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Levantamento inédito do Instituto Socioambiental e da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas revela 632 territórios quilombolas delimitados, ao invés dos 166 que constam da base de dados do Incra, uma diferença de 280%. O mapeamento identificou 2.494 quilombos, e só 2.179 constam no Censo de 2022 do IBGE.

Antonio Oviedo, pesquisador que coordenou o estudo pelo ISA, explica que a titulação é decisiva: a perda de cobertura florestal é 60% menor. Dados da rede MapBiomas mostram que os territórios quilombolas atuam como barreiras eficazes contra a degradação ambiental e o desmatamento. Nessas áreas, 3.391.339 hectares de vegetação nativa permanecem protegidos — o equivalente a 92,3% da área total mapeada. O mesmo vale para os corpos d’água: são 80.014 hectares protegidos, o que aumenta a taxa de proteção para 94,4% nos territórios quilombolas já mapeados.

Outro estudo recente da Conaq mostra que essas florestas altamente protegidas têm densidade de carbono 48,7% maior do que o entorno dos seus territórios. E quando titulados, o aumento da densidade de carbono é de 12,4%. “Nada menos que 64% da população que vive na Amazônia é negra”, afirma Denildo Rodrigues de Moraes, o Biko Rodrigues, coordenador executivo da Conaq.

Os estados com mais territórios quilombolas são Maranhão, com 405; Pará, com 103; e Amapá, com 31. No Maranhão, eles ocupam 16,4% da extensão do estado; no Pará, 39,8%; e no Amapá, 4,1%. Esses três estados também se destacam pelo número de quilombos identificados: 1.553 no Maranhão, 538 no Pará e 179 no Amapá.

O processo de titulação envolve várias etapas. A primeira é a certificação da Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura, que atesta a autoatribuição quilombola por parte das comunidades. É um documento administrativo, geralmente solicitado pela própria comunidade, que confirma a identidade dos territórios quilombolas e quilombos, após estudo da FCP que apresenta elementos culturais, históricos e sociais para comprovar que as famílias são remanescentes de grupos escravizados no Brasil.

Dentre os 632 territórios quilombolas, 344 são autodeclarados. Desses, 100 não têm certificação, e 244 são autodeclarados com certificação da FCP. Já entre os quilombos da Amazônia Legal: 49,1% – 1.224 de 1.270 – não têm a certificação, necessária para abrir o processo de titulação no Incra, que é o que garante o direito à terra, com estabelecimento dos limites territoriais. O órgão tem a responsabilidade de iniciar um Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, que inclui relatório antropológico, levantamento fundiário, delimitação da área e cadastro das famílias.

O RTID passa por no mínimo nove órgãos, como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Superintendência do Patrimônio da União (SPU), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a fim de evitar sobreposição da área com outro patrimônio, terra indígena ou unidade de conservação.

O Incra realiza a demarcação física e emite o documento final que determina que a terra não pode ser dividida, vendida, loteada, arrendada ou penhorada. O território quilombola está, então, titulado. É o equivalente à demarcação de uma terra indígena – agora, é uma área da União, mas com usufruto dos quilombolas.

Dos 632 territórios quilombolas já mapeados, apenas 160 (25%) foram titulados. O Amazonas e o Mato Grosso são os únicos estados da Amazônia Legal que não têm território titulado.

Dos 2.494 quilombos existentes, 52,3% estão localizados dentro de territórios quilombolas delimitados, seja por fontes oficiais ou por autodeclaração. Os outros 47,7% (1.190 quilombos) estão fora e não têm delimitação de seu território. Desses, 60,2% (717 quilombos) não dispõem da certificação da FCP.

A falta de reconhecimento formal tem impactos ambientais diretos. Territórios autodeclarados que ainda aguardam a certificação da FCP registraram taxa de perda florestal 400% maior que a dos territórios titulados, evidenciando a vulnerabilidade dessas áreas e a urgência da regularização.

O avanço da agropecuária é outro fator: houve aumento de 1.248% na área ocupada pela agropecuária em territórios autodeclarados sem certificação.

Diferentemente das terras indígenas, que têm prazo de até cinco anos para a conclusão da demarcação, a Constituição Federal não estabelece limite de tempo para a titulação dos territórios quilombolas.

Na última fase do processo, os técnicos precisam retirar pessoas que não sejam quilombolas das áreas, o que costuma gerar disputas judiciais.

Esses casos acontecem quando invasores que ocupam o local de forma irregular contestam a titulação. O governo precisa indenizar famílias quando há comprovação de aquisição legal dos terrenos.

O novo mapa deve ser apresentado durante a COP30, junto com o documento “NDC dos Quilombos do Brasil“.

Um dos objetivos é defender que a titulação de territórios quilombolas seja incluída na Contribuição Nacionalmente Determinada do Brasil — a meta oficial para reduzir as emissões de gases de efeito estufa — e também no Plano Clima Natural, como política de conservação da floresta.

A Conaq sugere 43 propostas que poderiam estar na NDC brasileira e no Plano Clima. Entre elas: acelerar o ordenamento territorial e fundiário; acelerar o processo de transição energética justa, com investimento em descarbonização da matriz energética e incentivos para o sistema agrícola quilombola e tradicional; elaborar e revisar planos de adaptação às mudanças climáticas.

A organização também reivindica espaços nos debates oficiais da COP e lembra que a Carta da Presidência Brasileira da COP30 não fala sobre racismo ambiental nem sobre a participação dos afrodescendentes nas discussões climáticas. Por isso, exige que, assim como a Constituição aplicou uma data-limite para a demarcação das terras indígenas, o Plano Clima estabeleça a titulação de todos os territórios delimitados no prazo de até cinco anos.

A Conaq explica que uma das principais apostas do Brasil para a conferência, o Fundo de Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), também não menciona diretamente os povos quilombolas. A proposta é de que 20% dos recursos sejam destinados diretamente aos povos indígenas. Na NDC, eles pedem a inclusão no texto e que o valor aumente em 40%.

O que os quilombolas propõem na COP30

– Inclusão da titulação dos territórios quilombolas na NDC do Brasil e no Plano Clima Nacional, como política de conservação da floresta.

 – Aceleração do ordenamento territorial e fundiário, garantindo segurança jurídica aos territórios quilombolas.

 – Promoção de transição energética justa, com investimentos na descarbonização da matriz energética e incentivos ao sistema agrícola quilombola e tradicional.

 – Elaboração e revisão dos planos de adaptação às mudanças climáticas, considerando as especificidades dos territórios quilombolas.

 – Participação dos quilombolas nos debates oficiais da COP, com  reconhecimento do racismo ambiental e da contribuição dos povos afrodescendentes nas discussões climáticas.

 – Estabelecimento de prazo máximo de cinco anos para a titulação de todos os territórios quilombolas já delimitados.

 – Inclusão explícita dos povos quilombolas no TFFF, com aumento de 20% para 40% no valor destinado originalmente apenas a povos tradicionais.

O objetivo inicial é dar visibilidade a territórios que ainda não estão mapeados e reconhecidos na base federal, contribuindo para que as políticas públicas alcancem comunidades que hoje não aparecem nos mapas do país.


Ilustrações: Utópika Estúdio

Fotografia: Bruno Kelly

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