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Ao final do mês de setembro, há a constatação de que não há nada de novo no front de lançamentos dos circuitos de exibição comercial e alternativo. A propaganda poderosa dos novos títulos do cinema de horror/terror pede passagem na apropriação de procedimentos cinematográficos que remetem ao cinema de Brian De Palma (Carrie, a Estranha), Stanley Kubrick (O Iluminado) e David Cronemberg (A Mosca); referências explícitas observadas em “A Substância”, de Coralie Fargeat, em exibição nos cinemas.
Diante do refluxo, da mesmice do que está sendo comercializado como produção contemporânea nas salas de cinema, a alternativa é adentrar nos catálogos disponíveis em streaming. E na busca de imagens que realmente fazem parte da história da arte cinematográfica, eis que surge um clássico do cinema italiano: “O Inocente”, de Luchino Visconti, que pode ser assistido na plataforma Filmicca.
O cineasta italiano Luchino Visconti (1906/1976) é um dos maiores diretores de cinema de todos os tempos. Seus filmes são marcados pelo conceito de arte total, grandiosidade e intimismo, paixão e decadência nos temas abordados.
Visconti é reconhecido como um dos expoentes do movimento Neorrealista. Com o advento do Pós-neorrealismo, os temas sociais abrem espaço para o mal estar da contemporaneidade por meio da instabilidade de sentimentos, traição da memória, reflexão estética, amor, incomunicabilidade, morte e vida.
O cineasta foi mestre em adaptar obras literárias para o cinema, imprimindo rigor e introspecção para as obras de James Cain (Obsessão, 1943), Giovanni Verga (A Terra Treme, 1947), Fiódor Dostoievski (Noites Brancas, 1957), Giuseppe Lampedusa (O Leopardo, 1964), Albert Camus (O Estrangeiro, 1967), Thomas Mann (Morte em Veneza, 1971) e Gabrielle D’Annunzio (O Inocente, 1976).
Em “O Inocente”, a narrativa apresenta a história de Tullio Hermil (Giancarlo Giannini), que mantém um casamento formal com Giuliana (Laura Antonelli), esposa que aceita, sem demonstrar reação, o relacionamento do marido com a amante, a condessa Teresa Raffo (Jennifer O’Neill).
Giuliana conhece o escritor Filippo d’Arborio (Marc Porel), com quem se envolve. Ao sentir que está perdendo a esposa, Tullio se reaproxima, propõe a reconciliação e depois descobre que a mulher está grávida do escritor.
Aqui, temas como homicídio e suicídio são representados de forma suntuosa sobre o poder destruidor da sexualidade e o verdadeiro inferno do amor possessivo. A adaptação do romance de D’Annunzio, autor de romances, tragédias e poesias, ligado ao fascismo e por isso hostilizado por parte da crítica literária italiana, encerra a carreira e a chamada fase decadentista do realizador italiano. “O Inocente” é o último filme de Visconti, que não chegou a ver seu trabalho concluído. 
O olhar crítico de D’Annunzio/Visconti se desloca para o vazio conjugal de uma classe social bem vestida, refinada, em cenários deslumbrantes a camuflar o desconforto conjugal. Tullio acredita fazer parte de uma determinação social de origem aristocrática, sem qualquer punição (pela justiça dos homens) ou divina (Tullio é ateu), e a consequente queda moral e emocional em que será seu próprio juiz.
No filme, os aristocratas, com suas leis próprias, se confundem com a ascensão da burguesia em planos e sequências que mostram lirismo e desencanto (rostos ocultados por plantas em tomadas externas na casa de campo; o plano fixo de Jennifer O’Neill em silhueta negra e fúnebre se distanciando numa aleia brumosa).
Aqui, o signo de Thanatos está em toda a parte: nas casas fechadas, na alvura das capas (mortuárias?) sobre os móveis e a mão de Visconti sobre o veludo grená ao virar as páginas de uma antiga edição de “O Inocente” na abertura do filme.
Luchino Visconti venceu a Palma de Ouro em Cannes por “O Leopardo”, o Leão de Ouro em Veneza por “Vagas Estrelas da Ursa” (1965) e chegou a ser indicado ao Oscar na categoria de roteiro original por “Os Deuses Malditos” (1969). É também realizador dos clássicos “Belíssima” (1951), “Sedução da Carne” (1954), “Rocco e seus Irmãos” (1960), “Ludwig” (1973) e “Violência e Paixão” (1974).

José Augusto Pachêco
José Augusto Pachêco é jornalista, crítico de cinema com especialização em Imagem & Sociedade – Estudos sobre Cinema e mestre em Estudos Literários – Cinema e Literatura. Júri do Toró - 1º Festival Audiovisual Universitário de Belém, curadoria do Amazônia Doc e ministrante de palestras e cursos no Sesc Boulevard e Casa das Artes.

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