É possível conciliar arte e indústria na cerimônia de entrega do Oscar 2024?
Os dez concorrentes à categoria de melhor filme realmente correspondem aos critérios da Academia de Artes e Ciências de Hollywood ou deveria se chamar Artes, Ciências e Mercado de Hollywood?
Os filmes que representam a reconquista do público afastado durante a pandemia e a indicação de trabalhos mais comprometidos com cinema enquanto arte e cultura irão, por certo, ser a tônica dominante da grande festa do cinema americano (com poucas aberturas ao cinema internacional) neste domingo, 10 de março, em mobilização interplanetária do marketing vitorioso da indústria cinematográfica norte-americana.
Há pelo menos quatro filmes indispensáveis para o público cinéfilo guardar na memória e que já estão inseridos na História do Cinema na temporada 2024: “Anatomia de uma Queda”, de Justine Triet; “Vidas Passadas”, de Celine Song; “Pobres Criaturas”, de Yorgos Lanthimos; e “Zona de Interesse”, de Jonathan Glazer.
Em que pese o excesso de diálogos do roteiro volumoso de “Anatomia de uma Queda”, o filme vale como exercício de poder sobre a técnica da retórica na composição dos chamados “filmes de tribunal” e seus desdobramentos nada éticos no decorrer do processo de criminalização da protagonista interpretada de forma impecável por Sandra Hüller.
“Vidas Passadas” é um dos melhores filmes sobre relacionamentos e afetos realizado nos últimos anos, com foco nas expectativas da arte do encontro, no caso, o reencontro que se alimenta de crenças metafísicas e o feitiço do tempo que afasta e devolve a realidade de continuar seguindo na longa estrada da vida.
“Pobres Criaturas” é o cinema como arte total, o prazer de se dirigir a uma sala escura de exibição e ser inundado por cores e sons absolutamente deslumbrantes. O filme é uma ode à liberdade de ser e estar no céu e inferno da existência na Terra, com recursos da lente de olho de peixe (que provoca a sensação de claustrofobia), o preto e branco como as primeiras imagens da sétima arte e da primeira infância, e o cinema colorido como tela aberta para vários significados. É a proposta mais bem-sucedida de encenação e possibilidades de releitura.
“Zona de Interesse” é o cinema das elipses, dos espaços contíguos e uma aula de como retratar a naturalização do genocídio na imaginação do espectador para o que não é citado visualmente. O que não é visto é sugerido de forma perturbadora, seja pelo desenho de som, pelo odor que incomoda a chegada uma personagem na propriedade que funciona como modelo do ideal nazista e todas as situações exploradas pelo roteiro que remetem à indiferença e banalidade da crueldade na sociedade contemporânea.
Os demais concorrentes não são filmes necessariamente ruins, mas se enquadram em trabalhos de qualidade já esperados ou que pouco acrescentam à proposta de seus produtores e realizadores, com exceção de “Ficção Americana”, de Cord Jefferson, que aposta no humor para desqualificar a hipocrisia aplicada ao tema do racismo.
“Barbie”, de Greta Gerwig, promete mas não cumpre uma abordagem musical, mais pop e ao mesmo tempo certeira sobre a emancipação do processo de coisificação feminina.
A cinebiografia de Leonard Bernstein, “Maestro”, de Bradley Cooper, é um esforço monumental e personalista que busca o reconhecimento dos membros votantes do Oscar. “Os Rejeitados”, de Alexander Payne, é mais do mesmo, se compararmos com outros bons filmes que exploram temas como amizade e conflitos da juventude.
“Assassinos da Lua das Flores”, de Martin Scorsese e “Oppenheimer”, de Christopher Nolan, são trabalhos de diretores consagrados. São filmes tecnicamente inatacáveis, porém deixam a desejar sobre a possibilidade de um olhar imparcial sobre a matança de indígenas (Scorsese) e o excesso de falas, informações técnicas e revezamento de personagens (Christopher Nolan).
No mais, é acompanhar o que será revelado sobre os vencedores de outras categorias importantes como melhor direção, roteiro original e adaptado, ator, atriz, filme internacional e os prêmios técnicos.
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