Publicado em: 15 de dezembro de 2025
Um levantamento recém-divulgado pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) em parceria com o Redes Cordiais traça um panorama preocupante sobre como pais e responsáveis no Brasil lidam com a mediação digital de crianças e adolescentes. O relatório “Redes de Proteção: Desafios e práticas na mediação digital de crianças e adolescentes” mostra que 60% dos entrevistados consideram “difícil” ou “muito difícil” acompanhar o que os filhos fazem online. Realizado com 327 responsáveis e três grupos focais em diferentes áreas urbanas, o estudo evidencia desigualdades estruturais, lacunas de conhecimento técnico e dificuldades associadas à guarda compartilhada, elementos que aprofundam vulnerabilidades na proteção digital de meninas e meninos.
A pesquisa aponta que a maioria dos responsáveis enfrenta obstáculos tanto práticos quanto técnicos para acompanhar a rotina digital dos filhos. O recorte socioeconômico é decisivo: famílias com maior escolaridade e crianças matriculadas na rede privada tendem a adotar mecanismos tecnológicos de controle, enquanto lares de baixa renda relatam limitações no acesso a tais ferramentas e menor familiaridade com seu funcionamento. Entre os entrevistados com renda de até um salário mínimo, mais da metade nunca utilizou aplicativos de controle parental, e apenas 7,7% os empregam de forma regular.
Embora plataformas digitais ofereçam recursos de monitoramento cada vez mais integrados, 43% dos responsáveis afirmam jamais ter recorrido a mecanismos digitais de acompanhamento. Práticas tradicionais ainda predominam, com 71% dos pais restringindo o tempo de uso de celulares, 70% estimulando atividades fora do ambiente virtual e 64% promovendo conversas sobre comportamento e segurança na internet. A supervisão direta, especialmente em áreas comuns da casa, continua sendo a principal estratégia de mediação em lares com menor acesso a recursos tecnológicos.
Um dos achados centrais do relatório é o reduzido conhecimento sobre o caráter social dos jogos e aplicativos mais utilizados por crianças e adolescentes. Muitos responsáveis não reconhecem ambientes como Roblox, Free Fire e Discord como redes sociais interativas, o que pode ampliar riscos de exposição a desconhecidos e facilitar práticas como cyberbullying. De acordo com os dados, 86% dos entrevistados temem que os filhos acessem conteúdos inadequados, como pornografia, violência e desafios perigosos, 82% se preocupam com impactos na saúde mental e 66% citam o uso excessivo de telas como fonte de angústia. O cyberbullying aparece como receio específico para 41% dos pais.
No contexto da guarda compartilhada, a falta de uniformidade nas regras entre residências é apontada como fator de tensão. A ausência de consenso entre responsáveis dificulta a construção de práticas estáveis de mediação e gera conflitos familiares, além de fragilizar a compreensão das crianças sobre limites digitais. Outro dado revelador é que 60% dos pais relatam que os filhos já tentaram (ou conseguiram) burlar senhas e controles de tempo, o que evidencia a necessidade de abordagens ancoradas em diálogo, confiança e acompanhamento consistente.
Segundo Clara Becker, diretora executiva das Redes Cordiais, o cerne da questão é estabelecer um ambiente de confiança dentro da família. Em suas palavras, “o desafio é construir um espaço de confiança e diálogo na família para um uso equilibrado e que não coloque crianças e adolescentes em risco. Os adultos precisam estar preparados para criar este ambiente saudável”. Ela pontua que o projeto Redes de Proteção surgiu da necessidade de oferecer ferramentas práticas e acolhedoras para orientar pais e responsáveis diante da crescente digitalização da infância.
Já Celina Bottino, diretora do ITS Rio, destaca a conexão entre pesquisa e prática social que orientou o projeto. Para ela, “o Redes de Proteção combina ciência, tecnologia e impacto humano. Não basta falar sobre segurança online; é preciso entender as desigualdades que atravessam o acesso à informação e oferecer soluções viáveis, especialmente para famílias em situação de vulnerabilidade”. Bottino acrescenta que o relatório “é um retrato honesto e necessário do que significa educar na era digital, e um chamado à ação para transformar o cuidado online em uma responsabilidade compartilhada.”
O estudo revela ainda que 59% dos responsáveis desejam acesso a tutoriais e orientações práticas sobre ferramentas de controle parental, demonstrando uma demanda evidente por capacitação. Para os pesquisadores, a proteção digital de crianças e adolescentes depende de uma ação conjunta entre famílias, escolas, plataformas e poder público, com políticas que reduzam desigualdades e promovam educação digital crítica e contínua.
Realizada em julho de 2025, a pesquisa integra o projeto Redes de Proteção, que também inclui o curso online “Redes de Proteção: Como Proteger Crianças e Adolescentes na Internet?”, promovido em novembro, disponível gratuitamente, e que busca fortalecer práticas de cuidado digital e oferecer recursos acessíveis para adultos que enfrentam desafios cotidianos no acompanhamento da vida online de crianças e adolescentes.
O relatório soma-se ao trabalho das instituições envolvidas. O ITS Rio, organização independente dedicada às dimensões sociais, jurídicas e culturais da tecnologia, desenvolve pesquisas, formações e políticas que promovem privacidade, liberdade de expressão e acesso ao conhecimento. O Redes Cordiais, por sua vez, atua desde 2018 na construção de um ambiente digital mais saudável, com ações de educação midiática, diálogo e combate à desinformação, envolvendo influenciadores, jornalistas e comunidades diversas e sendo reconhecido pela Unesco como uma das principais iniciativas brasileiras na área.









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