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Saí há pouco do Fórum criminal de
Belém. O julgamento do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, já dura
mais de doze horas e a previsão é que encerre perto da meia-noite. A sessão foi
aberta às 8h da manhã, no salão do júri, que desde cedo ficou lotado de familiares
da Irmã Dorothy Stang, religiosos, advogados, jornalistas, estudantes, representantes
de movimentos sociais e pessoas vindas inclusive de Anapu e Pacajá. 

Oito testemunhas foram ouvidas, três
delas arroladas pela acusação e as demais pela defesa do réu. Um dos depoentes
foi o delegado da Polícia Civil Waldir Freire Cardoso, que presidiu o inquérito
policial que apurou o assassinato da missionária.  Ele ratificou a
conclusão da investigação que apontou os mandantes do crime.
A grande “bomba” anunciada
pela defesa do réu é o ex-policial federal Rayol, condenado por fraude pelo
juiz federal Rubens Rollo, que cumpre sentença em regime fechado. Ele afirmou
ter sido segurança de Dorothy e disse que, durante as investigações, por
ocasião do depoimento de Bida na PF, teria sido declarado que o policial
Marcelo Luz é quem teria dado a arma usada no crime para Amair Feijoli Cunha, o
Tato, que por sua vez a repassara a Rayfran Sales, o executor do crime.
Por sua vez, Tato mais uma vez mudou
sua versão da história, alegou ter sofrido pressão para se beneficiar com a
delação premiada e inocentou Bida. O pistoleiro Raifran Sales também negou os depoimentos
prestados à Justiça e – vejam só! – disse que matou a religiosa, que estava com
uma Bíblia nas mãos, por sentir medo
dela. Depois de ser ouvido, Amair Feijoli, o Tato – que cumpre prisão
domiciliar – ficou no plenário, junto à primeira fila, assistindo ao depoimento
de Bida. E foi sentar justamente atrás dos irmãos da Irmã Dorothy. Quando fui
fazer a foto para registrar o acinte, ele cobriu o rosto.
  
Em seu interrogatório, o fazendeiro
Vitalmiro Moura negou qualquer envolvimento com o crime. Mas admitiu que o
executor Raifran Sales e seu ajudante Clodoaldo foram à sua fazenda
imediatamente após o assassinato. E disse que, quando soube, expulsou-os.
Confirmou, também, que no dia seguinte voltou a encontrar os dois em suas
terras, e disse que de novo mandou que sumissem de lá. Interessante que, ainda
que se considerasse não ser ele um dos mandantes, seu depoimento certamente foi
a confissão do cometimento um crime, já que, ao tomar conhecimento de um assassinato,
ao invés de dar voz de prisão ao autor do homicídio e chamar a polícia, como
seria o seu dever, mandou e facilitou a fuga.
O promotor de justiça Edson Augusto de
Souza fez uma bem fundamentada exposição, explicitando a motivação de Bida e o
nexo causal do crime. Mostrou muitos documentos, chegando a ler vários deles, nos
quais Irmã Dorothy denunciava incansavelmente Bida e Regivaldo Galvão, o Taradão,
por atos de violência na disputa pela terra. Dorothy Mae Stang foi assassinada
a tiros no município de Anapu, no sudoeste paraense, no dia 12 de fevereiro de
2005, porque representava uma ameaça aos interesses de grileiros da região. Ela
combatia o desmatamento da floresta e defendia o assentamento de colonos nas
área rurais públicas para implantação de um PDS – Programa de Desenvolvimento
Sustentável.
Exemplificou com os casos do jornalista
Tim Lopes, da juíza Patrícia Acioli e da noiva do goleiro Bruno, Elisa Samudio,
cujas mortes tiveram a autoria intelectual esclarecida a partir da delação premiada
e da colaboração de envolvidos nos próprios crimes.
Durante uma hora e meia o promotor Edson
Cardoso de Souza sustentou a acusação de que Bida é um dos mandantes e que pagaria
juntamente com Regivaldo Galvão, o Taradão, R$50 mil pela morte de Irmã
Dorothy. Bida olhava para seus advogados, Eduardo Imbiriba, Arnaldo Lopes e
Paulo Dias da Silva, e sorria.
A defesa do réu está agora finalizando
a sustentação da tese de negativa de autoria, que incluiu uma verdadeira
desconstrução da imagem de Irmã Dorothy. Durante uma hora e meia, boa parte do
tempo foi gasta atacando a reputação da missionária, que foi tachada de
invasora de terras.
O promotor de justiça Edson Cardoso de
Souza voltará à tribuna para a réplica e haverá tréplica. Depois, os jurados reunirão
na sala secreta para votar os quesitos formulados pelo juiz e, com base no
resultado, o magistrado prolatará a sentença, absolutória ou condenatória,
fixando a pena, se for o caso.
Por razões processuais, se Bida for
inocentado, não cabe mais recurso. Mas se for condenado, ainda poderá recorrer.
Espera-se que seja feita Justiça.
Merece registro o estranho silêncio do
MPE-PA a respeito de um julgamento tão importante e de repercussão
internacional. Não foi publicada uma linha sequer no site do Parquet.
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, presidente da Academia Paraense de Jornalismo, membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

Caso Irmã Dorothy: hoje, júri emblemático

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