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Sempre é tempo para falar sobre mulheres incríveis, que são capazes de mudar, com a força de seu caráter e de seu trabalho, a história, para muito além do círculo de suas famílias. Franssinete Florenzano é dessas mulheres admiráveis que, além do protagonismo doméstico, historicamente
comum às mulheres, protagoniza relações públicas de poder, como jornalista e advogada.

Franssinete Florenzano assumiu a cadeira de Nº 29, na Academia Paraense de Letras, quando proferiu um discurso que refletiu sobre a sua performance nos ambientes da vida privada, onde atua como mãe, filha, irmã e amiga, e na vida pública, onde atua como jornalista, à frente deste veículo de comunicação, ambiente virtual de denúncia de injustiças e de engajamento em causas
sociais sensíveis.

No intróito do discurso, após saudar os presentes ao evento, Franssinete Florenzano faz referência à mãe, à filha, à memória do seu esposo e aos amigos, demonstrando o quanto as mulheres dedicam suas jornadas ao duplo cuidado com o espaço privado e com o espaço público: essa é uma atribuição comum às mulheres, que historicamente têm dedicado suas vidas ao trabalho com a casa. Franssinete é mais uma mulher em dupla jornada, em trânsito, trafegando pelas ambiências pública e doméstica.

Para falar sobre a cadeira que irá ocupar na APL, Franssinete evoca a memória de outras
mulheres que protagonizaram espaços quase sempre reservados aos homens: Eurídice Nadal e Silva, Giully Furtado e Edwiges de Sá Pereira, em academias regionais, ressaltando que, apenas em 1977, décadas depois, a Academia Brasileira de Letras rompeu a hegemonia masculina e empossou Rachel de Queiroz.

Muito apropriadamente, para falar de mulheres e do não eventual recorte para a violência de gênero, Franssinete rememora o trabalho de Giully Furtado Bandeira, nos anos trinta do século passado, ao denunciar a violência doméstica contra a mulher e a abjeta exculpante da legítima defesa da honra, comum em um período de extermínio tolerável contra mulheres, felizmente,
soterrada na memória do direito brasileiro.

Franssinete analisa a composição do silogeu atual e pretérito da agremiação na qual ingressa para realizar uma ponderada e oportuna problematização de gênero, na qual a categoria mulher é extremamente relevante para a análise histórica.

O discurso dialoga com a desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho no Brasil. O percentual de desigualdade entre homens e mulheres demonstra que, no Brasil,
atualmente, as mulheres ganham 78% do que comumente é pago aos homens, ocupantes das mesmas funções. Para complexificar a análise, o recorte raça denuncia que mulheres negras ganham 50% do que é pago aos homens ocupantes das mesmas funções. O cenário denunciado no discurso é histórico no Brasil, onde as questões de gênero e de raça funcionam como marcadores e delimitadores de espaços sociais e de relações de poder, além de rebaixar o status
social dos sujeitos envolvidos na análise.

No cenário da violência, o discurso expõe a persistência dos quadros de violências doméstica e pública, real e simbólica contra a mulher. Pelo recorte de gênero, denuncia as relações públicas de poder, para dizer que em um estado de direito, fundado há mais de cem anos, a mulher ainda é minoria expressiva na composição dos quadros políticos. Esta é uma violência institucional
simbólica e traduz uma agenda emergente para a atuação da mulher no espaço público.

O discurso de Franssinete transversaliza o debate sobre a posição das mulheres no espaço público, com recorte para a questão política e para a composição dos espaços de poder, como a APL. É digno de nota quando a mulher, ela mesma, ocupa seu lugar de fala, denuncia os cenários de violência e impõe representatividade além das fronteiras do discurso.

A preleção de Franssinete Florenzano em um espaço historicamente marcado por vozes
masculinas enche-nos a todas de poder.

Parabéns para nós, mulheres!!!

Shirlei Florenzano Figueira
Shirlei Florenzano, advogada e professora da Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA, mestra em Direito pela UFPA, Membro da Academia Artística e Literária Obidense, apaixonada por Literatura e mãe do Lucas.

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