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De acordo com o IBGE, o Brasil tem 5.568 municípios, mais o Distrito Federal e o Distrito Estadual de Fernando de Noronha. E, conforme o jornalista Fernando Canzian, da Folha de São Paulo, cerca de 70% deles dependem hoje em mais de 80% de verbas que vêm de fontes externas à sua arrecadação.

O índice de Autonomia que compõe o Índice de Gestão Fiscal elaborado pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) mostra que 35% dos municípios no Brasil não conseguem arrecadar o suficiente para cobrir as suas despesas. Por isso, conforme François Breameaker, do Observatório de Informações Municipais: “Entre as transferências dos Estados e do chamado Fundo de Participação do Municípios – FPN, chegam a corresponder a mais de 90% dos recursos que os municípios possuem”.

A situação se torna mais delicada quando observamos que a desoneração do governo federal, nos últimos anos, reduziu a arrecadação do Imposto Sobre a Renda e do IPI, de modo que os impactos econômicos provocados pela pandemia do novo coronavírus acabaram diminuindo a arrecadação dos municípios. Paradoxalmente a isso, várias prefeituras aumentaram os seus gastos.

Para Paulo Ziulkoski, atual presidente da Confederação Nacional dos Municípios – CNM: “O crescimento dos gastos e do funcionalismo são justificados pelo aumento das atribuições das prefeituras nas últimas décadas, período em que a Constituição de 1988, a União e o Congresso passaram aos prefeitos centenas delas, sobretudo na saúde e na educação.”

Por conseguinte, no tocante ao repasse dos estados aos municípios do valor arrecadado de ICMS, os critérios que são utilizados para definir o quanto cada um deverá receber estão a cargo das Assembleias Legislativas de cada unidade federada. Dessa forma, o art. 158 da Constituição Federal determina que, como regra geral, 25% da arrecadação total do ICMS promovida pelos estados seja destinada aos seus municípios, permanecendo 75% com o governo estadual.

Com isso, temos como principais fontes de arrecadação financeira por parte dos municípios o valor proporcionado pela receita oriunda de ICMS e o FPM – Fundo de Participação dos Municípios. Isso é muito preocupante, quando observamos a nova realidade socioeconômica no pós-pandemia.

Nesse sentido, sugerimos de forma bem sucinta algumas propostas para que os municípios possam aumentar a sua arrecadação, sem aumentar impostos, e tampouco ficarem esperando o repasse do FPM e de parte do ICMS. Senão, vejamos:

1ª Proposta – Revisão da legislação municipal: As revisões englobariam tanto as leis que se reportam às taxas (de licença; de iluminação pública; e de limpeza), quanto as leis que tratam sobre impostos (IPTU, ISSQN e ITBI). Por isso, seria importantíssimo a convocação da população à participação das decisões através da elaboração e da execução orçamentária, e a consequente divulgação dos recursos aplicados em obras e programas.

Nesse contexto, as prefeituras deveriam aumentar o prazo de parcelamento dos débitos dos contribuintes inscritos em dívida ativa, com a redução das respectivas multas.

As prefeituras deveriam, também, firmar parceria/convênio com tabelionatos de notas e de registros de imóveis para que repassassem informações pertinentes aos contratos de compra e venda de imóveis visando a ampliação da arrecadação do ITBI, assim como a criação de canais de ações governamentais, tal qual o do orçamento participativo, e a necessária reestruturação das bases de cálculo para cobranças de IPTU e de ISSQN, em consonância com a atual lei complementar federal n.º 175/2020.

E, nessa seara do ISSQN, poderia ser feito convênio com a Receita Federal, vide Solução de Consulta Interna (SCI) 02/2018. Assim, com o acesso às informações prestadas pelas operadoras de cartão de crédito sujeitas à cobrança do ISSQN, haveria aumento na arrecadação, e o Fisco municipal poderia fazer cruzamento com informações declaradas pelos contribuintes.

Em se tratando de IPTU, através de regulamentação normativa e prévia consulta perante o Tribunal de Contas do Estado (TCE) quanto à viabilidade, a Prefeitura poderia conceder créditos tributários a serem deduzidos no IPTU, visando incentivar os contribuintes a registrarem seus veículos no Município de domicílio ou residência.

2ª Proposta – Fazer convênio com a Receita Federal referente ao ITR – Imposto Territorial Rural: O art. 153, VI, da Constituição Federal, estabelece que é de competência da União instituir imposto sobre propriedade territorial rural. Entretanto, o ITR é um imposto extrafiscal, significando que o objetivo primordial – em vez de arrecadatório – é de combater o aumento de propriedades improdutivas, haja vista que a própria Constituição Federal em seu art. 184, almeja “desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social…”.

Por isso, apesar de ser um imposto federal, mediante convênio com a Receita, o Município poderia fiscalizar as propriedades rurais, arrecadar o ITR e ficar com a integralidade dos valores.

Além disso, poderia ser criada uma equipe de servidores para mapearem as áreas e os respectivos imóveis, com o intuito de fazerem a correção dos valores da terra nua tributável, conforme art. 30 do CTN – Código Tributário Nacional, e que serve de base de cálculo para o ITR, aumentando consideravelmente a arrecadação.

3ª Proposta – Monitoramento diligente do Índice de Participação dos Municípios: Seria formada uma equipe que ficaria com a incumbência de acompanhar as variáveis do IPM e o correto encaminhamento das declarações.

Nesse sentido, um bom acompanhamento das declarações para o IPM, bem como as movimentações dos sujeitos passivos (contribuintes e responsáveis legais) das obrigações tributárias iria detectar com facilidade os possíveis equívocos que poderiam reduzir as receitas ao município.

Posteriormente, a melhoria na política de incentivos fiscais faria com que as pessoas físicas e as empresas tivessem a ampliação de estímulo para realização dos pagamentos, pois teriam a redução de parcelas e a prefeitura destinaria uma parte maior da arrecadação para setores mais estratégicos, aumentando o crescimento da região.

4ª Proposta – Análise dos recolhimentos dos bancos e de instituições financeiras: Pela Declaração Eletrônica das Instituições Financeiras, o sistema seria disponibilizado pelo município para que as respectivas instituições ficassem obrigadas a utilizarem o plano de contas de apuração do ISSQN – Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza. Dessa forma, seriam identificadas as empresas que declaram mas não efetuam o recolhimento do DAS – Documento de Arrecadação do Simples Nacional, bem como aquelas que declararam, pagaram, mas acabaram recolhendo para município diferente, ou recolheram de forma errada.

5ª Proposta – Programa de execução fiscal e de recuperação de dívidas: Para casos bem específicos, uma força tarefa poderia aumentar consideravelmente as receitas com ações de execução fiscal em situações que envolvessem valores maiores, pertinente a empresas que já estão estabelecidas há tempos no município mas não contribuem com a prefeitura como deveriam.   

6ª Proposta – Criação de comitê de gestão de despesas: O comitê teria a participação de servidores de diversos setores, e apresentaria os limites de gastos orçamentários e financeiros. Tal grupo técnico iria proporcionar (a longo prazo) uma cultura interna de valorização do dinheiro público, bem como uma ampliação do controle das despesas.

7ª Proposta – Melhoria tecnológica / Investimento em software: visando evitar a falta de pagamento tributário, a prefeitura deveria investir em suporte de software especializado para a administração pública. Com tal software, os prefeitos teriam acesso mais simplificado a todas as informações relevantes que envolvessem a arrecadação tributária, controlando as entradas de receitas e melhorando os números identificadores de inadimplência, seja através dos sistemas eletrônicos de controle (ex: Nota Fiscal de Serviço eletrônica), o compartilhamento de informações fiscais com o Sistema Público de Escrituração Fiscal (Sped) e as ferramentas utilizadas para o Simples Nacional.

8ª Proposta – Melhorar a qualidade técnica dos servidores: É notório que a queda arrecadatória dos municípios impacta diretamente nos investimentos em todas as políticas públicas. Todavia, é extremamente importante que haja investimentos em capacitação de pessoal, seja através do aumento de cursos de qualificação ou de interação dos servidores públicos municipais com servidores de outros entes federativos. Assim, a partir do momento que a prefeitura passasse a ter servidores (e prestadores de serviços) que tivessem amplo conhecimento administrativo para saberem as melhores formas de recuperação de créditos e de aumento de receitas, com certeza haveria melhor apoio técnico à administração municipal para o desenvolvimento de ações em favor da população.

9ª Proposta – Investimento em educação fiscal: Ações que aproximem os poderes executivo e legislativo da população com informações acerca dos mecanismos de cobrança dos tributos e as destinações dadas de forma transparente e acessível à população.

O incentivo ao acompanhamento da aplicação dos recursos e de divulgação das obras realizadas com os recursos arrecadados, seja através de notícias no site da Prefeitura; nas páginas das redes sociais; em portais especializados; em jornais, TV e demais formas de publicação.

Em vista disso, a institucionalização da educação fiscal seria processo a longo prazo e basilar no desenvolvimento fiscal do município, desde a sensibilização da sociedade com o processo transparente de arrecadação tributária, passando pelo acompanhamento da população na utilização de recursos públicos, até a ampliação da aplicabilidade social da carga tributária, impactando diretamente os indicadores socioeconômicos dos municípios.

Por fim, é importante lembrarmos que a Emenda Constitucional 108/2020 diminuiu de 75% para 65% o VAF – Valor Adicional Fiscal (índice formado pelas informações dos contribuintes, relativos aos seus movimentos econômicos, que servem de parâmetro para repasses constitucionais sobre os valores das receitas de impostos recolhidos pela União e pelos Estados). Agora 65% ficam na responsabilidade do VAF, e os outros 35% poderiam ficar atrelados, inicialmente, a critérios que considerassem progressos voltados à educação e à saúde (caráter social) e ao meio ambiente (caráter ecológico). Dessa forma, seriam criados índices municipais de qualidade de educação, de saúde e de meio ambiente, incentivando o gestor municipal a desenvolver políticas públicas voltadas para áreas sensíveis nessa nova realidade de retomada do crescimento com o final da pandemia.

André Luiz Amaral da Silva
André Luiz Amaral da Silva é Doutor e Mestre em Direito Público, professor universitário, assessor técnico jurídico da Presidência da Alepa e advogado atuante nas áreas tributária e administrativa. Tel. Celular: 91-980323911 E-mail: adv.amaralsilva@gmail.com

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