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Na semana que passou, em meio à repercussão da Cúpula da Amazônia, um jornalista de projeção nacional entrevistava ao vivo a bióloga Izabella Teixeira, ex-Ministra do Meio Ambiente, quando foi avisado sobre a entrada do repórter que acompanhava o evento in loco, direto de Belém do Pará. O renomado âncora televisivo então interrompeu a conversa e, despido de qualquer constrangimento, disse que precisava abrir espaço rapidamente para o colega a quem chamou de “nosso homem na selva”, porque “não queria deixá-lo parado lá no meio do mato.”

Até a entrevistada assustou-se com tamanha estultice, e de pronto redarguiu o infeliz piadista, dizendo em alto e bom som que o repórter não estava no meio do mato, e sim no centro da cidade, como se fosse necessário confirmar a imagem que mostrava ao fundo o majestoso Teatro da Paz, em plena Praça da República, no coração da capital paraense.

O espetáculo poderia ter parado por aí, com o diretor gritando “corta” e batendo a claquete, tal como antigamente, o que daria à cena um merecido ar de Chanchada da Atlântida, e ao preconceituoso reincidente um aspecto burlesco e caricato, algo como um Oscarito da informação, um Grande Otelo dos telejornais.

Aliás, retificando, é prudente não citar Grande Otelo; é melhor substituir a referência e comparar nosso astro da xenofobia a outros luminares da chanchada, quem sabe Anselmo Duarte ou José Lewgoy, afinal a simples menção a Grande Otelo pode trazer à baila outro episódio delicado da carreira do nosso personagem central, revolvendo um passado revelador – o cidadão que considerou Belém uma selva e que se referiu ao repórter como um autêntico Tarzan é o mesmo que, anos atrás, durante a cobertura das eleições norte-americanas, aborreceu-se com a conduta de um motorista que passou buzinando em frente ao estúdio móvel da Rede Globo, e disse que aquilo “só podia ser coisa de preto…”.

Trata-se, como todos já perceberam, de Willian José Waack, um paulistano de 70 anos de idade, qualificado na Wikipédia como jornalista, professor, sociólogo, cientista político e ex-handebolista brasileiro, dono de um respeitável currículo acadêmico, profissional e esportivo, autor de quatro livros, duplamente vencedor do Prêmio Esso de Jornalismo.

Não há como negar a robustez da formação científica, humanística e jornalística de Waack, e é exatamente por isso que a carga negativa dos impropérios que ele se acha no direito de proferir ganha impacto ainda maior. Fosse um iletrado, um homem humilde e de poucas luzes, de modos e hábitos rudimentares, a regurgitar ignorância e estupidez, talvez fosse possível ao menos compreender; mas quando tanta burrice, tanto desprezo e tanta virulência partem de um cientista político, um homem de imprensa com décadas de experiência e um considerável volume de cabelos brancos, em tons carregados de racismo e discriminação, a conduta é absolutamente intolerável e indigna, merecedora de duras e exemplares reprimendas (que aliás eu não vi, não li e nem ouvi).

Afora a reação do Prefeito Municipal, carregada de viés político e ideológico, e a insatisfação bem humorada das redes sociais, foi decepcionante a inação das autoridades constituídas e dos representantes da sociedade civil organizada, aparentemente pouco incomodados com o menosprezo manifestado em rede nacional, traduzindo uma vez mais a postura arrogante e colonialista que muitos sudestinos ostentam contra o nordeste e o norte brasileiros.   

Estive fora do país até ontem e posso não ter acompanhado a contento as reações, mas confesso que não encontrei as respostas que esperava encontrar, e que me ressenti com o silêncio do Governo do Estado, da Assembleia Legislativa, do Sindicato dos Jornalistas do Estado do Pará, da Seccional da Ordem dos Advogados, da Associação Comercial, da Federação das Indústrias, dos veículos de comunicação e de diversas outras entidades. Eu esperava que repelissem em uníssono as diatribes assacadas contra a cidade e, corolariamente, contra o seu povo.

Fato é que, ao não rechaçar com veemência o ataque sofrido, acabamos por abrir espaço para o noticiário oportunista que de pronto começou a questionar a capacidade de Belém para sediar a COP 30, em 2025, destacando declarações atribuídas ao Secretário Executivo das Nações Unidas para o Clima, supostamente preocupado com as limitações logísticas e operacionais da capital nortista, notadamente com a sua capacidade hoteleira.

Cumpre lembrar que não é a primeira vez que a Rede CNN questiona a escolha de Belém. Há cerca de dois meses dois outros jornalistas da emissora – Cristiano Beraldo e Tiago Pavinatto – criticaram energicamente a opção do Presidente da República, chegando ao cúmulo de dizer que a cidade não recebia voos internacionais e que sua população se locomovia majoritariamente por meio de embarcações arcaicas e inadequadas.

É a velha lenda do jacaré no meio da rua, cantada e decantada há décadas. Desde 1992, aliás, quando foi lançada a música “Belém–Pará–Brasil”, a banda Mosaico de Ravena já bradava: “Chega de malfeituras, chega de tristes rimas…” 

Estejamos atentos. A COP é uma conquista do povo do Pará, uma oportunidade de renascimento como há muito não se via em Belém. Quanto à Willian Waack, é apenas mais um daqueles sujeitos de que nossa história está cheia, mais um daqueles tipos que perdem a sabedoria em meio ao conhecimento. Menino de apartamento, não conhece a selva, tem medo de que o mato cresça e tape ainda mais a sua visão, tem pânico de que se enrole nas suas pernas e o torne apenas parte oculta da paisagem.

Albano Martins
Albano Henriques Martins Júnior é paraense, nascido em Belém em 1971. Advogado cursando especialização em Literatura na PUC/RS (EAD). Guarda de Nossa Senhora, foi membro da Diretoria da Festa de Nazaré entre 2014 e 2023, Coordenador do Círio no biênio 2020/2021, os anos da pandemia. Mantém no Instagram uma página recente sobre livros (ler_e_lembrar).

Um dia “daqueles”!

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