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O sino da Catedral da Sé badalava às 18h quando o Instituto Histórico e Geográfico do Pará, presidido pela professora Anaíza Vergolino, empossou em solenidade muito prestigiada pelo meio cultural o professor João Cláudio Tupinambá Arroyo, coincidentemente no Dia dos Povos Indígenas. O novel membro do IHGP foi saudado pelo professor doutor Fernando Arthur Neves. Compuseram o dispositivo oficial o secretário do IHGP, Robson Lopes, o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues; a reitora da Unama, Betânia Fidalgo Arroyo, e o secretário de Estado da Igualdade Racial e Direitos Humanos, Jarbas Vasconcelos do Carmo.

Ao se pronunciar, João Cláudio Arroyo asseverou que sua motivação para integrar o Sodalício é o compromisso que partilha com cientistas, companheiros de longa data, militantes em várias frentes pelo protagonismo amazônida. Lembrou que Dom Macedo Costa, patrono da cadeira 6, que agora ocupa, também teve histórico marcadamente coletivo, institucional e programático, cumprindo, ao custo de seu próprio banimento, a missão que lhe foi dada. “O que nos orgulha de ter Dom Macedo Costa como patrono é sua firmeza e lealdade à causa que abraçou. Foi Arcebispo Primaz do Brasil, morreu em Barbacena aos 61 anos, em 1891. Em 1860, foi nomeado Bispo do Pará pelo cametaense Dom Romualdo de Seixas e o Papa Pio IX. Derrotado na Questão Religiosa, foi condenado a quatro anos de prisão com trabalhos forçados, na Ilha das Cobras, Rio de Janeiro, em 1872, sobretudo por ter enfrentado D. Pedro II. Cumpriu dois anos”.

Arroyo entende que o IHGP tem papel central na reeducação para uma ciência amazônida, engajada em sua própria história e projeto de futuro. “Meu honroso antecessor na cadeira nº 6, Dom Raimundo Possidônio Carrera da Mata, tem uma história brilhante que nos inspira como educador e engrandece o compromisso com a Amazônia. Nascido em Icoaraci (Belém do Pará) em 1950, foi ordenado diácono em 1976 e em 1982 começou a lecionar no Instituto Pastoral Regional, exatamente no ano em que eu me engajava definitivamente no movimento estudantil universitário e visitava com frequência o IPAR porque tínhamos lá uma célula da Teologia da Libertação, estávamos nos anos de chumbo (ditadura militar), provavelmente nos encontramos por lá. Porém o que mais me inspira em sua história de vida é sua dedicação à Amazônia. Além de ser um religioso de base, de inúmeras paróquias, pelo seu brilhantismo intelectual e capacidade de elaboração. Desde 1997 esteve em dezenas de seminários, encontros, congressos em que a Amazônia e diversos aspectos de sua identidade foram o ponto principal. A honra em sucedê-lo é gigante”.

Antes de Dom Possidônio, o ocupante da cadeira de Arroyo era o Cônego Ápio Campos (1927/2011). “Pessoa que nas palavras de José Gorayeb para o livro Canto Agônico … ‘nos dava poemas de circunstância, que cantava as singelas claridades da igreja e fazia crônicas do cotidiano ressumbrando otimismo e paz – transforma-se num arauto das coisas que os seres humanos esqueceram…um estranho poeta começa a destroçar as muralhas do eterno e descobre, em prantos, seus irmãos ensopados de sangue, descobre os lírios gelados e a Verdade sangrada como se sangra uma rosa. Sua voz, às vezes humilde, apenas contempla, lívida, …alucina-se…’. Identifiquei-me, profundamente.”

“Estamos aqui propondo que o IHGP converse, debata, amadureça e assuma a bandeira e estratégia de luta pelo protagonismo amazônida, enquanto casa da intelectualidade paraense, enquanto casa da ciência, com respeito à pluralidade mas realizando sua própria tradição de desenvolver um pensamento próprio com liberdade de criar, e criar autonomia para implementar outros modos de desenvolver. Proposição que, do ponto de vista histórico, para ganhar autonomia intelectual territorializada, precisa alargar sua referência temporal para além de 1.500. Estamos aqui há mais de 12 mil anos. Quando os europeus aqui se instalaram, aqui habitavam nações que, somadas, estimam, eram cerca de 5 milhões de indivíduos, somente na calha do rio Amazonas, aprendendo a alimentar e viver, mantendo a floresta em pé, muito antes de inventarem a palavra “sustentabilidade”. Quando o europeu Cortez invadiu Tenochtitlán, capital Azteca, em 1521, estima-se que a população era de 150 a 300 mil habitantes. Paris, na época, tinha 200 mil habitantes. Então já havia civilizações com soluções complexas para populações tão desafiadoras quanto havia no velho continente”, pontuou Arroyo.

Onde há miséria, ninguém tem paz. A partir desta premissa, o novo membro do IHGP historiou que, “desde as Drogas do Sertão, passando pelo Ciclo da Borracha, do Ouro, da Integração, dos Grandes Projetos, da Madeira-Boi-Soja, do NeoExtrativismo, da Mineração, em nenhum deles tivemos setores amazônidas participando do desenho do modelo de desenvolvimento regional, nem os mais ricos localmente, nem os mais poderosos politicamente. Daí Darcy Ribeiro denominá-los “elites mamelucas”, escravos que se vendem para açoitar os outros escravos. O resultado é um consenso. Somos a região do planeta que mais recursos naturais dispõe, que mais biodiversidade e recursos minerais possui, mas onde menos se internaliza riqueza, nem como infraestrutura e muito menos como qualidade de vida média da maioria da população”.

O ponto chave é a desterritorialização exatamente dos intelectuais, que formam opinião e identidade em seus educandos, ouvintes e clientes, afirmou Arroyo, concluindo que a desterritorialização do intelectual está exatamente na elaboração do conhecimento ou da arte sem identidade, sem lugar e sem valor, ou seja, sem proposição de comportamento, no caso da arte, ou solução de problema, no caso da ciência, voltado para o ambiente socioeconômico. Uma elaboração intelectual que não dá liga, faz as pessoas consumirem o que não é daqui, exportando valor e dinheiro, esvaziando a riqueza.

Ao fazer a saudação oficial, Fernando Neves lembrou que João Cláudio Tupinambá Arroyo é conhecido dentre muitos pelo convívio na Universidade Federal do Pará, locus de formação acadêmica dos anos de 1980. “Resenhada entre os habituês dos ambientes cult como uma cornucópia de acontecimentos gerais e mais expressivos, desde o movimento das minissaias contra o machismo, atravessando as lutas da meia-passagem, as apresentações clandestinas de “Je vous salue, Marie”, dos forrós da Cantina e Vadião, tantos e mais diversos em nosso mundo em globalização, posteriormente alcunhada aquela época como oitentista”.

“Foram nestes anos de um Brasil que experimentava os últimos dias da ditadura civil militar que conheci o nosso novel na Universidade Federal do Pará, quando este era o militante aguerrido e uma das principais lideranças de uma das correntes combativas do movimento estudantil em nível nacional, a famosa Caminhando, braço político universitário, originário dos dissidentes do Partido Comunista do Brasil, base do fomento de uma outra concepção de luta política, cujo debate estava inscrito em dois textos de grande circulação na esquerda, “A Razão da Derrota” e a “Derrota da Razão”, nos quais jovens militantes estavam sendo promovidos à inteligentsia, a debruçar-se nos últimos assomos da revista “Socialismo ou barbárie” de Castoriádis, com sua potente reflexão sobre a instituição imaginária da sociedade, fazendo deste parceiro um leitor destas teses apresentadas em diferentes arranjos na Filosofia do Direito de Tarso Genro”, pontuou o historiador Fernando Neves, aduzindo que Arroyo era estudante da Geologia, um dos cursos de maior prestígio àquela altura na UFPA, líder estudantil e na gestão Aroeira presidiu o Diretório Central dos Estudantes da UFPA, em um dos momentos mais significativos também da redemocratização das universidades federais, bem como o retorno das eleições para prefeitos das capitais e áreas de segurança pública, até então sob a égide dos governos militares que impediram a eleição direta nestes municípios.

Fernando Neves lembrou, ainda, que desenvolveu junto com Arroyo, nos anos 1990, trabalho na Unipop (Universidade Popular), cuja sede era na Av. Senador Lemos, próximo à Praça Brasil. Ali, João Claudio Tupinambá Arroyo detinha uma das coordenações e se envolveu particularmente em um projeto de elaboração de um livro; na prática, três livros para as séries iniciais do ensino fundamental, contratados pela prefeitura de Almeirim. Nessa época, puderam experimentar uma nova proposta de aprendizagem, capaz de impactar a formação educacional das crianças daquele lugar, na Calha Norte do rio Amazonas.

“Essa também foi a ocasião na qual pude perceber não apenas o seu compromisso e solidariedade, que por sinal caracteriza o conjunto das intervenções que este nosso camarada vem tecendo ao longo dos últimos anos, mas, sobretudo, porque esta solidariedade se viabiliza na prática, não deixando evadir-se com mero discurso ou retórica como estamos tão acostumados em nosso cotidiano, quando assistimos, por exemplo, às entregas das arrecadações feitas em nome das ações solidárias, convertidas em espetáculos de caridade, sobrepondo-se ao objetivo ao qual ele foi engendrado”,  enfatizou o historiador Fernando Neves, recordando, ainda, o seio da família que o nutriu com bons exemplos e conformou sua identidade originada entre imigrantes espanhóis, majoritariamente vindos de Málaga, lugar de origem de seus avós paternos; e a mãe, Argemira Tupinambá Arroyo. “João Claudio atribui a si uma linhagem no percurso intelectual semeado entre os Tupinambás, atestando a afinidade com o grande folclorista Pedro Tupinambá, que foi membro da Academia Paraense de Letras e também do IHGP, seu primo-avô, e aqui representado por sua filha Simone Tupinambá. Esta herança de sólidos valores partilha com sua grande família, particularmente com sua esposa há 23 anos, Betânia Fidalgo Arroyo, seus filhos e filhas João Antônio, Marcus, Vitória, Mateus, Rafaela, Beatriz e Mia”, salientou.

Em seu discurso, Fernando Neves consagrou João Claudio Tupinambá Arroyo como estudioso importante da economia solidária, objeto do conjunto de sua intervenção mais consistente, em paralelo com a sua formação de mestrado em Economia pela Unama e do seu aprofundamento dessa investigação no NAEA, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, onde realiza seu doutoramento discutindo o desenvolvimento sustentável, tomando como norte esta referência que se tornou umbilical com sua atividade profissional ao tentar dotar de maior significação as redes estabelecidas pela economia popular e solidária e seu sistema de renda mínima, banco do povo, moeda solitária solidária e crédito popular.

Arroyo instituiu o Banco do Povo em Belém, durante a primeira gestão do prefeito Edmilson Rodrigues. Como pesquisador da área, coordenou o projeto de extensão em Economia Solidária, em paralelo à sua atividade de professor da Unama. Ao ocupar a diretoria geral do Instituto Saber Ser Amazônia Ribeirinha (ISSAR) aplicou intervenções do projeto de desenvolvimento solidário de comunidades em parceria com o Unicef, posteriormente prestou consultorias em gestão estratégica, utilizando conhecimentos agregados por seu aperfeiçoamento em Comunicação e Mobilização Social e MBA em Marketing. Atualmente exerce uma diretoria na Secretaria de Estado da Igualdade Racial e Direitos Humanos do Pará. Participou como autor e organizador das obras “Amazônia: Desenvolvimento Sustentável em debate”, editada pelo Fórum da Amazônia Oriental(FAOR) em 1997; “Solidariedade & Sucesso – A experiência do Banco do Povo de Belém”, 1ª e 2ª edições pela Prefeitura de Belém em 2003, “Economia Popular e Solidária – Alavanca para o Desenvolvimento Sustentável”, editada pela Editora Fundação Perseu Abramo em 2007, “Economia não é Bicho Papão”, editada por Amazônia Bookshelf em 2017, e “Economia na perspectiva da Economia Solidária”, editada pelo Centro de Formação em Economia Solidária Amazônia II em 2017.

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