Publicado em: 16 de junho de 2025
Como se sabe, as famigeradas Mudanças Climáticas estão na ordem do dia contra o aquecimento global acelerado pela devastação das florestas tropicais com a Floresta Amazônica à frente seguida da Bacia do Congo e da Indonésia cujo desmatamento acelerado reduz drasticamente as geleiras em todo Planeta. E, com o degelo, o nível das águas sobe continuamente de modo que terra firme se reduz, de maneira que grande parte do arquipélago do Marajó, a orla de Belém e Macapá ficarão permanentemente submersos. Portanto, não tão distante na linha do tempo as futuras gerações terão um dilúvio pela frente e a célebre arca de Noé não teria nem de longe chance para atender à lotação necessária.
Por outra parte, imagens de satélite deram oportunidade a geólogos do INPE descobrir uma rede de paleocanais que cobria grande parte da Ilha do Marajó até o final da Era do Gelo, há 11 mil anos atrás! Estes simples recortes informativos dão uma ideia geral da importância do jornalismo científico cultural e da necessidade real da extensão universitária para democratizar o conhecimento pelo progresso da cidadania do povo brasileiro. No caso, tirar o Marajó velho de guerra da beira da história deixando de ver navios levar as “nossas” riquezas mar afora, enquanto cá nas Ilhas a pobreza “prospera” no retrato contumaz do IDH abaixo da crítica.
Aqui o contraste espinhoso entre a abastada elite nacional de poucos e o crônico analfabetismo de muitos, notadamente a histórica exclusão da criaturada grande de Dalcídio desde o Diretório dos Índios (1757-1798), estimo em cerca de um milhão de marajoaras considerando a população da Região do Marajó e os e as marajoara da Região Metropolitana de Belém, mais a Área Geográfica Macapá e Santana, no Amapá (leiam “Boca do Amazonas: Sociedade e Cultura em Dalcidio Jurandir” do pesquisador da USP Willi Bolle), um doloroso contraste entre a realidade empobrecida que se apresenta e a imagem paradisíaca que se vende a fim de granjear turistas pouco informados na maioria das vezes.
Para remediar o desastre do paraíso perdido, vem de muito tempo o sonho ainda subconsciente de uma gente sonhadora da universidade popular, ou coisa parecida; com a cara marajoara tendo por fundamento a alma ancestral desta gente gravada em nossa memória com a iconografia dos primeiros tempos da Cultura Marajoara de 1600 anos de idade. Aquilo que, aparentemente, por acaso veio à tona no ano de 1973, quando Dalcídio Jurandir (Ponta de Pedras, 1909 – Rio de Janeiro, 1979) havia recebido o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras, no ano anterior. Foi, mais ou menos, sob este impacto que o pescador Vadiquinho provocou o padre italiano recém-chegado na paróquia e que colecionava “coisas que não prestam” dando ao pároco estrangeiro um estranho embrulho recheado de “cacos de índio” (fragmentos de cerâmica arqueológica) achados ao léu nos entornos dos tesos. Foi assim que acabou acontecendo a invenção d’O Nosso Museu de Santa Cruz do Arari, de fato o primeiro ecomuseu da Amazônia Marajoara e de todo Brasil contemporâneo ao de Montceau-les-Mines, considerado primeiro ecomuseu a ser reconhecido como tal, criado em 1974, em uma comuna da Borgonha, na França no bojo da Nova Museologia onde o consagrado nome de Hugues de Varine é mundialmente reconhecido. Porém, no Marajó ninguém viu nem se sabia daquele evento no fim do mundo, por acaso, a semente do visionário Museu do Marajó – hoje contando 52 anos de existência –, cuja história o cineasta Paulo Miranda contou no documentário imperdível “O Ajuntador de Cacos”.
O museu do Gallo hoje está pronto a continuar sua saga, doravante com a parceria da Universidade Livre do Marajó trazendo a bordo a utopia da universidade da maré que Mestre Vergara cantou em prosa e verso bafejado pela força da comunidade da grande ilha-mundo (maior que Portugal) do estuário amazônico e contando inclusive com a valiosa cooperação que vem de fora para se naturalizar a par da sociedade migrante, tal qual o caso paradigmático do padre Giovanni Gallo (Turim, Itália; 1927 – Belém do Pará, Brasil; 2003) … Por falar no filme de Paulo Miranda, saudoso cineasta marajoara morador da Vila da Barca, na periferia da ilharga da Capital parauara, este documentário atesta na voz da arqueóloga gaúcha especialista da arqueologia da ilha do Marajó, autora da obra de divulgação científica “Cultura Marajoara”: edição Senac, 2009; Denise Schaan, o sonho de todo cidadão que tem consciência do valor deste incomparável patrimônio e da necessidade de seu repatriamento.
Eis a metáfora justa e perfeita do encontro simbólico do maior rio da Terra com o profundo e misterioso Mar-Oceano no vasto Golfão Marajoara. Por si só uma “multiversidade” da maré que espera que o vasto mundo a contemple com todas suas gentes, animais e a flora da biota estuarina toda afinal de contas. Ou seja, a gente carece saber das coisas para fazer a hora acontecer. Nós precisamos de algo como uma escola ribeirinha capaz de esperançar a criaturada grande de Dalcídio realizando seus anseios e sonhos coletivos, tal qual antigos pajés ensinavam, tão-só com o dom mágico da intuição. Foi assim que aconteceu a invenção do primeiro ecomuseu brasileiro no berço esquecido da civilização amazônida, onde a arte primeva do Brasil veio ao mundo parido da lenda da primeira noite do mundo.
Está claro que, deveras, a necessidade é a mãe da invenção. O ardiloso paroquiano acostumado a pescar no lago Arari e vagar pela vastidão de campos alagados na busca de topar com teso desconhecido sabia somente que a cerâmica marajoara havia muita antiguidade e valor. Pensando nisto, o visitante do Museu do Marajó deve pensar nos arquitetos e engenheiros do Arari pés descalços, refletir sobre a arte sagrada das desconhecidas matriarcas ceramistas habitantes do tempo milenar da Cerâmica Marajoara, aqueles artistas que nos legaram a alma ancestral da criaturada grande de Dalcídio. Segundo brilhante hipótese da saudosa arqueóloga Denise Pahl Schaan, a iconografia marajoara seria uma expressão simbólica correspondente à certidão de nascimento da original cultura desta região do Trópico Úmido planetário. Contemplando a 30ª Conferência das Partes sobre Mudança do Clima (COP 30), que acontecerá nesta cidade de Belém do Pará (Amazônia Brasileira), a Conferência da ONU passará pela verde cidade das mangueiras, mas as mudanças climáticas irão continuar na ordem do dia e voluntários das universidades livres no planeta inteiro continuarão a pelejar como os seus antecessores. Esta nossa universidade livre marajoara tem antecedentes tais como o professor doutor Camillo Martins Vianna, decano dos ambientalistas nativos da Amazônia, um dos pioneiros do programa de interiorização da Universidade Federal do Pará, criador da Sociedade de Preservação aos Recursos Naturais e Culturais da Amazônia (SOPREN), em 1968, e cofundador do Grupo em Defesa do Marajó (GDM), que coordenou a assinatura da Carta do Marajó-Açu, celebrada a 30 de Abril de 1995, em Ponta de Pedras, com diretrizes para educação socioambiental e patrimonial, ensino ribeirinho e saúde preventiva. O decano dos ambientalistas da Amazônia foi coordenador de saúde, educação e meio ambiente na região do Tapajós; do Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária (CRUTAC); do Conselho Estadual e Municipal de Saúde e Meio Ambiente; e do Projeto Rondon, propiciando a visita e desenvolvimento de atividades de estudantes em comunidades ribeirinhas, utilizando cordéis para alfabetização e sensibilização destas pessoas dentre outras estratégias. Foi vice-reitor e pró-reitor de extensão da Universidade Federal do Pará, criando projetos de extensão e interiorização da instituição, tendo no seu currículo viagens a diversas regiões da Amazônia desenvolvendo atividades de educação ambiental, reanimação cultural e valorização dos habitantes em meio ao próprio bioma criando bosques comunitários e realizando trabalhos de recuperação de áreas degradadas. Camillo Vianna, portanto, é um inspirador de superior grandeza para cada voluntário da Unilivre Marajó, quando esta Organização Social de Interesse Público (Oscip) contempla sua missão numa educação focada na promoção do IDH de centenas de comunidades locais dos 17 municípios da Região Marajó, através da extensão multidiversa, direta ou indiretamente através de parcerias público-privadas com Universidades e outras instituições com atuação na Amazônia Marajoara.
Enfim, a ideia original de criação do Instituto Universidade Livre do Marajó (Ulilivre Marajó), advém do Colóquio Dalcidio Jurandir: 60 anos de Chove nos campos de Cachoeira, evento organizado conjuntamente pela Universidade da Amazônia (UNAMA) e Universidade Federal do Pará (UFPA), em novembro 2001, sucessivamente em Belém, Cachoeira do Arari, Salvaterra e encerrado com exposição fotográfica de encerramento em Ponta de Pedras, em 30/04/2002. Com a finalidade de perseverar nos objetivos do Colóquio, no dia 1º de Maio do mesmo ano, pela primeira vez, foi pensada possibilidade de criação de uma universidade livre específica para a vasta região do delta-estuário do rio Amazonas. Uma universidade livre caboca ribeirinha destinada a fortalecer a Extensão universitária formal de universidades parceiras na região para cooperar no resgate do orgulho dos antepassados indígenas… Domenico De Masi, quando veio ao Pará convidado pela PARATUR para proferir conferência na UNAMA sobre o Ócio Criativo, deu uma escapada até Soure, onde ele viu, talvez, sob encanto dos caruanas a antiga Grécia magicamente encontrada no além-mar. Esta visão que retorna agora com a miragem da universidade livre da antiga ilha dos marajós. Do dispositivo constitucional que reza: “O arquipélago do Marajó é considerado área de proteção ambiental do Pará, devendo o Estado levar em consideração a vocação econômica da região, ao tomar decisões com vista ao seu desenvolvimento e melhoria das condições de vida da gente marajoara” (§ 2°, alínea VI, do Artigo 13, da Constituição do Estado do Pará, de 1989). Uma extensão da COP 30 na Amazônia Marajoara é preciso! E a futura universidade livre há que ter vocação mediadora no grande diálogo das universidades amazônicas.
O Marajó é um mundo!
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