Na confluência entre saberes tradicionais e ciência contemporânea, um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual do Pará (UEPA), liderado pelo professor e fisioterapeuta Tiago Santos Silveira está explorando o uso de óleos naturais extraídos de sementes amazônicas para tratar feridas excisionais. Essas lesões, que não permitem a aproximação das bordas para sutura, representam um desafio significativo para a medicina e um custo elevado para os sistemas públicos de saúde.
As feridas excisionais incluem lesões complexas como queimaduras de terceiro grau, feridas venosas, úlceras por pressão e lesões associadas à hanseníase ou ao diabetes. De acordo com o professor Tiago Silveira, essas lesões podem levar a complicações sistêmicas graves, como infecções generalizadas e sepse. “A descontinuidade da pele é um importante fator de sepse e consecutivamente de choque séptico, sobretudo em pacientes que estão em ambientes hospitalares devido ao contato com muitos patógenos”, explica.
A pesquisa desenvolvida no Grupo de Estudos e Pesquisas em Saúde, conduzida pelos estudantes Layse Quaresma Costa e Deivyd Breno de Sousa Coimbra, sob a orientação dos professores Anderson Bentes de Lima e Tiago Silveira, destaca que essas feridas têm um impacto significativo no sistema público de saúde e apresentam alto potencial de mortalidade. Isso ocorre porque a pele atua como uma barreira natural contra a entrada de vírus, bactérias, fungos e protozoários. Quando essa barreira é rompida, essas lesões podem desencadear manifestações graves no organismo, muitas vezes resultantes de infecções.
Uma abordagem promissora de tratamento tem sido o uso de óleos extraídos de plantas amazônicas como copaíba, andiroba, castanha e ucuúba. Esses elementos, tradicionalmente utilizados por populações locais, demonstram propriedades cicatrizantes que podem ser potencializadas pela ciência.
Os estudos realizados com o óleo de ucuúba, por exemplo, revelam sua capacidade de estimular a formação de novos vasos sanguíneos nas bordas e no fundo das feridas. Esses novos vasos são essenciais para transportar nutrientes e energia às células responsáveis pela formação do tecido cicatricial. “Essas células estão sempre lá, mas não estão trabalhando efetivamente, na maioria das vezes por falta de elementos que são levados pelo sangue até elas”, detalha Tiago.
Embora os experimentos ainda estejam na fase pré-clínica, os resultados obtidos sugerem que esses tratamentos podem, no futuro, ser integrados ao sistema público de saúde. Segundo Tiago Silveira, o objetivo não é reinventar práticas tradicionais, mas validá-las cientificamente e ampliar seu alcance, respeitando e reconhecendo os saberes locais.
A fisioterapia, muitas vezes associada apenas à reabilitação motora, desempenha um papel fundamental no tratamento de feridas. Além de intervir na mobilidade comprometida por cicatrizes ou lesões, os fisioterapeutas também podem prescrever fitoterápicos, desde que regulamentados pelo Conselho de Fisioterapia. A fisioterapia vai além do movimento biomecânico; ela envolve processos que impactam a funcionalidade do corpo de forma ampla.
O potencial da pesquisa é promissor, porém ainda há um longo caminho até que os fitoterápicos derivados de óleos amazônicos sejam incorporados aos tratamentos oficiais. O processo de validação científica requer etapas rigorosas, incluindo testes clínicos e aprovação regulatória.
Para as populações amazônicas, entretanto, o uso desses óleos não é novidade alguma. Ao validar e ampliar essas práticas, a academia se afasta de um olhar eurocêntrico dominante e reconhece os saberes tradicionais como o conhecimento científico que são.
Foto: Natura Campus
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