Publicado em: 23 de junho de 2025
O que é o normal? É uma pergunta que faço todos os dias. Poderia o delírio ser uma imprescindibilidade da “normalidade”?
Quando não existiam medicamentos que pudessem ser usados por longos períodos, exigia-se escuta psiquiátrica mais acurada na tentativa de devolvê-los à vida cotidiana. Com o surgimento das medicalizações o sujeito passa a ser um percentual. Muitos falam como se a cura da loucura houvesse ocorrido, colocando a psicose como se fosse uma doença mental que pode ser resolvida com um medicamento. Isso vem criando uma realidade ainda mais triste, deixando o paciente sem um tratamento cuidadoso, digno e de longo prazo.
Nossa sociedade tem se ocupado cada vez menos das nuanças, das sutilezas e do valor da vida das pessoas. Não falta quem bata no peito e grite aos quatros cantos sobre respeito às diferenças. Entretanto, somos constantemente, e desde o nascimento, coagidos a pensar de forma unissona. E, invariavelmente, isso reverbera na saúde mental quando o paciente é tratado como se fosse um sujeito passivo, invés de mostrar que o tratamento demanda parceria entre psiquiatra, analista e paciente. O psicótico não é um objeto. É uma pessoa que precisa ser ouvida.
Convencionou-se chamar de loucura tudo que não se encaixa nas normas sociais. Quando alguém recebe um diagnóstico, por exemplo, de psicose, a primeira ideia que vem à mente do leigo é de doença mental. Na verdade, estamos falando de estrutura. À proposito, existe saúde mental? Quanto mais nos debruçamos sobre as singularidades do sujeito percebemos que, de muito perto, ninguém escapa. A diferença é que na maioria os sintomas e crenças delirantes são discretos e costumam passar despercebidos. Todos tivemos de “nos virar” fazendo arranjos para sobreviver às dolorosas experiências ao longo da vida.
O que é fazer arranjo? Na matemática é quando fazemos o ordenamento de elementos, com ou sem repetições. Na música, envolve a escolha de instrumentos, novas harmonias, adaptações a um novo estilo, a capacidade de explorar novos sons e interpretações. Enfim, é dar nova vida a uma música. Na psicanálise – como na música – arranjo é a capacidade do indivíduo transformar, elaborar suas dores e poder dar novo colorido e sentido à vida. Portanto, aquilo que é rotulado de doença mental são mecanismos de defesa. É o esforço para se organizar diante das dificuldades experimentadas. São arranjos que o sujeito conseguiu criar para barrar o Outro e não sucumbir. Portanto, rótulos servem apenas para alimentar essa falsa separação entre saúde e doença.
Muitos casos de psicose jamais chegarão aos consultórios. Estou falando de psicoses discretas, aquelas que se inserem perfeitamente na sociedade, com a qual o sujeito vai coexistir sem nenhum atropelo na vida social e profissional e que nunca se manisfestarão de forma exuberante ou culminarão em uma crise. Existem psicóticos típicos e que sequer conseguem perceber haver algo errado com eles. Psicose é estrutura psíquica. Paranoia, esquizofrenia, mania, melancolia são desencadeamentos dela.
É fundamental reconhecer as estruturas psíquicas para que possamos desmistificar a loucura, entendendo que as pessoas podem ser loucas, sem ficarem loucas. Talvez se entendêssemos qual o arranjo que evitou os sintomas mais devastadores desencadeados na psicose, conseguíssemos visualizar novas rotas para aqueles que foram tragados pela loucura.
O lugar da escuta é fundamental para que o psicótico organize todo o conteúdo que vem desse Outro de forma massiva. O espaço analítico permite ao indivíduo falar sem medo de ser julgado ou taxado como louco. O acolhimento da fala possibilita, através da transferência, sustentar sua existência e propiciar um convívio social no qual se sinta menos invadido.
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