0

Rios, florestas e futuras gerações estão em risco. O desmatamento, o garimpo ilegal e até os projetos de créditos de carbono estão causando danos à vivência no território, situado no município de Jacareacanga, sudoeste do Pará, um dos mais invadidos para a exploração ilegal de ouro, com cooptação de indígenas, desestruturação das aldeias, intensificação de doenças como malária e contaminação por mercúrio, causando também fome e ameaças às lideranças de resistência, com reflexo direto na saúde de crianças, jovens e adultos. O resultado disso é que em 1º de setembro, ainda no início do verão amazônico, o rio Kabitutu já secou, como revelam as tristes imagens do coletivo audiovisual indígena Wakoborun. Afluente do rio Tapajós, o rio Kabitutu morreu. Sem água, só restou o barro e a degradação. Peixes, quelônios, anfíbios, mamíferos de água doce, crustáceos, moluscos e plantas aquáticas, todas as formas de vida no rio pereceram. Aos Munduruku falta o básico à sobrevivência: alimentos, água potável e navegabilidade.

Mesmo com a homologação, pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, dos novos planos de desintrusão no Pará, só foram executadas ações pontuais, insuficientes e ineficazes para garantia de proteção territorial e aos direitos dos Munduruku no alto e médio Tapajós. Sem fiscalização permanente, a garimpagem no leito do rio com balsas e dragas destrói tudo. A lama contaminada, jogada na água, agrediu o ecossistema aquático e acelerou o assoreamento e morte do rio, provocando grave crise de saúde e insegurança alimentar do povo indígena, que pode ser exterminado pela malária, gripes e inexistência de água potável. Depois de décadas bebendo água de igarapés contaminados pelo garimpo, eles agora podem morrer de sede em plena Amazônia, onde há a maior bacia hidrográfica do mundo.

Mundurukânia tinha os guerreiros mais temidos da Amazônia, que cortavam as cabeças dos inimigos tombados em guerras. Sua história de resistência começou no século XVII, nos conflitos com os *Pariwat, colonos de várias partes e soldados das tropas portuguesas, que exaustiva e imoralmente usaram os indígenas no processo de ocupação da região. Séculos mais tarde, outros conflitos passaram a acontecer. As invasões do território por exploradores de madeira, palmito e garimpeiros de ouro e diamante são recorrentes. A política desenvolvimentista envolve a construção de portos para o escoamento de soja, hidrelétricas e mineradoras em praticamente todos os rios da Amazônia. Os caciques denunciam que projetos e contratos de créditos de carbono tiram a autonomia do povo Munduruku, pois as empresas que entraram na TI são as únicas que se beneficiam, e ainda provocam conflito interno, doenças e atrapalham o modo de vida dos Munduruku. Esses projetos estão assinados por uma única associação, ligada ao garimpo ilegal, que não fala por toda a etnia. O protocolo de consulta não foi respeitado. Os garimpeiros não respeitam os caciques e ameaçam a lideranças, que ficam mudas com medo.

*Mundurukânia foi o nome dado à região do Vale do Tapajós nos primeiros tempos de contato com os Munduruku e durante o século XIX. É mencionada no mito de origem do povo Munduruku.

*Pariwat é uma palavra usada pelos Munduruku para se referir aos brancos, estrangeiros ou não-indígenas, pessoas que não pertencem à sua linhagem.

Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, membro da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

Bruno de Menezes, farol da literatura no Pará

Anterior

Noite da Cidade Velha na festividade de Sta. Maria de Belém

Próximo

Você pode gostar

Comentários