O presidente estadunidense Donald Trump fez seu primeiro discurso perante o Congresso desde seu retorno ao poder após um encontro tenso com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, no qual, ao lado de seu vice-presidente JD Vance, protagonizou mais um show de horrores regado da violência já esperada nos atos do líder republicano, num tom de bullying, sem sequer deixar Zelenzkyy falar.
Em seu discurso, Trump alegou ter recebido uma “carta importante” de Zelenskyy, na qual o líder ucraniano teria manifestado disposição para retomar negociações de paz e assinar um acordo de exploração mineral. O conteúdo da suposta carta era idêntico a uma declaração pública que Zelenskyy havia feito horas antes em suas redes sociais.
Durante a fala, que durou aproximadamente uma hora e 40 minutos, Trump também afirmou que recebeu “fortes sinais” de Moscou de que a Rússia também estaria pronta para negociar a paz. A declaração veio após uma recente conversa telefônica entre Trump e Vladimir Putin, que gerou preocupação entre aliados ocidentais. O republicano não perdeu a oportunidade de criticar a gestão de Joe Biden, atribuindo à retirada caótica dos EUA do Afeganistão, em 2021, a decisão de Putin de invadir a Ucrânia.
“Quando Putin viu o que aconteceu, acho que ele disse: ‘Talvez esta seja minha oportunidade’, de tão mau que foi. Nunca deveria ter acontecido. Pessoas grosseiramente incompetentes”, afirmou Trump.
Horas antes do polêmico discurso, Trump havia anunciado a suspensão imediata da ajuda militar à Ucrânia, gerando fortes reações no Congresso. Democratas protestaram vestindo roupas nas cores da bandeira ucraniana e abandonaram o plenário antes do término da sessão. O deputado democrata Al Green foi expulso da câmara após interromper Trump aos gritos, acusando-o de acabar com o Medicaid, um programa de assistência médica do governo dos Estados Unidos voltado para pessoas de baixa renda, financiado conjuntamente pelo governo federal e pelos estados, criado em 1965, durante a presidência de Lyndon B. Johnson, e ampliado pelo Affordable Care Act (Obamacare) em 2010, durante a gestão de Barack Obama.
Mike Johnson, presidente da Câmara, ordenou a remoção de Green, enquanto os republicanos entoavam “U.S.A.” em coro. Após o incidente, Green declarou que “valeu a pena enfrentar Trump” e mostrar que ele terá forte oposição.
Ao falar por quase uma hora e quarenta minutos, Trump estabeleceu um recorde para o discurso presidencial mais longo em sessão conjunta do Congresso. A plateia estava visivelmente esvaziada ao final da sessão, principalmente por causa das saídas dos democratas.
O presidente estadunidense fez uma série de declarações que rapidamente foram submetidas a checagem de fatos pela ABC News e PolitiFact, que constararam que algumas de suas alegações careciam de contexto enquanto outras foram classificadas como enganosas ou falsas.
Uma delas foi a alegação de que o Acordo de Paris estava custando trilhões de dólares aos EUA. Não há evidências para sustentar essa afirmação. O estudo citado pelo governo Trump previa perdas econômicas baseadas em restrições no setor de combustíveis fósseis, mas não levava em conta os ganhos de empregos no setor de tecnologia limpa, tornando as previsões incompletas.
Também foi considerada enganosa a declaração de que Elon Musk teria encontrado pessoas de 369 anos no sistema do Seguro Social. A própria administração do Seguro Social explicou que registros antigos sem datas de óbito podem permanecer no sistema, mas isso não significa que essas pessoas estão recebendo benefícios.
Trump sugeriu que poderia criar um programa de “gold card” para conceder residência permanente a imigrantes por US$ 5 milhões sem necessidade de aprovação legislativa. Especialistas em imigração afirmam que ele não pode implementar tal programa sem aval do Congresso.
A ABC News e PolitiFact também taxaram como falsa a fala em que Trump afirmou que os EUA gastaram “US$ 350 bilhões” na Ucrânia. O Congresso aprovou US$ 182,75 bilhões para a resposta à guerra da Ucrânia, sendo US$ 119 bilhões destinados diretamente ao país. O valor citado por Trump exagera consideravelmente os números reais.
Em relação à guerra na Ucrânia, Trump e Zelenskyy, na última sexta-feira, 28 de fevereiro, estavam prestes a assinar um acordo sobre a exploração de recursos naturais ucranianos, mas a negociação foi abruptamente interrompida após um confronto verbal no Salão Oval. O acordo previa a concessão de direitos de exploração a empresas estadunidenses.
Trump tem rejeitado a possibilidade de apoiar a entrada da Ucrânia na OTAN, o que limita significativamente o poder de barganha de Kiev nas negociações. Ao mesmo tempo, a reaproximação com Moscou levanta dúvidas sobre a manutenção da pressão diplomática ocidental contra a Rússia.
Em uma publicação na rede social X na última terça-feira, 4 de março, Zelenskyy manifestou a prontidão da Ucrânia para assinar, a qualquer momento e em qualquer formato, um acordo sobre minerais e questões de segurança, mesmo depois do recente deplorável episódio na Casa Branca. Aparentemente, o presidente ucraniano simplesmente cedeu ao posicionamento violento de Trump que tem como um objetivo claro explorar os commodities ucranianos.
Gostaria de reiterar o compromisso da Ucrânia com a paz.
Nenhum de nós quer uma guerra sem fim. A Ucrânia está pronta para vir à mesa de negociações o mais rápido possível para trazer uma paz duradoura mais perto. Ninguém quer a paz mais do que os ucranianos. Minha equipe e eu estamos prontos para trabalhar sob a forte liderança do presidente Trump para obter uma paz duradoura.
Estamos prontos para trabalhar rápido para acabar com a guerra, e os primeiros estágios podem ser a libertação de prisioneiros e trégua no céu — proibição de mísseis, drones de longo alcance, bombas em energia e outras infraestruturas civis — e trégua no mar imediatamente, se a Rússia fizer o mesmo. Então, queremos avançar muito rápido em todos os próximos estágios e trabalhar com os EUA para chegar a um acordo final forte.
Nós realmente valorizamos o quanto a América fez para ajudar a Ucrânia a manter sua soberania e independência. E nos lembramos do momento em que as coisas mudaram quando o presidente Trump forneceu Javelins à Ucrânia. Somos gratos por isso.
Nossa reunião em Washington, na Casa Branca na sexta-feira, não foi como deveria ser. É lamentável que tenha acontecido dessa forma. É hora de consertar as coisas. Gostaríamos que a cooperação e a comunicação futuras fossem construtivas.
Em relação ao acordo sobre minerais e segurança, a Ucrânia está pronta para assiná-lo a qualquer momento e em qualquer formato conveniente. Vemos este acordo como um passo em direção a uma maior segurança e garantias de segurança sólidas, e realmente espero que funcione efetivamente”, declarou Zelenskyy.
O presidente ucraniano delineou etapas específicas para alcançar a paz, que inclui a libertação de prisioneiros como um gesto inicial de boa vontade (esperando, claro, reciprocidade da Rússia) e a implementação imediata de um cessar-fogo que inclua a proibição de mísseis, drones de longo alcance e bombardeios sobre infraestruturas energéticas e civis, e uma trégua marítima (desde que a Rússia adote medidas semelhantes).
Referindo-se ao encontro na Sala Oval, Zelenskyy lamentou a forma como ocorreu, descrevendo-a como “lamentável” e diferente do esperado. Ele expressou o desejo de que a cooperação e comunicação futuras sejam mais construtivas, buscando corrigir os equívocos do passado e promover um entendimento mútuo mais eficaz.
Um novo Conselho Europeu está agendado para discutir a situação na Ucrânia e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou uma “nova era de rearmamento” na região.
O primeiro-ministro britânico, Sir Keir Starmer, expresou apoio aos esforços de Zelenskyy para alcançar a paz.
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