Publicado em: 1 de março de 2014
Para quem gosta de polêmica, a sentença do juiz Tom Alexandre Brandão, da 2ª vara Cível de São Paulo, ao absolver o humorista Rafinha Bastos em ação civil pública ajuizada pela APAE, é prato cheio. Eu não gosto do Rafinha Bastos – vale registrar -, mas a decisão é sensacional. Simples assim.
Em um show, ele cometeu esta piada: “um tempo atrás eu usei um preservativo com efeito retardante … efeito retardante … retardou … retardou … retardou … tive que internar meu pinto na APAE … tá completamente retardado hoje em dia … eu tiro ele pra fora e ele.. (grunhidos ininteligíveis)”.
A APAE pediu R$100 mil a título de danos morais. O magistrado revogou liminar anteriormente concedida e afirmou:
Em um show, ele cometeu esta piada: “um tempo atrás eu usei um preservativo com efeito retardante … efeito retardante … retardou … retardou … retardou … tive que internar meu pinto na APAE … tá completamente retardado hoje em dia … eu tiro ele pra fora e ele.. (grunhidos ininteligíveis)”.
A APAE pediu R$100 mil a título de danos morais. O magistrado revogou liminar anteriormente concedida e afirmou:
“A vedação ou limitação ao humor esbarra em valores constitucionalmente garantidos e direitos fundamentais, tais como a liberdade de manifestação do pensamento (artigo 5º, IV, da Constituição Federal), da expressão da atividade artística (inciso IX) independentemente de censura ou licença, bem como o livre exercício da profissão (nas hipóteses de comediante profissional).
O humor tem como uma das suas finalidades a diversão e, não raro, é marcado pela descontração; vale-se do exagero, da hipérbole e do absurdo para provocar o riso; é uma constatação banal, mas que deve ser tomada como premissa no caso dos autos, pois é absolutamente inadequado interpretar uma piada no seu sentido literal, tal como pretendido pela associação autora.
(…)
O humor, em regra, carrega uma roupagem própria e característica de sua forma de expressão, que, como visto, é marcada pelo exagero, muitas vezes pelo grotesco. E esse modo de linguagem, por óbvio, não pode gerar qualquer violação a direitos da personalidade.
(…)
Não é admissível sequer cogitar que o réu nutra algum tipo de desprezo em relação aos portadores de deficiência física ou mental, assim como não é possível afirmar que as pessoas em geral tenham efetivamente problemas em relação às loiras, aos portugueses, aos gagos…
Qualquer piada, desde a mais singela possível, pode dar azo a uma interpretação cruel. Ora, quem brinca dizendo que “mulher no volante, perigo constante” (minha avó fazia essa brincadeira!) pode ser tachado de machista, sexista, insensível à igualdade dos sexos, às conquistas das mulheres nas últimas décadas, etc. Tudo isso para dizer que uma piada é, afinal, apenas uma piada. Simples manifestação cultural, um costume social, um atributo da inteligência humana. Não há, em regra, uma ofensa a quem quer que seja. A pior consequência de uma piada infeliz, que cruza os limites toleráveis da audiência, é o desprezo, o silêncio.
(…)
Mas, repito, afirmar que uma piada é um ato ilícito não me convence. Atribuir ao Poder Judiciário a função de julgar uma piada é um verdadeiro nonsense: interpretar, com critérios tradicionais hermenêuticos do nosso ordenamento, uma manifestação humorística, equivale a propor uma ação de divórcio de Bentinho e Capitu, a instaurar um inquérito policial para investigar a morte de Odete Roitman ou, ainda, determinar a prisão dos atores que atuaram como mafiosos no filme “O Poderoso Chefão” por formação de quadrilha.
Essa é a linha que, portanto, impede a análise das piadas noticiadas na inicial. Penso que a intervenção do sistema jurídico nesse tema é inócuo.
Não se quer dizer que o humor poderá servir como excludente de responsabilidade em toda e qualquer manifestação. Evidente que é possível admitir, em determinadas situações, a colisão entre princípios fundamentais da liberdade de expressão e a proteção dos direitos da personalidade.
(…)
Não é, no meu entendimento, o caso dos autos, sendo certo que inexiste a prática de ato ilícito pelo réu, protegido que está pela regra do artigo 187 do Código Civil. Age em exercício regular de direito (liberdade de expressão e manifestação artística).
(…)
Em conclusão: o juiz não pode dizer se a piada é boa ou ruim, se o humor tem qualidade ou não tem. “
Leiam aqui a íntegra da decisão, extraída do blog Migalhas.
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