Publicado em: 4 de maio de 2025
As chuvas parecem cessar, parecem, mas se precipitam, ainda, como quem se vinga, pois mesmo no verão a Amazônia chora. São elas, as chuvas, que fazem as cheias do sul alimentando os lagos na região do centro-oeste, com rios voadores que colidem com a Cordilheira dos Andes e aterrissam em vários estados.
No Saara, as chuvas são de areia que atravessam o Mediterrâneo e conseguem colorir os automóveis de Roma, como revela Caetano Veloso na composição Reconvexo. Por esse clima árido e desértico, sem a constância da água no ar, os papiros que formaram os primeiros livros da humanidade se preservaram, assim como os corpos mumificados em natrão.
Nossas lembranças não dependem de chuvas de água ou de areia, mas dependem da preservação de tudo que guardamos em nossos universos, na medida dos nossos valores e preocupação com o futuro.
Vejo a tecnologia e a inteligência artificial envolver a humanidade, as coisas nas nuvens, e me ponho a meditar: qual o futuro dos livros, aqueles que se condicionam ao nosso tempo para folhear, sentir o cheiro da celulose com notas de baunilha e flores, e à nossa espera estão, sempre a nos informar. Qual o futuro das nossas memórias?
Penso na antiga Biblioteca de Alexandria, Egito, o mais importante acervo cultural do mundo antigo, por onde passaram grandes nomes ligados às ciências e às artes, poetas, gramáticos, geógrafos, geômetras, religiosos e filósofos, contribuintes para o desenvolvimento das ciências e do pensamento universal. Por causa dessa Biblioteca, Alexandria foi elevada ao mais influente polo de saber do mundo ocidental.
Reverenciou os estudos de grandes pensadores, reunindo obras que marcaram para sempre as filosofias medieval e contemporânea. Sábios de todas as regiões enalteceram a vida social da cidade, como Euclides, matemático do século IV a.C., o pai da geometria. Sua obra, Os Elementos, por exemplo, foi utilizada como padrão da geometria até o século XIX.
Esse patrimônio que abrigava mais de um milhão de rolos de papiro, muitos deles levados de Atenas, orgulho de toda a cidade, inclusive de seu fundador, Alexandre Magno, discípulo de Aristóteles e conquistador do mundo antigo, um dia foi completamente destruído por Júlio César.
O imperador romano cassava Pompeu, seu inimigo de Triunvirato, e quando chegou ao Egito, o faraó Ptolomeu XII, irmão de Cleópatra, entregou a cabeça e o anel de seu conterrâneo, como presentes a César que ao invés de festejar pôs-se a chorar amargamente. Revoltado, César o destituiu do poder e elevou Cleópatra, tornada amante, à condição de Rainha do Egito.
Continuou perseguindo os tutores de Ptolomeu XII e para evitar a fuga de um deles por via marítima, mandou incendiar todas as embarcações ancoradas no porto de Alexandria. Esse incêndio tomou proporções tão grandes que atingiu a famosa biblioteca de Alexandria, revoltando Cleópatra.
Nossas lembranças parecem se perderem em chuvas ou em tempestades de areia que enfraquecem o presente. Nem sabemos de civilizações que há milhares de anos habitavam a Amazônia, ou dos acontecimentos históricos que formaram nossa personalidade social.
O jornalista Graham Hancock, buscando civilizações misteriosas da Era Glacial, concluiu que somos uma civilização com amnésia por não lembrarmos da nossa própria origem, ignorando o passado que delineia o futuro. Se fizermos um mergulho em nossa ancestralidade recente, mal alcançamos a linha dos nossos tetravôs e sequer podemos falar de nossas origens.
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