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O primo mandou avisar que logo mais estaria na capital no intento de passar o dia de Natal com os parentes, que puseram-se a ajeitar as escápulas dos corredores da residência, a fim de receber o hóspede de laço sanguíneo.

Fazia tempo que a parentada não possuía contato com o primo, distante, mas primo, a quem uma tia-avó, já falecida, apelidara de “seca-pimenteira”.

A alcunha, inclusive, era reverberada por toda a família que habitava a região do Baixo Tocantins.

Dizia-se que plantas murchavam diante de seu olhar; vatapá e mingau de crueira “desandavam” se passasse perto do fogão; gatos e cachorros amofinavam e bebês de colo padeciam de dor de ouvido em sua presença.

“Se ele te olhar de mau jeito, trata logo de fazer o sinal da cruz e pede pra Nossa Senhora de Nazaré te guardar debaixo do poderoso manto dela”, orientava a tia-avó.

Mas tudo ficou meio que esquecido após a mudança do dito primo para a cidade maravilhosa, onde foi buscar novos ares.

Chegou, enfim.

No dia seguinte, a dona da casa, que mantinha um pé de sucuriju, ao qual recorria para fazer chá quando estava de estômago ruim, notou a vivacidade de sua planta sumir.

Antevéspera do Natal, o pé de sucuriju secou como que queimado.

De noite, antes de ir se embalar na rede para dormir, o hóspede disse ao dono da casa que voltava de uma corrida habitual: “Primo, tens muito vigor. Essas corridas noturnas te fazem bem. Estás bonitão”.

De madrugada, o parente alvo do comentário despertou com o corpo a queimar e a cabeça a doer.

Correria em emergências hospitalares, receitas disso e daquilo, caribés e escalda-pés. Nada de melhora.

Dia 24, febre e dor-de-cabeça. Dia 25, dor-de-cabeça e febre. “Acuda, Menino Jesus”.

Aconselhada por uma vizinha anciã, a esposa fez um benzimento com arruda no marido e rezou todas as orações e salmos que lhe vieram à memória.

Dia 26, o primo, de mala arrumada, despediu-se euforicamente. E, porta afora, acenou antes de entrar no carro de aplicativo. Assim, sumiu, para, mais uma vez, fazer parte dos causos contados em festas familiares.

Não demorou muito e o dono da casa levantou, faceiro, com fome, a indagar se restava tapioca na manteiga.

De bucho cheio, deu-se conta:
-Cadê o primo?

Com discrição, a esposa realizou um sinal-da-cruz.

No voar do tempo, tudo voltou ao normal e um novo pé de sucuriju foi plantado.

Agora outra planta passou a fazer parte da área: a comigo-ninguém-pode.

E que em 2025, Deus nos livre do mau-olhado, do mal-humorado, do mal-amado, do mal-intencionado e do “maluvido”.

Paula Portilho
Paula Portilho é jornalista, Relações-públicas e consultora em comunicação política.

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