0
 

Na manhã desta sexta-feira (14), durante o quinto dia da COP30, indígenas do povo Munduruku, organizados pelo Movimento Ipereg Ayu, bloquearam a entrada principal da Blue Zone, a área restrita da conferência, para exigir uma reunião imediata com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ato denuncia o avanço de projetos de infraestrutura e políticas de mercado de carbono que, segundo as lideranças, ameaçam diretamente os territórios indígenas e violam o direito à consulta prévia, livre e informada, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A programação de hoje, que está atrasada, é voltada para a transição energética, com discussões que promovem o abandono de combustíveis fósseis e o aumento do uso de energias renováveis.

Entre as principais reivindicações está a revogação do Decreto nº 12.600/2025, que criou o Plano Nacional de Hidrovias, priorizando os rios Tapajós, Madeira e Tocantins para escoamento de cargas. Os Munduruku afirmam que a medida abre caminho para novas dragagens, derrocamento de pedrais sagrados e expansão de portos privados. O decreto, segundo os indígenas, ameaça exterminar seu modo de vida, pois transforma o rio em estrada de soja.

O protesto também cobrou o cancelamento definitivo da Ferrogrão (EF-170), ferrovia planejada para transportar soja de Sinop (MT) a Miritituba (PA), o que, segundo estudos do Ministério dos Transportes, pode multiplicar por seis o volume de grãos escoados pelo rio Tapajós até 2049. Para os Munduruku, o projeto agravará os conflitos fundiários, ampliará a contaminação dos rios por agrotóxicos e intensificará o desmatamento sobre áreas limítrofes às terras indígenas. Eles apontam a contradição do governo, que fala em compromisso climático mas investe em projetos que destroem rios e florestas.

Dados do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostram que o corredor Tapajós–Arco Norte tornou-se o principal vetor de expansão do agronegócio sobre a Amazônia. Entre 2010 e 2022, 68% dos investimentos federais em infraestrutura na região foram direcionados a corredores de exportação, como a BR-163, os terminais de Miritituba e os projetos de hidrovias no Tapajós. Em 2023, 47% das exportações de soja do país já utilizavam portos do Arco Norte, ante 16% em 2010. O mesmo levantamento aponta que o transporte fluvial de cargas e adubos no Tapajós saltou de 4 mil toneladas em 2019 para 167 mil em 2022, representando um aumento superior a 4.000%. As dragagens realizadas sem consulta às comunidades têm provocado mobilização de sedimentos contaminados, afetando igarapés utilizados para pesca e navegação tradicional.

O movimento também se posicionou contra os projetos de crédito de carbono e mecanismos de REDD+ jurisdicional em debate na COP30. Para os Munduruku, essas iniciativas configuram uma “venda da floresta” que compromete a autonomia dos povos e transfere o controle dos territórios para empresas e intermediários. Eles reiteram que nossa floresta não está à venda e que a mãe natureza não é negociável.

Além das críticas aos grandes empreendimentos, os Munduruku exigem a retomada dos processos de demarcação de terras indígenas paralisados no Ministério da Justiça e na Casa Civil, denunciando o aumento dos conflitos com o avanço da soja e da mineração. 

O presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, está no local negociando com as lideranças. Os participantes começaram a acessar o evento por uma rota lateral. Em comunicado oficial, a UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) confirmou que a manifestação era pacífica e orientou os delegados credenciados a utilizarem o acesso alternativo até a normalização da entrada principal, que acabou de acontecer.

Enquanto as grandes empresas exploratórias e poluentem têm pleno acesso à Blue Zone, os povos originários precisam protestar e ocupar os espaços para terem voz na conferência climática. Os Munduruku atestam que as decisões sobre o futuro da Amazônia não podem ignorar as vozes de quem a habita e protege há milênios.

Leia o comunicado oficial:

NOTA À IMPRENSA — Movimento Munduruku Ipereg Ayu

Indígenas Munduruku protestam em frente à Blue Zone na COP30 e cobram reunião urgente com Lula

Povos exigem revogação do Decreto 12.600/2025, cancelamento da Ferrogrão e proteção contra grandes empreendimentos dentro do território.

Belém (PA), 14 de novembro de 2025 — Na manhã desta sexta-feira (14), indígenas do povo Munduruku, articulados pelo Movimento Ipereg Ayu, realizaram um ato em frente à entrada da Blue Zone da COP30 para cobrar uma reunião emergencial com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O grupo denuncia que o governo federal está avançando com projetos de infraestrutura que ameaçam diretamente o território Munduruku, bem como todos os povos da bacia do Tapajós e Xingu — sem consulta prévia, livre e informada, como determina a Convenção 169 da OIT.

Além dos megaempreendimentos, os Munduruku também protestam contra projetos de crédito de carbono e mecanismos de REDD+ jurisdicional que vêm sendo discutidos no âmbito da COP30 e em negociações governamentais. Para o movimento, tais iniciativas representam formas de “venda da floresta” que retiram autonomia dos povos, permitem a entrada de empresas e intermediários nos territórios e não enfrentam a raiz dos problemas climáticos: o desmatamento industrial, o garimpo, as hidrovias e a expansão da soja.

“O governo e o mundo precisam entender que nossa floresta não está à venda. Nós não negociamos a mãe natureza”, afirmou uma liderança Munduruku durante o ato.

O principal alvo da manifestação é o Decreto nº 12.600/2025, que instituiu o Plano Nacional de Hidrovias e incluiu o Tapajós, o Madeira e o Tocantins como eixos prioritários para navegação de cargas. Para os Munduruku, o decreto “abre a porteira” para novas dragagens, derrocamento de pedrais sagrados e expansão acelerada de portos privados. “Esse decreto ameaça exterminar nosso modo de vida, porque transforma o rio em estrada de soja. Presidente Lula, o senhor precisa ouvir o nosso povo antes de decidir sobre nosso futuro”, afirma liderança do Movimento Ipereg Ayu.

Dados dos estudos do Inesc mostram que o corredor Tapajós–Arco Norte é hoje um dos principais vetores de avanço do agronegócio sobre a Amazônia. Entre 2010 e 2022, 68% de todo investimento federal em infraestrutura na região foi destinado a corredores de exportação, incluindo BR-163, Terminais de Itaituba/Miritituba e projetos de hidrovias no Tapajós. Em 2023, 47% das exportações de soja do Brasil já saíam pelos portos do Arco Norte — antes, eram 16% em 2010.

Na prática, isso tem efeito direto no território Munduruku. O Inesc e organizações parceiras apontam que:

                  •               A movimentação de cargas e adubos nas hidrovias do Tapajós explodiu: 167 mil toneladas em 2022, contra apenas 4 mil toneladas em 2019, um salto de mais de 4.000%.

                  •               O crescimento dos portos e barcaças reduz pesca, contamina água e restringe circulação de comunidades ribeirinhas — impactos já denunciados por aldeias Munduruku ao longo dos rios Tapajós e Teles Pires.

                  •               Dragagens emergenciais recentes no Tapajós, feitas sem consulta, mobilizaram sedimentos contaminados e afetaram igarapés usados por aldeias para pesca e navegação.

“Tudo isso acontece sem o Estado nos ouvir. Querem destruir o fundo do rio, querem explodir nossos pedrais sagrados, querem lotar o Tapajós de barcaças para levar soja para fora do Brasil. Quem mora aqui somos nós, não as empresas”, disse uma liderança Munduruku.

O movimento também cobra o cancelamento definitivo da Ferrogrão (EF-170) — projeto planejado para transportar soja desde Sinop (MT) até Miritituba (PA), onde as barcaças seguem pelo Tapajós. Segundo estudos do Ministério dos Transportes, a ferrovia pode multiplicar por seis o volume de grãos enviados pelo rio até 2049. Para os Munduruku, isso significará:

                  •               Mais portos próximos às aldeias (Miritituba, Itaituba e Trairão já concentram projetos em série);

                  •               Mais dragagens e risco de explosão de pedrais sagrados;

                  •               Expansão da soja sobre a borda das terras indígenas e aumento de conflitos fundiários;

                  •               Contaminação da água e dos peixes por agrotóxicos.

“O governo fala em compromisso climático, mas investe em projetos que destroem rios e florestas. O presidente Lula precisa olhar para o Tapajós e ouvir quem vive onde essa ferrovia quer passar”, afirmou outra liderança.

Os Munduruku também cobram do governo federal a aceleração da demarcação das terras indígenas, dos processos parados no Ministério da Justiça e na Casa Civil, e responsabilizam o Estado por conflitos que aumentaram com o avanço da soja.

“Presidente Lula, estamos aqui na frente da COP porque queremos que o senhor nos escute. Não aceitamos ser sacrificados para o agronegócio. Revogue o Decreto 12.600. Cancele a Ferrogrão. Demarque nossas terras. Fora crédito de carbono — nossa floresta não está à venda. Quem protege o clima somos nós, e a Amazônia não pode continuar sendo destruída para enriquecer grandes empresas”, finaliza.”

Leia a nota da UNFCCC:

Prezados participantes,

Atenção: está ocorrendo uma manifestação pacífica na entrada principal da Zona Azul.

Não há perigo. No entanto, se você tiver um crachá válido, use a entrada lateral do COP (a mesma saída que você tem usado para sair da Zona Azul todas as noites).

Quem não possuir crachá deverá aguardar a abertura da entrada principal.

Há agentes de segurança que irão orientá-lo.

Por favor, verifique seus e-mails regularmente, caso haja alguma atualização.

UNFCCC”

Assista aos videos (créditos do e Gladstone Campos):

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

Ioepa vai comprar direitos autorais e reeditar Dalcídio Jurandir

Anterior

Rematar é a chave para conservação na Amazônia

Próximo

Você pode gostar

Mais de COP30

Comentários