Hoje ninguém sabe mais quem foi. O Brasil parece odiar suas grandes figuras, embora, na época, hipocritamente, a criticassem. O madrilenho Javier Montes escreveu um livro sobre Dora Vivacqua, mais conhecida como Luz Del Fuego, a primeira artista nudista que se tornou famosa sobretudo nos anos 50, do século passado. Faleceu no final dos anos 60 e com o tempo, ninguém lembra. O livro traça um belo retrato. Dora, de ilustre família mineira, cuja mãe que promovia saraus para que as filhas conhecessem bons partidos, teve como visitante o futuro poeta Carlos Drummond de Andrade, embora, ainda uma menina, e ainda não acenasse ao que viria tornar-se anos depois. Adolescente, fugiu da caretice da família e passou a escandalizar a todos, principalmente o irmão, deputado, primeiro ao ir à praia com um biquíni que inventou, com dois pedaços de pano. Um acinte! Independente, morando em Copacabana, pré bossa nova, enumerava namorados que a ajudavam a manter o apartamento, que dividia com uma ajudante, digamos, Gilda. Foi aos poucos, indo às sessões de circo, boates de strip tease, que percebeu possibilidades. O show com animais, por exemplo. Para chegar às cobras, passou por perrengues, mordidas, até fixar-se nas jibóias. Nos dias de calor, deitava-se, nua, no chão e deixava-a deslizar sobre seu corpo. Então vieram os shows e ela revirou o Brasil de ponta cabeça. Viajou por todo o país. Passou aqui em Belem, 1950, mas não há registros maiores. Será que alguém sabe? Em garimpos, recebia o ingresso em pepitas. Frequentemente era proibida pela Igreja, ou o show acabava repentinamente quando os frequentadores tentavam uma abordagem, digamos, mais direta e ela fugia pela porta dos fundos. Então em uma noite, Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Baile de Gala, sereno na porta, ela para seu cadilac sem capota e desce, inteiramente nua, somente com uma cobra a deslizar pelo corpo e há um imenso silêncio. Na porta, porteiros discutem se pode entrar, já que sequer tem convite. Nas janelas, as “influencers” de então, soçaite, ricos, enfim, aguardam. Não. Não deixaram. Regressa ao carro e parte. Não houve outro assunto mais comentado, mas no ano seguinte, Teatro Municipal, repetindo todos os que tais de antes, ela surge em seu carro. Desce, com uma fantasia de noiva, justíssima, claro, quase nua, mas vestida, sem dúvida. Vai até aos porteiros e entra, triunfalmente. No salão, há um gigantesco silêncio. A orquestra para. Ela vai até o palco, teatralmente, saca dois revólveres e os descarrega para o alto. Imaginem a confusão. Claro, foi presa, mas tudo certo. Vingou-se. Aos 40 aposentou-se, mas conseguiu pessoalmente, com o Almirante Guillobel, ministro da Marinha, a concessão de uma ilhota, próxima à Paquetá. Fundou o Clube Naturalista. Fundou o Partido Naturalista e se candidatou. Já tinha 50 mil assinaturas. O gaúcho Pedro Salgado levou de avião para Getúlio concordar. Mas o avião explodiu e com ele, todos os documentos.
Não, ela não era nenhuma beldade. Pequena, branca, longos cabelos negros que usava para encobrir os seios e o sexo, pregava a liberdade. Muito simples. Recebia turistas na ilha, desde que nus. Havia festas maravilhosas. Garçons e orquestra, todos nus. Veio a revolução, proibiram tudo, ela foi definhando, vendendo seus bens para sobreviver, até ser assassinada por dois bandidos em sua ilha. É curioso que nem o pessoal da bossa nova, nem os tropicalistas, nem as moças revolucionárias dos menores biquínis ou as playboys do mundo tenham lembrado de Luz del Fuego. Diga-se que adotou esse nome após ver a marca do batom argentino que Carmen Miranda usava.
Curiosa a história. Lembro da italiana Cicciolina, atriz pornô que se candidatou e se elegeu, contra os conservadores. Um escândalo. Fiz uma música. Walter Bandeira, amigo, gravava um disco. Queres? Manda. Ah, Edyr, o disco já estava gravado. Resolvemos fazer apenas uma vinheta, pra não deixar de te atender. Pois é, foi a música mais tocada. “Eu estou do lado da Cicciolina, na sua luta contra o preconceito, que o sexo é desrespeito, todo ato é um ato de amor”, dizia a letra. Um salve para Dora Vivacqua, aliás, Luz Del Fuego.
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