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Maria Mucoin é uma personagem literária absolutamente fantástica e simbólica. Eu interpreto com admiração os contornos e a ambiência histórica,  socio-antropológica e psicológica,  além das possibilidades intertextuais de Maria com essa sigla universal que chamamos mulher.

Quem é Maria Mucoín?

A personagem protagoniza a narrativa fantástica A Feiticeira, da coletânea de contos amazônicos do escritor Inglês de Sousa, romancista brasileiro do século XIX.

 O conto foi escrito e ambientado no século XIX (publicado em 1893), na Amazônia paraense, exatamente no município de Óbidos, no Paranamiri, confins da Grande várzea amazônica, Brasil profundo adentro.

 Maria é uma personalidade heurística, no sentido de que nos oferece possibilidades de interpretação e de descobertas sobre a categoria complexa, multissêmica e universal da gramática dos gêneros: a mulher.

 Interpretar Maria é, também,  construir significados históricos e sócio-antropológicos sobre a mulher na cena do século XIX; sobre a mulher universal,  nas relações de poder entre os gêneros; na cena da vida campestre, na pluralidade da vida local e global; no insólito da magia latino-americana, como nas tramas das Buendia e das mulheres mágicas de Avalon, que repristinam a magia universal.

 Maria é livre. E, livre, tece a sua vida épica em tear próprio, nas fronteiras aquáticas do seu Paranamiri. Quantas Marias há, donas das suas próprias águas e dos seus Paranamiris, pequenos reinos? Maria é dona do seu ciclo e da sua diegese; comandante das suas margens nas águas grandes amazônicas. A liberdade é a substância do Ser Maria, em todos os cantos do mundo: Stuart, Madalena, Santíssima… Quantas Maria há, deslocando as fronteiras dos reinos de homens?

 A magia

Há sempre algo de aterrador no sortilégio de poder fazer magias. Algo como a força e o poder encarnados no chá de ervas de Maria: ser mulher é ter seu pequeno extrato de mistério, qualquer cena ou hocus pocus. O chá tailandês, o chá das chinesas, o chá das japonesas, o five o’clock tea, o chá das bruxas, que foram crepitar nas fogueiras (não exatamente pelos chás, sabemos), os chás de camomila para retirar olheiras [hacks de beleza], o chá que acalma, reanima; chás para receber e para despachar… Maria Mucoín encarna também essa narrativa insólita e mágica dos sortilégios, epíteto de feitiçaria, como uma estratégia de poder da mulher da floresta, significando a magia de todas as florestas urbanas e selváticas das margens-mundo.

O poder

Maria perfura segredos com seus olhos obtusos; desafia teorias, tal qual se desfolha ritualisticamente trevos da sorte; redesenha a imagem do mundo, quando inverte as figuras cartesianas da geometria dos homens;  desafia as certezas positivistas, quando contraria teses cientificamente comprovadas.

Maria é local e universal, é dialética, contraditória, singular e fenomenológica. É a heroína perfeita para uma narrativa fantástica.

Leitura: Contos amazônicos: 218 https://a.co/d/324DX22

Shirlei Florenzano Figueira
Shirlei Florenzano, advogada e professora da Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA, mestra em Direito pela UFPA, Membro da Academia Artística e Literária Obidense, apaixonada por Literatura e mãe do Lucas.

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