0

Apesar de muito usada, nem todo mundo conhece a origem da expressão “novo em folha”, quase sempre relacionada a livros. A língua portuguesa é muito rica e expressões passam de geração para geração, sem que se saiba como surgiram. Muitas permanecem imutáveis ao longo dos anos, porém outras sofrem influências e acabam se adaptando aos novos tempos. Mas não há dúvida de que elas enriquecem e dão peculiaridade ao nosso idioma.
Algumas delas têm origem no nosso próprio país, são antigas, remontam ao tempo do império, enquanto outras tem conotação estrangeira, religiosa, mitológica, mística ou histórica. “Novo em folha”, como dito antes, foi inspirada na utilização do papel, particularmente dos livros, tendo em mente as folhas de papel brancas, limpas e sem amassados de livros recém-impressos, novinhos, sem dobras e sem riscos. Mas atualmente a frase pode estar relacionada a outros objetos e também a pessoas.

Quando nos referimos a algo que nunca foi usado ou que está em ótimo estado é trivial falarmos que o objeto está “novo em folha”. Ou quando uma pessoa, após enfrentar uma enfermidade se vê totalmente curada, os familiares dizem que ela está “nova em folha” ou “pronta para outra”. É fácil perceber que usamos o adjetivo “novo” para nos referir tanto a objetos como a pessoas.

Mas e a “folha”? O que a “folha” tem a ver com um carro novo, um sapato recém-comprado ou a alguém que acabou de sair de um hospital? Isso acontece justamente porque a expressão vem das folhas de papel limpinhas e sem máculas, tipo os livros novos quando acabam de ser impressos e não de nenhuma árvore.

Há quem use o termo para dizer que comprou um carro “novo em folha”, para distinguir da aquisição de um seminovo. Mas não é só com o carro zero bala que surge sua utilização, cabe também para um sapato novo, uma roupa nova ou qualquer outro objeto, desde que adquiridos recentemente e em estado impecável.

Quem nunca ouviu: – Comprei uma televisão de 50 polegadas “nova em folha”. Ou, com o mesmo sentido: – Ganhei um computador usado, e depois de uma repaginada, ficou “novo em folha”. As fofoqueiras diriam: – Vocês viram a fulana depois da plástica no rosto? Rejuvenesceu, está “novinha em folha…”.

Mas há situações incomuns em que essa expressão é incluída no diálogo para enfatizar o que se pensa sobre algo ou alguma coisa. Como o sujeito que procurou a oficina, levando seu antigo relógio de pêndulo para mais uma vez ser recuperado. Antes de sair, disse ele ao relojoeiro, com o intuito enfatizar a importância que o objeto tinha para ele:

  • Mas, por favor, tenha muito cuidado com ele, me devolva funcionando, “novo em folha”. É que esse relógio pertenceu ao meu avô e dessa marca não se fabrica mais…

Ao que o outro ironicamente respondeu:

  • Graças a Deus…

A música popular brasileira não deixou passar a oportunidade de utilizar a expressão e foi isso que fez o “Trio Xamego”, na composição intitulada “Novinho em Folha”, cujos versos ratificam o sentido com que ela é usada: Aqui estou eu, novinho em folha // De chapéu de couro, alparcata, culote e gibão // Pra cantar as modas de cabra da peste // Que vem do nordeste do meu torrão // Pra cantar tudo que vem lá da serra // Da minha terra no meu sertão. Eu não tenho reinado // não tenho coroa // Mas dentro da arte, modéstia à parte // Eu levo a vida tão boa // Trago a zabumba numa sacola // Mas não peço esmola a nenhum cidadão // Novinho em folha estou por aqui // E ninguém vai impedir de eu cantar meu baião!”

Portanto, para tudo que o que está “estalando de novo”, usamos a expressão “novo ou novinho em folha” como um adjetivo, isto é, uma palavra que se junta ao substantivo para modificar o seu significado, acrescentando-lhe qualidade, natureza, modo de ser ou o próprio estado em que a pessoa se encontra. Rodrigo Santos (O Pensador) cunhou uma frase para expressar uma sensação conhecida de todos nós: “Durmo com a expectativa de acordar novo em folha e acordo como se tivesse sido atropelado por um caminhão!”. Quem nunca se sentiu assim?…

Célio Simões
Célio Simões de Souza é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. É membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

    “Juruti – Festival das Tribos” em cartaz

    Anterior

    Quando o corpo grita

    Próximo

    Vocë pode gostar

    Comentários

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *