0
 

Cético desde que se entendera como gente, Luís fazia pouco de causos contados por parentes e amigos, em rodas-de-conversa do Baixo Tocantins até a capital.

Nascido em Ilha e criado na cidade grande, era barbeiro de mão cheia, e, vez por outra, escutava os relatos visagentos de clientes.

Até do homem que jurou pela fé da mucura ter sido mundiado pelo curupira lá pras bandas de Cametá ele desdenhou.

-Mas quando! Isso nada existe. A gente tem é que ter medo dos vivos.

Dizia sempre, com convicção.

Numa tarde um pouco chuvosa, daquelas da época do “bro” – setembro, novembro e dezembro -, Luís foi tomar café com pupunha em casa de sua irmã mais velha, no bairro do Marco, em Belém.

Como na tradição, o encontro dos manos foi até a noite se apresentar.

Na sala, já nos diálogos de despedida, Luís viu o sobrinho chegar do trabalho anunciando em tom de alerta.

— Tio, acho melhor o senhor dormir por aqui. A vizinhança anda falando que tem matinta-perêra pelo bairro.

-Mas quando! Isso nada existe. A gente tem é que ter medo dos vivos – retrucou.

Pois bem: despediu-se e se pôs a caminhar as três quadras em direção à parada do ônibus.

A rua, por detrás do bosque Rodrigues Alves (hoje avenida Rômulo maiorana), estava com pouca iluminação, além de que o céu estava escuro, sem nenhuma estrela. Casas todas fechadas.

Àquela hora, só ele por ali transitando.

Foi quando escutou o primeiro assobio, ao longe.

Olhou para trás e não viu ninguém.

Alguns metros adiante, o segundo assobio, dessa vez mais perto.

Olhou ao redor, nada.

Deu mais uns 10 passos talvez, quando, no meio do quarteirão, um assobio lacinante quase estourou seu ouvido direito.

Atordoado, gritou: “Quem é? Quem é?”.

Sentiu uma ventania fria e estranha vinda dos galhos das árvores e correu para alcançar rápido o ponto de ônibus.

Foi quando seu corpo se esparramou pelo chão derrubado por um forte tabefe na nuca.

Caído, sujo e com arranhões, escutou o quarto assobio, mais baixo, como que se afastando.

Chegou em casa, no Umarizal, com dor de cabeça, que o acompanhou por dois dias.

Luis, barbeiro, relatou o acontecido algumas poucas vezes, e desde aquele dia, nos anos 1970, nunca mais afirmou convictamente “isso nada existe. A gente tem que ter medo dos vivos”.

Pelo sim, pelo não, vale o ditado popular:
“No creo en brujas, pero que las hay, las hay”.

Paula Portilho
Paula Portilho é jornalista, Relações-públicas e consultora em comunicação política.

    Literatura, meio ambiente e o imaginário amazônico: diálogos com João de Jesus Paes Loureiro em tempos da Conferência do Clima

    Anterior

    Lula visita Floresta Nacional do Tapajós

    Próximo

    Você pode gostar

    Mais de Cultura

    Comentários