Publicado em: 17 de dezembro de 2025
A desembargadora Eva do Amaral Coelho acaba de retirar o segredo de justiça do Procedimento Investigatório Criminal destinado a apurar a conduta da promotora de justiça Juliana Dias Ferreira de Pinho Nobre, do promotor de justiça Luiz Márcio Teixeira Cypriano e do magistrado Jackson José Sodré Ferraz.
Em sua decisão, a magistrada historia que, durante a apuração pelo Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Estado do Pará, especialmente na análise de dados telemáticos e bancários de Arthur Afonso Nobre de Araújo Sobrinho e Andreza Maia de Souza, foram encontradas provas apontando para a prática de fatos delituosos diversos, com indícios do envolvimento de autoridades com foro por prerrogativa de função. Em razão disso, o Juízo de 1º grau declinou da competência, e o Tribunal de Justiça do Estado do Pará, após manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça, autorizou as medidas, que incluíram a busca e apreensão e quebra de sigilo bancário e fiscal no período de 01/01/2021 até 26/11/2025, para o completo rastreamento do fluxo financeiro, a comprovação da origem ilícita dos valores e a identificação de todos os beneficiários do esquema, além do afastamento de dois delegados de Polícia Civil e do promotor de justiça.
Na decisão, a desembargadora relatora afirma que “a análise dos elementos constantes dos autos revela, com lastro robusto, que o promotor Luiz Márcio Teixeira Cypriano, titular da 2ª PJ de Controle Externo da Atividade Policial, teria aderido de forma estável e consciente a um suposto esquema criminoso estruturado no interior do sistema de justiça criminal estadual, com o objetivo de auferir vantagens indevidas mediante a instrumentalização indevida do aparato estatal. Segundo o Ministério Público, o investigado atuava de modo reiterado fora dos limites legais de sua atribuição funcional, requisitando diretamente a instauração de inquéritos policiais a delegacias sem circunscrição competente e sem respaldo jurídico, inclusive com indícios de que em ao menos uma dessas ocasiões teria forjado requisição de investigação após o início informal da apuração, de modo a conferir aparência de legalidade a procedimento instaurado de forma arbitrária. Os elementos colhidos indicam, ainda, que o promotor de justiça teria utilizado sua condição funcional para determinar investigações com finalidade espúria, sem a presença de elementos mínimos de justa causa, supostamente para coagir particulares a celebrarem acordos financeiros que favoreciam integrantes do grupo investigado. Há registros de diálogos, tanto com o delegado Arthur Nobre quanto com sua esposa, nos quais o Promotor de Justiça aparece não apenas anuindo, mas incentivando condutas manifestamente incompatíveis com os deveres ético-funcionais de seu cargo. Tal contexto evidencia, em juízo de cognição sumária, fortes indícios de prática dos crimes de abuso de autoridade (art. 27 da Lei 13.869/2019), falsidade ideológica (art. 299 do CP) e associação criminosa (art. 288 do CP), em razão do uso do cargo público para finalidades alheias ao interesse público e, pior, voltadas à persecução de objetivos privados e possivelmente ilícitos”.
Consta dos autos que Renan Louchard da Cunha Castro, ocupante de cargo comissionado no MPPA, “teria atuado ativamente em colaboração com o PJ Luiz Márcio Cypriano e o delegado Arthur Nobre, na prática de diversos atos potencialmente ilícitos, inclusive com o uso indevido de sistemas internos do MPPA para repasse de informações sigilosas. Há registro de múltiplas interações entre o referido servidor e os demais integrantes da suposta organização criminosa, nas quais ele teria fornecido dados de processos sob segredo de justiça, viabilizado a tramitação de expedientes com finalidades desviadas, e inclusive redigido documentos para simular a regularidade de procedimentos investigatórios questionáveis. Em diálogo específico, o precitado assessor confirma a atuação em conjunto com o promotor Luiz Márcio para deflagrar investigação contra autoridade policial (delegado Davi Bahury), o que, segundo o Ministério Público, teria servido à retaliação por ações que contrariavam os interesses do grupo. Além disso, há indicativos de que Renan Louchard da Cunha Castro utilizava indevidamente sua posição para assessorar o grupo na articulação de medidas administrativas e judiciais com aparência de legalidade, mas destinadas a produzir efeitos ilegítimos. Essa atuação o insere como elo essencial na engrenagem funcional da suposta associação criminosa, conferindo-lhe papel técnico e estratégico relevante. Diante desse panorama, vislumbram-se indícios robustos de que o investigado tenha incorrido, ao menos em tese, nos crimes de abuso de autoridade (Lei 13.869/2019), violação de sigilo funcional (art. 325 do CP) e associação criminosa (art. 288 do CP), todos praticados com abuso da posição pública ocupada.”
Por sua vez, o delegado Arthur Afonso Nobre de Araújo Sobrinho “ocupa posição central nas apurações que envolvem a organização criminosa descrita pelo Ministério Público. De acordo com o robusto conjunto probatório constante dos autos, sua conduta revela o uso reiterado e deliberado da estrutura policial para a consecução de objetivos privados, em manifesta ofensa aos princípios que regem a Administração Pública e ao ordenamento penal. O delegado é apontado como principal responsável pela instrumentalização da atividade policial para cobrança de dívidas de particulares, mediante instauração indevida de inquéritos policiais, pedidos de prisão, busca e apreensão de bens, entre outras medidas cautelares, com o fim de coagir supostos devedores. Tais condutas, a par de configurar, em tese, os crimes de abuso de autoridade (art. 27 da Lei 13.869/2019) e concussão (art. 316 do CP), revelam evidente desvio de finalidade na atuação do agente público. Mais grave ainda, apurou-se que os valores obtidos com essas “missões” eram repartidos entre os membros do grupo, sendo alguns repassados diretamente à conta bancária de sua esposa, Juliana Dias Ferreira de Pinho Nobre, como forma de dissimulação do fluxo financeiro ilícito. Há, portanto, indícios concretos de lavagem de dinheiro, em concurso com os demais delitos. Ademais, a gravidade da situação se agrava substancialmente em razão de seu já conhecido envolvimento no denominado “caso Kos Miranda”, no qual também houve sérias acusações de manipulação de investigações policiais e obtenção indevida de vantagens. Embora os desdobramentos jurídicos daquele episódio sejam distintos, o histórico funcional do investigado impõe redobrada cautela quanto à sua permanência no cargo. Sua posição hierárquica na Polícia Civil, aliada ao acesso privilegiado a informações, servidores e instrumentos legais de coação estatal, tornam o risco de reiteração delitiva e obstrução da justiça extremamente elevado. A manutenção de Arthur Nobre no exercício de suas funções comprometeria a integridade das investigações em curso e atentaria contra o interesse público. Assim, com fundamento no art. 319, incisos II, III e VI, do Código de Processo Penal, impõe-se a medida cautelar de suspensão do exercício da função pública, como forma de resguardar a ordem pública, a conveniência da instrução criminal e a credibilidade das instituições de persecução penal.”
Já o delegado Carlos Daniel Fernandes de Castro, à época dos fatos ocupante do cargo de Diretor Metropolitano da Polícia Civil do Estado do Pará, “exerceu papel de liderança funcional e de influência institucional no âmbito da organização criminosa ora investigada. A documentação reunida pelo Ministério Público revela que, longe de apenas tolerar os desvios ocorridos sob sua supervisão, Carlos Daniel teve participação ativa em diversas ações ilícitas atribuídas ao grupo. Áudios e mensagens demonstram sua relação direta com o delegado Arthur Nobre de Araújo Sobrinho na articulação de estratégias para pressionar outros membros da corporação e manipular procedimentos investigatórios, inclusive sugerindo a formulação de representações com motivações artificiais para forçar respostas institucionais que atendessem a interesses privados do grupo. Em um dos episódios, chegou a orientar o uso de uma “motivação média” para uma denúncia contra o Delegado Geral de Polícia, com o objetivo claro de constrangê-lo e fazê-lo “ficar devendo” favores, conforme os próprios termos utilizados. Ainda mais preocupante, Carlos Daniel Fernandes de Castro não apenas validava tais condutas, como também compartilhava da lógica de poder informal e troca de favores que sustentava a atuação da associação criminosa dentro da estrutura policial. Em diálogo com o delegado Arthur Nobre, chegou a discutir a conveniência de manter determinado delegado no cargo sob controle, em vez de substituí-lo, “para não se saber quem viria”, o que evidencia o esforço em preservar o domínio do grupo sobre setores estratégicos da polícia. Sua permanência no cargo de Diretor Metropolitano, portanto, compromete não apenas a isonomia das investigações em curso, como também representa risco concreto de reiteração delitiva e de interferência na apuração dos fatos, dada sua rede de influência e acesso privilegiado a recursos humanos e materiais da Polícia Civil. Por esses motivos, mostra-se imprescindível a imposição da medida cautelar de suspensão do exercício da função pública, com base no art. 319, incisos II, III e VI, do Código de Processo Penal, para salvaguardar a ordem pública, a moralidade administrativa e a lisura da persecução penal”.









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