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“Nasci vendo lendas…” (Dalcidio Jurandir)

Nasci vendo lendas e milagres

Entre feitiçarias e batuque

Nascido em meio dum mocambo e de uma taba

Olhando o vulto branco do conquistador.

Nasci no vilarejo solitário

Onde fazem o açaí, vinho encantado

Que só vale beber nas cuias sagradas.

Na terra onde nasceu minha mãe

Fazem cantando e amando ao sol e ao luar

com que os caboclos bebem o açaí.

Trouxe a energia pagã dos bacurizeiros

O sabor musical das marés arquejantes

O espanto do luar que ouviu as cobras grandes

O feitiço da água verde onde dançam os botos

E o milagre triunfal

De todas as vozes virgens da terra.

De toda a virgindade indômita da raça

Na inocência do meu canto animador!

Minha voz que é chula e inúbia

que é maracá, tambor, estridos de tacapes

silvos de flechas, violas e batuque

Voz de velas ao vento e de búzios na mata

Voz que arfou no meu sangue

E estalou em meu verso

que se ergue ao sonho novo do universo

E é como canto de meu Descobridor (Dalcidio Jurandir, livro Poemas Impetuosos).

Agradeço a possibilidade de interlocução que me possibilita a APL, para estar aqui hoje; grato estou ao ilustre presidente da APL, em exercício, dr. Leonam Cruz, agradeço também Franssinete Florenzano que foi a porta-voz deste convite feito a mim. É sempre uma felicidade falar ao lado da minha confreira e reitora da Unama, doutora Betânia Fidalgo Arroyo.

Celebrar este 16 de junho, dia de Alfredo, é somar a todos os que lutaram e lutam em prol da literatura da Amazônia. Especialmente hoje, destaco José Varella e Moacyr Pereira, este que foi o autor do projeto que reconheceu para a municipalidade de Belém o dia de Alfredo, ato promulgado pelo então prefeito e confrade Zenaldo Coutinho Júnior. Quero, desta feita, agradecer esta audiência tão especial, de confreiras e confrades da APL e do IHGP, meu Silogeu, minha casa, a quem agradeço a fraternidade, na pessoa da professora Anaíza Vergolino, respeitável intelectual. Ressalto minha gratidão a meus colegas do PPGCLC Unama, na pessoa de meu estimado coordenador, prof. Dr. Thiago Barros e de meus colegas do curso de Letras e do PPGED da UEPA, na pessoa do professor Dr. José Anchieta.

Iniciei esta fala com um poema de juventude de DJ; naturalmente lírico ele se expressa em primeira pessoa; esta “pessoalidade”, desvenda parte do perfil autobiográfico de parte expressiva da obra dalcidiana, afinal Dalcidio Jurandir é reconhecido como um grande escritor brasileiro, o “romancista da Amazônia”, segundo apontam Benedito Nunes, Ruy Pereira Pinto e Soraia Reolon, em biografia lançada pela SECULT-PA/FCRB, no início dos anos 2000.

Como sabem os senhores e senhoras, Alfredo é o alter ego, a máscara ficcional do própria Dalcidio, daí porque se fala dos romances do Ciclo do Extremo Norte, como um ‘roman-fleuve’, romance rio, o que converge para minha interpretação de seu ‘romance marajoara’, que segundo Paulo Maués Corrêa se transformou numa “chave de leitura”, a qual denominei de AQUONARRATIVA; pode-se classificar, caso consideremos 9 dos 10 romances amazônicos, escritos por Dalcidio, de um “romance de formação de Alfredo”.

Quero, entretanto, aproveitar esta oportunidade para desfolhar, diante deste auditório, um Dalcidio diverso daquele de que costumo tratar em minhas falas. Assim é que tratarei de quatro itens instigantes da produção de Dalcidio Jurandir, a saber. 1) O Dalcidio negritudinista. 2) O Dalcidio como construtor de uma Pedagogia das ruas, apreendida e reelaborada, a partir da participação do autor na Academia dos Novos (depois Academia do Peixe Frito) e no Partido Comunista. 3) O Dalcidio que assume a criação das “criaturas dos pés no chão”, as gentes humildes da Amazônia e do Brasil; e, finalmente, 4) o Dalcidio ausente-presente no cotidiano da APL, que aqui se presentifica graças a Bruno de Menezes, seu interlocutor e amigo e graças também à Maria de Belém, “sobrinha” e correspondente contumaz, conforme atestam as cartas trocadas entre ela e o Dalcidio, após a morte de Bruno.

Tentarei interferir o mínimo possível nesta trilha, e regerei esta sinfonia em que os textos de Dalcidio devem falar por si mesmos. Vamos lá:

  1. Poucos exploram a face de Dalcidio como valorizador das diásporas africanas, conceito pensado por Stuart Hall; mas o núcleo negro de Belém do Grão-Pará fixa um Alfredo que precisa migrar de Cachoeira á cidade de Belém, oportunidade única para o rapaz valorizar sua ancestralidade preta, e desta feita superar a vergonha que ele tinha em ter uma mãe negra e um pai, Major Alberto, branco e pessoa influente, que toma sAmélia como companheira; ao migrar para Belém com intuito de estudar, um plano bem traçado por dona Amélia, sua mãe, Alfredo conhece os parentes da casa da Rui Barbosa. Ali se destaca mãe Ciana, venderora de cheiro do Pará, tacacazeira, negra que se orgulha de sua negritude. Ciana usa de suas sabenças e preocupa-se em orientar Alfredo, fazendo-o valorizar sua mãe, “uma preta asseada e honesta” de quem, segundo pensa mãe Ciana, o rapaz deve se orgulhar. Este convívio com Ciana provoca um ponto de virada na autoestima do rapazinho, e essa mudança acontece por vias da etnicidade, visto que Alfredo, desde então, jamais deixará de considerar, com o devido respeito, os seus parentes negros. Dalcidio, o arquiteto da obra intelectual, tinha consciência de que o problema étnico-racial brasileiro, o racismo estrutural de nosso país, era decorrente das injustiças sociais e dos conflitos de classe. Selecionei um trecho que deixa isto evidente:

“Mãe Ciana cismando tinha de abanar a cabeça (…) aprovava logo num espanto (…) mas imaginação e memória se cobrindo logo de negros do velho engenho de Santana, pretos nos tijolos e na argamassa,  negralhada bonita,  com o seu piche no sol, as construções levantando, vissem aquele engenho do Itacuã…  Mãe Ciana via. Nossa Senhor do Rosário haver de ter isso em conta.

(…) Mãe Ciana dobra os joelhos; valei-me. Que minha morte seja no perdão de sua bênção (…) Mas valei-me Nossa Senhora aquele menino que a minha sobrinha Amélia trouxe pra este mundo, valei ele. Ele a quem dou uma bênção de avó, dos protetores de terreiro e altar, pois Alfredo é mesmo que um neto meu. (…)

Mãe Ciana (…) desejou a companhia de Alfredo.

Menino com ela muito atencioso, de dar gosto, conhecia sua origem, não desdenhava dela, podendo conversar numa sala de brancos, responder aos doutores. Ele não tirava a sua curiosidade de cima do cheiro [do Pará], perguntando com o olhar e os dedos, sem sossego…” (p. 322).

Abordaremos agora o Dalcidio como construtor de uma “Pedagogia das ruas”. O oficio do jornalista, sem dúvida, ajuda a apurar o olhar de Dalcidio para a diversidade e as demais possibilidades presentes nas ruas da capital; sim, Dalcidio aprimorou seu olhar e ensinou seus narradores e personagens a fazê-lo. O próprio Modernismo primou em perceber, sobretudo os sujeitos das periferias, antes esquecidos da escrita literária, e protagonizá-los na escrita do romance. Isto tudo aumentou em convicção quando, jovem, recém chegado a Belém, Dalcidio foi apresentado, na casa do professor Berilo, bairro do Telégrafo, a uma das tertúlias da APF, conforme relatado por De Campos Ribeiro no livro “Gostosa Belém de Outrora”. Bruno, De Campos, Jacques Flores, Paulo Oliveira, Tó Teixeira e outros, ensinaram ao rapaz marajoara o gosto pelas ruas, o observar do movimento ante as palafitas e estivas da cidade da cidade das margens. Senão vejamos:

[…] Deu um giro pelo Igarapé das almas, meu Deus com nariz neste aningal encharcado, estas casas cabeceiam, maré espirra por baixo dos soalhos. Aqui, no Ipiranga das Almas, contam tinha, ou tem, uma corrente, moradia de caboclo, um caruana debaixo, bem debaixo desta ponte. A ponte era se pôr em pé logo arriava, os engenheiros não atinando. Veio um de sessão e vidência, um maioral lá da Pedreira, que invoca o índio da pena real, pena verde da arara real, e pede uma audiência às autoridades… (JURANDIR, 2017, p.187)

Ou ainda:

O Igarapé se mete barriga a dentro da cidade, voltando escuro-escuro, podre. Da ponte se vê a torre da Basílica, o casario se aconchegando no arvoredo e ali perto, como meninos abelhudando os telhados, os açaizeiros de quintal. Este igarapé e das armas ou das almas? Das Armas dizem os doutores.

Das Almas, diz Mãe Ciana, confirma a parteira. (Jurandir, 2017, p.188) .

E prossegue o narrador:

Do Igarapé das Almas, a pé, até a ponte do Galo, esta noite, quantos passos? Passos, não. Mas sentimentos, quantos? Quanto Alfredo nascendo e morrendo em mim, sem que aceite e escolha um, que o outro em mim pressinto ou me atribuo e não é, anda aonde? (JURANDIR, 2017, p. 188).

E finalmente, para explicitar o flanerismo de Alfredo, na consonância do que afirma Thiago Willis de Souza Coelho, em trabalho defendido no curso de Letras da Unama:

Banheiro ao ar livre, com o vento pelas mangueiras da vizinhança, este e aquelezinho pelos ganhos a apanhar manga, escondidito a apreciar, ao apito da Usina, o banho-de-choque da sultana, A alta, alva de espuma, esquecia-se um bom tempo a assustar os pombos do seu vizinho, aquele seu Trindade, terceiro oficial das Terras e Obras Públicas e proprietário da pastorinha “Filhas de Jerusalém” em que a silha, proibida de cumprimentar a moura, fazia a Samaritana. Será que tem subterrâneo entre a taberna e o ponto, seja Reduto, Romariz ou Curro Velho, onde desembarca a carga clandestina? E que caminhos entre a corte de justiça e o mirante da D. Brasiliana? (JURANDIR, 2017, p. 157)

O terceiro item a abordar neste roteiro trata do Dalcidio que enfatiza a ‘criaturadas dos pés no chão’, as gentes humildes da Amazônia e do Brasil. Dalcidio faz literatura com consciência de classe, embora assuma que não gosta de fazer de sua arte um panfleto de defesa ideológica político-partidária, coisa que ele já experimentara em “Linha do Parque” e não queria repetir; “Linha…” é romance proletário por excelência, na interpretação de Homero Homem. De todo modo, Dalcidio certa vez, para não pairarem dúvidas, disse: meu romance toma partido; o partido dos mais humildes. Sempre aprendi com as gentes dos barrancos, das palafitas, com as namoradinhas brabinhas de estiva e com as trabalhadoras das fábricas de castanha. Daí porque a seguir, temos, no trecho selecionado, a síntese do conflito de classe no Brasil, fruto das heranças coloniais e escravagistas, E o cenário em que  se desenvolve a ção não poderia ser mais significativo, o Ver-O-Peso, entrelugar magico-realista da floresta com a cidade, às margens da baía do Guajará:

“[Alfredo] circulou o olhar pela pracinha, passou à porta dos sobrados de fundo escuro, meio úmidos e mofentos, com cheiros remotos de prosperidade e vinagre recente., os caixeiros, em mangas de camisa, inertes, pareciam encadeados pelo sol que ardia nos paralelepípedos. E foi até a grade do Necrotério. Recuou para olhar a mulher de chapéu, ali de repente, falando alto, defronte das canoas atracadas:

– O nome da canoa é “Deus te guarde”, do Moju. Venho ver uma encomenda. É “Deus te guarde”.

E da segunda adiante o mesmo chamado avançou para a terceira e desta para a quarta, espalhando-se entre as canoas vizinhas:

– O da “Deus te guarde”!

O apelo foi morrer numa traqueteira lá no meio, entalada entre vigilengas e barcos da Contra Costa. Um homem, chapéu de palhinha, descalço, veio saltando rapidamente de lá com um baliza à frente dum cordão de São João e desceu na calçada ao pé da senhora. O chapéu de plumas cobria a mulher de uma sombra violeta, o que intimidava o tripulante, de palhinha já na mão, roçando o peito da camisa de meia. Ela abanava-se com o leque brilhante e imperioso que mantinha não só o homem à distância como os demais que a contemplavam de cima dos toldos.

Alfredo supôs, ao primeiro instante, que fosse a d. Emília, viesse recebê-los e a sua perturbação aumentou ante o risco de que poderia seguir com senhora naquele trajar e com semelhante chapéu. Para disfarçar a perturbação, foi se rindo daquela ornamentação de sedas, rendas, colares, pulseiras, leque, plumas os laçarotes no peito, o brilho das meias subindo dos sapatos de salto altíssimo. Aproximando-se dela, viu que o rosto lembrava, pelo pó e pintura, a avó de Edmundo Menezes na caleche.

O tripulante voltou à “Deus te guarde”, num átimo trouxe a encomenda da senhora: uma menina de nove anos, amarela, descalça, a cabeça rapada, o dedo na boca, metida num camisão de alfacinha. A senhora recuou um pouco, o leque aos lábios, examinando-a:

– Mas isto?

E olhava para a menina e para o canoeiro, o leque impaciente:

– Mas eu lhe disse que arranjasse uma maiorzinha pra serviços pesados. Isto aí…

O canoeiro respondia baixo, se enchendo de respeitosas explicações, fazendo valer a mercadoria. A menina, de vez em vez, fitava a senhora com estupor e abandono. E deu com Alfredo que a contemplava. Olhou para ele com o mesmo estupor mas tão demoradamente, como uma cega, que o menino virou o rosto. Andreza teria igual sorte? Para Andreza a cidade seria isso também?

– Bem. Vamos ver. O compadre me leva ela. Não posso levar comigo como está. E como é o teu nome? O teu nome, sim. É muda? É surdo-muda? Não te batizaram? És pagoa? Eh parece malcriada, parece que precisa de uma correção. Fala, tapuru, bicho do mato. Ai, esta consumição…

O compadre disse o nome dela. A caboclinha esfregou os dedos cheios de saliva no rosto amarelinho. A senhora, sem despedir-se, fechou o leque, que mantinha à distância os barcos, a intimidade, os fedores do Ver-O-Peso. Foi caminhando, atravessou a praça. Alfredo comparou-a a um dos carros de carnaval vistos numa revista antiga. A caboclinha se deixava arrastar pela mão do canoeiro através daquele labirinto, de volta a “Deus te guarde”.

Seguindo a senhora, até que ela desapareceu por entre as mangueiras do ainda misterioso Largo de Palácio. Alfredo cochichou:

– Fosse Andreza?… Andreza lhe arrancava o chapéu

……………………………………………………………………………….(Belém do Grão-Pará, 1960).

Finalmente cabe-me dizer do Dalcidio que está ausente-presente no cotidiano da APL. Ausência assumida provavelmente por uma indiferença com o academicismo; no entanto, por via do amigo Bruno de Menezes (ex-presidente da APL,  líder do nosso Modernismo), interlocutor e uma de suas referências intelectuais de Dalcidio e de Maria de Belém, filha do autor de Batuque, vemos Dalcidio de algum modo circulando como fantasmagoria no ambiente deste Silogeu. Vale lembrar que dois dos estudos mais instigantes sobre a geração de intelectuais modernistas de Belém, foram produzidos por Salomão Laredo e Alonso Rocha.

Quero afirmar que iniciei minha inserção na APL, ainda como estudante de Letras da UFPA; minha incursão nas sessões desta Academia se deu a convite de Maria de Belém Menezes, entusiasta e defensora incondicional da APL; na esteira do culto à memória de seu pai e dos demais acadêmicos aqui imortalizados, Maria de Belém foi uma das mais eficientes Relações Públicas desta casa fundada pelo Barão do Guajará. Recordo que , anos atrás, quando a presidência desta casa era ocupada pelo professor Edson de Souza Franco, eu proferi a palestra “Dalcidio Jurandir e a representação da Amazônia no romance brasileiro”. Dalcidio, salvo engano, foi celebrado também como um dos autores presentes na Antologia de autores paraenses, organizada pelos acadêmicos Acyr Castro, Clóvis Meira e José Ildone.

Numa fala, entrevista, creio, Dalcidio comentara sobre “um certo acadêmico da Academia de Letras do Pará, que desdenhou de mim…”, Dalcidio, no entanto, disse que esse juízo de valor não fazia diferença em relação ao projeto literário que ele tinha traçado e pretendia desenvolver até o fim de sua vida. E completou o autor de “Três Casas e um Rio”: “Sempre fiz questão de não arredar pé de minha origem e por isso, ou melhor, para enterrar o pé mais fundo, pude encontrar uma filiação ideológica que me dá razão. Os temas dos meus romances vêm do meio daquela quantidade de gente das canoas, dos vaqueiros, dos colhedores de açaí.  Uma das coisas que eu considero válidas na minha obra é a caracterização cultural da região. Acumulei experiências, pesquisei a linguagem, o falar paraense, marajoara, imaginação, indagações…”. Nosso autor sugere, portanto, que sua ação intelectual deveria estar na proporção do reconhecimento das gentes humildes da Amazônia.

Maria de Belém conhece parte de tudo isto em cartas recebidas do Rio de Janeiro, enviadas por Dalcidio, e que Josebel Akel Fares e eu organizamos, junto com valorosa equipe de pesquisadoras, em dois volumes das “Epístolas Poéticas, I e II, editadas, com o patrocínio do confrade Edmilson Rodrigues, pela Paka-Tatu e Fórum Landi. Numa oportunidade em que Belém Menezes deixou de enviar notícias para sua morada em Laranjeiras, Dalcidio reclamou, no poemeto:

“Maria de Belém”

Maria de Belém, Maria de Belém,

Não ouço a tua voz de Belém

me falando do Pará

Nem teu passo no largo da Sé

Que aconteceu que comeste abio?

Sem uma linha para este velho

magro, bloqueado pelo mal sem cura

já nem andar posso

as pernas doem e tremem

Que silêncio é esse na João Diogo?

A amiga Maria de Belém Menezes, fiel missivista, certamente fazia, a Academia Paraense de Letras estar mais próxima de Dalcidio. Se Dalcidio não adentrou à Academia do Pará, ele, de certo modo, teve acesso a ela através de sua ‘congênere mater’”, a Academia Brasileira de Letras, a qual concedeu, premiação máxima, a Dalcidio o prêmio Machado de Assis, pelo conjunto da obra, prêmio que foi entregue por Jorge Amado ao escritor marajoara, em cerimônia concorrida, embora tensa porque viviamos a ditadura militar e Dalcidio se recusou a receber o prêmio pessoalmente se ali estivesse algum representante do regime autocrático.

Por tudo o que disse e pelo que eu deixei de dizer, reitero aqui a defesa da obra de Dalcidio Jurandir; e folgo em saber que a Impresa Oficial do Estado/Editora Pública que leva o nome de nosso homenageado, está reeditando, para lançamento na próxima Feira do Livro e das Multivozes “Chove…” e  “Marajó”. É a notícia que recebo de Jorge Panzera, diretor da IOEPa, única autoridade do atual governo que esta preocupa em desenvolver um política de divulgação sistemática de nossos autores.

Encerro minha fala com um trecho do poema de Drummond em homenagem a DJ:

I

Chove nos campos de Cachoeira e Dalcídio Jurandir já morreu.

Chove sobre a campa de Dalcídio Jurandir e sobre qualquer outra campa, indiferentemente.

A chuva não é um epílogo,

tampouco significa sentença ou esquecimento.

Falei em Dalcídio Jurandir

como poderia falar em Rui Barbosa ou no preto Benvindo da minha terra ou em Atahualpa.

Sobre todos os mortos cai a chuva com esse jeito cinzento de cair. Confesso que a chuva me dói: ferida, lei injusta que me atinge a liberdade.

Chover a semana inteira é nunca ter havido sol nem azul nem carmesim nem esperança.

É eu não ter nascido e sentir que tudo foi roto para nunca mais.

Nos campos de Cachoeira-vida chove irremissivelmente.

Carlos Drummond de Andrade (excerto de “Canções de alinhavo”, livro Corpo – 2ª edição – Editora Record, 1984).

É isto, viva o 16 de junho, dia de Alfredo, porque ao celebrar Alfredo estamos celebrando uma das maiores autoridades da literatura narrativa do Brasil.

Paulo Nunes
Paulo Nunes é mestre e doutor em Letras, professor titular da Unama e da Uepa. Pesquisa Modernismo na Literatura, Academia do Peixe Frito, Dalcídio Jurandir, literaturas das Amazônias, e literatura à margem do cânone literário brasileiro. Consultor do acervo do escritor Dalcídio Jurandir, abrigado no Centro de Memória da Amazônia (UFPA). Participa dos grupo de estudos Narramazônia: narrativas contemporâneas da Amazônia paraense (parceria UFPA, Unama) e do projeto de pesquisas Academia do Peixe Frito (parceria interinstitucional Unama, UFPA e Uepa), e é titular da cadeira n° 37 do Instituto Histórico e Geográfico do Pará.

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