprometidas com a reparação histórica da desigualdade de gênero. Mulheres no poder, especialmente aquelas que não se subordinam a figuras masculinas como pais ou maridos, tendem a compreender melhor os impactos invisíveis do trabalho não remunerado na vida de outras mulheres, além de inúmeras outras questões. A roda de conversa de Abaetetuba, portanto, não é apenas um encontro pontual, mas um passo para consolidar o debate sobre cuidado, autonomia e igualdade em uma agenda pública urgente.
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