O mundo nos últimos anos tem passado por significativas mudanças, especialmente em função da evolução tecnológia e de como ela afeta as relações sociais. Provavelmente muitas pessoas já ouviram a expressão “Intimidade Artificial”, mas, o que é essa expressão que a própria associação das palavras já aponta para o contraditório? Afinal, intimidade não está na capacidade de abrir mão da imagem vendida na sociedade e se despir diante do outro sem medo de revelar seus defeitos, contradições e anseios? Rob Books, biólogo e pesquisador sobre a Intimidade Artificial, da Universidade de New South Wales, Austrália, afirma que existe hoje um novo “ecossistema”, isto é, um novo mundo, criado pela tecnologia que “atende às necessidades humanas por contato social, amizade, intimidade, amor e sexo”. Rob considera que ter intimidade com alguém significa integrar a percepção que temos da pessoa em nosso próprio senso de identidade e, para ele, isso acontece quando ao interagirmos vamos revelando gradativamente nossa forma de pensar e nossas fragilidades.
O fato é que, ao aprender cada vez mais sobre a dinâmica do nosso mundo, a Intimidade Artificial vai refinando a “emulação” dos processos através dos quais criamos intimidade. Hoje uma pessoa entra em um chatbot que analisará o perfil do usuário (não somos pessoas, passamos a categoria de usuários), e responderá exatamente o que o sujeito gostaria de ouvir. A demanda por esse tipo de serviço vem aumentando significativamente porque as pessoas decidiram fazer uma seleção para as relações humanas, na qual se opta somente pela parte boa da convivência e se afasta de tudo que pode gerar atrito ou desconforto. O outro, o que pensa diferente, virou um “defeituoso” com o qual não se tem necessidade de conviver. Daí, ao primeiro sinal de qualquer dificuldade no real, as pessoas partem para o confortável mundo virtual, no qual é possível fugir de tudo que causa incômodo.
A dificuldade de relacionamento e de gerenciamento de conflitos no mundo real chegou a tal ponto, que hoje existem plataformas oferecendo companhia digital de acordo com o que a pessoa deseja. Nela é possivel escolher um avatar com características de personalidade e tipo físico idealizado e, assim, estabelecer um “relacionamento” através de mensagens escritas, audios ou vídeos. Como tudo é relativamente novo, ainda ficamos perplexos em algumas ocasiões diante da antropomorfização das relações. As pessoas vivem essa fantasia de se relacionar com “alguém”, porque perderam a capacidade de estabelecer laços sociais e afetivos, têm menos tempo e capacidade cognitiva nas relações no mundo real e estão mergulhadas na mais profunda solidão e desamparo. A atenção aos filhos, aos cônjuges, aos parentes e amigos agora é dividida com o incrível mundo digital. Não há mais tempo para atenção ao outro e ao mesmo tempo demandam desesperadamente por escuta e acolhimento.
Uma pesquisa realizada nos USA em 2019 apontou que 22% das pessoas nascidas entre o início de 1980 e meados de 1990, chamados “millenials”, não têm amigos, não obstante a enorme quantidade de seguidores nas redes sociais. Porém, a grande e devastadora surpresa foi o resultado da “Global Perceptions of the Impact of Covid-19”, realizada pela consultoria Ipsos, em 2021, ao apontar que um terço dos adultos no mundo se sentiam solitários. E a triste noticia, para nós brasileiros, que jogou por terra a falacia de povo alegre, é que o país do carnaval e do futebol lidera o ranking dos 28 países pesquisados. No Brasil, cinquenta por cento dos entrevistados afirmaram sentir solidão, dado que nos obriga encarar o problema como uma questão de saúde pública e nos conclama a discutir a qualidade das nossas relações.
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