Não são mais as sombras das mangueiras ou os sabores diferenciados das nossas frutas e sucos e sorvetes a griffe que abre as portas da nossa cidade. Talvez isto ainda exista no imaginário do turista, mas não mais para nós, habitantes dos destroços daquilo que queríamos para Belém.
São quase seis da tarde e nas avenidas e ruas por onde passo, cada um toma pra si um pedaço do espólio. Sejam os espigões que agora brotam do chão como sementes , ou os carros de churrasquinhos e lanches, bares, botequins e restaurantes na apropriação do espaço público. E, pouco importa à ganância – pequena e “justificável”, grande e criminosa – se o edifício tomará de vez de todos a ventilação necessária à sobrevivência da cidade ou se o lixo amontoa-se próximo às cadeiras ou às mesas onde vão nos servir. A barbárie cotidiana nos faz cada vez menos exigentes. E mais selvagens.
Bicicletas e motos andam na contramão. O motorista do ônibus, ensandecido pelo calor ou pelo cansaço – ou apenas porque considera que também tem direito à transgressão pública e institucional – atravessa o farol no vermelho.
Nos trechos de quarteirão onde há apenas casas, a frente de algumas está tomada pelo mato ou pelo capim alto, como a esperar que o poder público faça sua obrigação! Sim porque nós também somos bárbaros. O espaço público é meu se me traz vantagens. É do poder público se dele acho que nada usufruo.
Quando chego em casa percebo que a Prefeitura recomeçou a destruição da 25 de setembro. Em breve teremos uma filial da Duque. Árida, brega e veloz! Talvez, moderna, na concepção do Átila e da sua entourage que nos desgovernam.
Alimentamo-nos das entranhas de uma cidade sem dono, sem poder instituído, salvo para os que se locupletam do recurso público. Só aí Belém tem dono. Só que, parodiando o poeta, Belém não há mais. Restou-nos Nova Déli, seus bárbaros e seu Chefete.
A concepção de cidadania está hoje diluída entre a ausência de limites públicos e privados e a omissão daqueles que ainda que aterrorizados com o futuro que nos ameaça como metrópole autofágica, poupam-se da batalha ou constroem rotas de fuga, como eu. Nosso silêncio, nossa impossibilidade real ou subjetiva de sermos generosos e solidários numa luta pela reconstrução do direito de ter uma cidade para viver, faz com que mereçamos o poema da Kaváfis:
“O que esperamos na ágora reunidos?
Ah! eles eram uma solução.”
(À Espera dos Bárbaros – Konstantinos Kaváfis)”
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