Publicado em: 13 de junho de 2025
A hesitação em relação às vacinas é um fenômeno crescente no mundo todo. Apesar de serem uma das intervenções médicas mais eficazes da história, responsáveis por salvar mais de 150 milhões de vidas nas últimas cinco décadas, a confiança pública nas vacinas caiu drasticamente em muitos países sob a influência de grupos de extrema-direita negacionistas, e principalmente após a pandemia de COVID-19. Uma pesquisa global apontou que, em 52 de 55 países avaliados, a percepção sobre a importância das vacinas infantis caiu durante esse período.
Nos Estados Unidos, por exemplo, cerca de 20% dos pais se dizem hesitantes, o que tem contribuído para surtos de doenças evitáveis, como o sarampo, que já matou três pessoas não vacinadas este ano. A revista Nature publicou um levantamento robusto sobre o que a ciência tem descoberto para ter argumentos em conversas com os ditos anti-vax e enfrentar essa desconfiança.
Segundo o artigo, o primeiro passo ao conversar com alguém com dúvidas sobre vacinas é ouvir. “Assumir que a pessoa é ignorante ou irracional é a receita para afastá-la ainda mais do diálogo”, diz Heidi Larson, da London School of Hygiene & Tropical Medicine. O recomendado é usar empatia e curiosidade, perguntando sobre os medos e motivações por trás da dúvida.
Um exemplo claro foi revelado no estudo europeu VAX-TRUST, que ouviu pais em sete países entre 2021 e 2024: a maioria das preocupações começava com dúvidas sobre os possíveis efeitos adversos nos próprios filhos, muitas vezes baseadas em histórias de conhecidos ou relatos da mídia.
O grupo de especialistas da OMS categoriza as razões da hesitação em três eixos principais:
- Confiança: falta de fé na segurança das vacinas ou no sistema de saúde;
- Complacência: percepção de que a vacina não é necessária;
- Conveniência: dificuldade de acesso aos imunizantes.
A cultura, religião e outros fatores contextuais também têm papel importante.
Uma das estratégias mais promissoras é a chamada entrevista motivacional, na qual o profissional de saúde promove um diálogo empático, respeitoso e baseado em escuta ativa. Em vez de impor, busca entender as hesitações e oferecer informações com base em evidências.
Esse método foi testado em Quebec, Canadá, com 1.100 pais. Sete meses após sessões com essa abordagem, 76% das crianças estavam com a vacinação em dia, contra 69% do grupo de controle. O sucesso levou à implementação do programa em toda a província, aumentando a cobertura vacinal em 7% após dois anos.
Não apenas profissionais de saúde podem ajudar. Segundo os estudos citados, amigos e familiares também têm papel relevante, especialmente quando compartilham experiências pessoais de forma positiva e respeitosa. Isso pode ser suficiente para influenciar quem está apenas ligeiramente inseguro.
Pesquisadores alertam que declarações absolutas sobre a segurança das vacinas podem ser contraproducentes, especialmente no caso de imunizantes mais recentes. A honestidade sobre incertezas, aliada à ênfase no consenso científico e nos mecanismos de vigilância de segurança, é mais eficaz para ganhar confiança.
Além das interações presenciais, estratégias digitais como o prebunking, que ensina a identificar as técnicas de desinformação antes que elas sejam encontradas, vêm ganhando força. Um estudo com jogos online de dez minutos mostrou que esse método pode melhorar a capacidade das pessoas de distinguir entre conteúdo falso e verdadeiro.
No entanto, mudar comportamentos é mais difícil: “Reconhecer a mentira é um passo. Tomar a vacina, outro”, aponta o psicólogo Jon Roozenbeek, do King’s College London. Para ajudar nessa tarefa, ele e outros pesquisadores lançaram o site https://jitsuvax.info/welcome.
Nos Estados Unidos, o avanço de discursos antivacina ganhou novo fôlego com a nomeação de Robert F. Kennedy Jr. para o comando do Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS). Kennedy é conhecido por suas falas desinformadas sobre vacinas e autismo, associação que já foi amplamente refutada por estudos científicos e cuja origem remonta a um artigo fraudulento publicado em 1998 na Lancet.
A cientista Sophia Newcomer, da Universidade de Montana, relata que perdeu seu financiamento após cortes no NIH (Instituto Nacional de Saúde), que cancelou quase metade dos estudos sobre hesitação vacinal. “Os ativistas antivacina estão anos-luz à frente”, lamenta Larson. “Eles são organizados, financiados e estão determinados a minar a confiança na vacinação como política pública.”
O combate à hesitação vacinal é, sem dúvidas, complexo e exige múltiplas frentes: escuta ativa, empatia, informação clara, presença digital e fortalecimento das instituições de saúde. A mensagem mais importante é que todas as pessoas, profissionais da saúde ou não, podem ajudar compartilhando confiança, respeito e conhecimento.
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