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Mais uma noite memorável se desenha na sede da Academia Paraense de Letras, nesta Casa, onde se cultiva o pensamento, a estética e a memória. Somos hoje brindados com mais uma ocasião de celebração da potência do feminino que se reúne para celebrar a posse de mais uma mulher cuja trajetória se entrelaça profundamente com o universo da literatura, que faz das letras e das artes o seu ofício.
 
A literatura infantil, o seu forte, é a tradução da sensibilidade, onde encontra plena expressão. A escrita, seu campo de excelência, impregnada de lirismo, pedagogia e afeto, caminha de mãos dadas com as infâncias e reverbera mensagens de valores universais com delicadeza e profundidade. Com diversas obras de relevância já publicadas, tanto em âmbito regional quanto nacional, firma-se como uma das vozes mais significativas da literatura voltada ao público infantojuvenil no Pará.
 
Mas seu talento não se encerra nas páginas dos livros. Seu encantamento pelas produções audiovisuais, a atuação em projetos culturais e educativos, e a multiplicidade de suas expressões artísticas — da música à palhaçaria —, a tornam uma artista plural, profundamente enraizada na contemporaneidade e na missão de educar com sensibilidade e compromisso ético.
Assim a confreira Márcia Duailibe Forte chega entre nós, mulheres confreiras aguerridas, talentosas e corajosas, que muito honram esta instituição. Com orgulho, cito as confreiras Edy lamar, Nazaré, Sarah,  Nelly Cecília e Franssinete, e eu Maria Betânia, nomes que simbolizam a força feminina que vem, paulatinamente, transformando a história da APL, anunciando que é vez da alegria arrebatar mentes e corações. Márcia se junta a nós para anunciar, com letras, cores, sons e imagens, que a alegria é sim uma forma de resistência, e que a literatura infantil pode — e deve — despertar o melhor da criança que vive em cada um de nós.
 
Celebrar o feminino numa instituição historicamente hegemonizada por homens é motivo de orgulho, é mais do que uma conquista simbólica — é uma afirmação de que os tempos estão mudando, e que a equidade de gênero é um compromisso inadiável em todas as esferas da sociedade, inclusive nas literárias e acadêmicas.  Há alguns meses, às vésperas do Dia Internacional da Mulher, saudamos a confreira Franssinete Florenzano e naquela oportunidade destaquei que inscrever na história da Casa das Letras paraense a assunção de mulheres é expressão do reconhecimento do protagonismo e relevância feminina na APL.
 
A presença de mulheres na APL não é um gesto de concessão, mas o reconhecimento da excelência, do mérito e do protagonismo das mulheres no cenário intelectual paraense e brasileiro. A paridade de gênero, portanto, é pauta estrutural e histórica. Reitero o que tenho destacado: paridade de gênero não é um clichê, modismo ou slogan, mas uma pauta de relevância histórica e estrutural em múltiplos contextos.
 
Analista de Sistema por formação na Universidade Federal do Pará, onde é servidora efetiva e já ocupou funções de alta confiança, Márcia Duailibe Forte alia com maestria o rigor técnico da formação científica à inventividade e sensibilidade do fazer artístico, chega entre nós na APL numa data especial no Brasil. Hoje se celebra mais um dia do centenário Mestre Paulo Freire, nascido em 19 de setembro de 1921 e se vivo fosse estaria com seus 104 anos de sabedoria sendo festejado. E é nesse espírito freiriano que saudamos Márcia. Aqui o reverenciamos ao saudar uma confreira que é expressão do que o Patrono da Educação Brasileira nos diz e nos emociona em sua obra Pedagogia dos Sonhos Possíveis: “… Eu acho que uma das coisas melhores que eu tenho feito na minha vida, melhor do que os livros que eu escrevi, foi não deixar morrer o menino que eu não pude ser e o menino que eu fui, em mim. A literatura de Márcia Duailibe Forte é assim: nos ensina a não deixar morrer a menina, o menino, que existe em cada um de nós.
 
Profissional da área de tecnologia e com destacadas produções artísticas na interface com estas modernidades, Márcia Duailibe Forte vai se realizar plenamente no mundo das letras e artes. Escritora com foco em Literatura Infantil, é uma multitalentosa. Musicista, compositora, atua como diretora de imagem, diretora de arte e projeto gráfico de CDs, entre outras habilidades, ao transitar com fluidez entre linguagens, mídias e públicos diversos.
 
Orgulhosamente destaco que Márcia Duailibe Forte é autora de diversos livros infantis. Os Três Porquinhos e o Lobo Esportista alçou reconhecimento nacional, tendo sido uma obra selecionada pelo Ministério da Educação para compor o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), com reprodução de mais de 48 mil exemplares. Nesta obra se aprende por meio da linguagem dos bichos falantes como eles lidam com valores tão necessários na nossa sociedade, a exemplo do perdão, solidariedade, amizade e tolerância. Nas Entrelinhas do Hino Nacional; e Belém – Uma Cidade Amazônica, são outras obras de destaque na sua trajetória no mundo das letras.
 
Em tempos tão áridos, por vezes sombrios, em que emergências climáticas estão no centro do debate da COP-30 e a Amazônia com sua magnitude sendo uma possibilidade de fazer o planeta Terra, a nossa casa comum, um mundo melhor, Márcia Duailibe Forte nos brindou em 2024 com a sua obra Belém – Uma Cidade Amazônica, que desde a capa já mobiliza nossa memória afetiva, com o coreto da praça em meio à verdejante e imponente flora.
 
Essa memória afetiva que sua obra instiga está traduzida neste plenário da APL nesta noite em que também se celebra a amizade. Prazer imenso confraternizar-nos em torno da Márcia Duailibe Forte, queridas Alda, Claudia Guedes, Geyna e Mônica Bandeira. Sintam-se fraternalmente abraçadas. Essas presenças trazem lembranças desde o tempo de escola que vivemos no tradicional Colégio Nazaré.
 
Ao celebrar-se a amizade, celebra-se também a saudade, aquela saudade intensa que presentifica uma mãe e um irmão ausente. Nelson Duailibe Forte foi um irmão mais velho inspirador dessas mulheres lindas que são a Sandra e a Márcia. Uma família forte e resiliente sob as bênçãos da matriarca Norma Forte, que partiu pouco antes do Nelson e no céu o recebeu em seus braços, para juntos acolherem os desígnios de Deus, por vezes incompreendidos pela dor de quem fica. Mas onde há amizade há saudade. E há também o silêncio reverente da memória. Relembramos com emoção e saudamos com muito afeto e carinho a família do Nelson aqui presente, sua esposa Maribel e filha Fábia, e suas filhas Vitória e Sophia, que preservam seu legado.
 
As vozes potentes dessa irmandade Nelson, Sandra e Márcia ecoaram e seguem ecoando arte e beleza na nossa Santa Maria de Belém do Grão-Pará. E é com os olhos marejados, com o coração disparado, que peço uma salva de palmas a esta família multitalentosa que transborda bonitezas.
 
Escrever para crianças é uma das tarefas mais complexas na literatura. Adentrar no mundo infantil e suas idiossincrasias não é fácil, em que o animismo como cosmovisão empresta alma a entidades não humanas, singularizando um tempo único de nossas vidas. Ser adulta com a sensibilidade de imersão no universo infantil, de capturar imaginários e lidar com temas complexos numa linguagem acessível, é de um talento único. Assim é a nossa confreira Márcia Duailibe Forte, que chega na APL para suavizar tempos de complexidade com sua sublime palhaçaria, arte milenar do riso e da resistência.
 
Respeitável público, apresento-lhes a Fofucha, nome artístico da Márcia Duailibe Forte na arte da palhaçaria, à qual tem se dedicado nos anos recentes. Sua paixão pela palhaçaria nos faz entender o quão essa linguagem artística está para muito além de sapatos grandes, roupas largas coloridas ou estampadas, nariz vermelho. No Egito Antigo, há mais de 2.500 anos a.C., já era costume manter pigmeus africanos conhecidos como Dangas nas Cortes Reais para divertir os faraós e as famílias reais. Na Idade Média os chamados Bobos da Corte ou  Bufão, era um artista que divertia a realeza com histórias, músicas, mímica, acrobacias e equilíbrio, o palhaço, que gozava do privilégio de criticar a nobreza e o clero sem ser punido. O termo “palhaço” só surgiu por volta do século XVI, mas vem atravessando milenar e secularmente a história da humanidade com seu potencial crítico e humor provocante do riso.
 
Na atualidade, a palhaçaria vem cumprindo um papel de inequívoca relevância, que é humanizar a saúde, o tratamento de doenças. É um espaço-tempo de debate entre ciência e arte, alinhavado pela educação popular em saúde e pela dialogia riso, que ressignifica a dor. As mulheres têm exponencialmente se destacado na palhaçaria e Márcia inscreve-se nesse universo com muita força e doçura.
 
Márcia Duailibe Forte é mais uma mulher que inscreve seu nome na história da Casa das Letras paraense, que traz a ludicidade como estandarte anunciador de um mundo melhor, traduzido em letras e risos. Celebramos nossa confreira em tempos da efervescência do Círio e da COP-30, em que a “Belém – Uma Cidade Amazônica” retrata nosso cotidiano paraense traduzido de maneira lúdica, com declarações de seu e nosso amor pela cidade, valorizando pontos turísticos, gastronomia, arte e tudo o que torna nossa Belém tão singular, a Belém que queremos bem.
 
Meu coração está feliz, meu coração está em paz. Entre com Deus e pelas Mãos de Nossa Senhora de Nazaré, querida confreira Márcia.
 
Nada melhor do que sorrisos e uma efusiva salva de palmas para celebrarmos a chegada de nossa mais nova e querida confreira.

Betânia Fidalgo Arroyo
Betânia Fidalgo Arroyo é titular da cadeira n° 2 da Academia Paraense de Letras, reitora da Unama, presidente do Conselho Estadual de Educação e da Fundação Escola do Legislativo do Pará.

Advogado e professor do Pará no STF e CNJ

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