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Reportagem especial de Aline Brelaz para o portal Uruá-Tapera

Um dos maiores problemas causados pela monocultura do arroz da família Quartiero, em Cachoeira do Arari, no arquipélago do Marajó (PA), é a captação irregular da água do rio Arari. Somente na fazenda, na área do Teso – lago que era berçário de espécies de peixes e tartarugas e foi aterrado e deu lugar a mais plantio de arroz -, existem oito bombas sugando milhões de litros de água diariamente e jogando para os canais de irrigação do arrozal.

Técnicos do Ibama e da Semas vistoriaram o local e constataram a ilegalidade. Há mais de 5 quilômetros de canais de irrigação do plantio de arroz.

Pescadores e várias pessoas denunciaram que existem inúmeras bombas no curso do rio Arari sugando a água, causando desvios do leito, prejudicando a atividade de navegação de pequenas embarcações que transportam moradores entre os municípios vizinhos e, o pior, afetando a pesca de subsistência da região.

O Fórum Paraense de Combate ao uso indiscriminado e impactos dos agrotóxicos divulgou a Carta de Cachoeira do Arari, apontando onze ações que deverão ser implantadas para conter o avanço da degradação ambiental em curso no município , extremamente impactado pela monocultura, que se estende por mais de 13 mil hectares de arrozais da família Quartiero, instalados na área rural e que já avança sobre a cidade, mesmo que o território seja questionado na justiça pelo Ministério Público, sob a alegação de que se trata de terras públicas da União. Já foi constatado que o empreendimento está com licença vencida desde 2015; que nunca foi realizado o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) exigido pela legislação e que a outorga para uso da água do rio Arari na plantação é inexistente.

Durante a segunda-feira, 30 e terça, 31, os integrantes do Fórum se reuniram no salão paroquial da Igreja Nossa Senhora da Conceição com integrantes do Ministério Público Estadual, Ouvidoria Externa da Defensoria Pública do Pará, Instituto Dom Azcona de Direitos Humanos, do Ministério da Agricultura (MAPA), Ibama, Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), Secretaria de Meio Ambiente de Cachoeira do Arari, Agência de Defesa Agropecuária do Pará (Adepará) e Vigilância em Saúde da Secretaria Estadual de Saúde (Sespa), que realizaram palestras para a comunidade local, lideranças urbanas, das comunidades ribeirinhas, extrativistas, pescadores e quilombolas, sobre os impactos do agrotóxico para a saúde humana e a importância da notificação de intoxicações; fiscalizações do uso do agrotóxico em comunidades rurais; o papel do MAPA na aviação agrícola e sobre a pulverização de agrotóxicos e o perigo pras cmunidades do entorno dos plantios.

A reunião resultou da visita da Ouvidoria Externa da Defensoria Pública do Pará, juntamente com o Instituto Dom Azcona de Direitos Humanos, em agosto deste ano de 2023, após cerca de 600 pessoas terem ocupado uma área na frente da cidade e vizinha do arrozal, reivindicando moradia, já que a monocultura avança sobre a área urbana, confinando as famílias entre a plantação e o rio, impedindo que surjam novos bairros. A área é pública, mas a família Quartiero também tenta se apossar deste espaço. Os moradores denunciaram à época toda a degradação promovida pelo agrotóxico, que afeta todo o meio ambiente local e a saúde da população.

População denuncia o impacto socioambiental

Vários líderes da comunidade de Cachoeira do Arari e municípios localizados às margens do rio Arari, como Ponta de Pedras e Santa Cruz do Arari, fizeram denúncias sobre as consequências do desvio do curso do rio para irrigar os arrozais, que estão secando grande parte do leito do Arari, dificultando a navegação e a pesca artesanal, que alimenta toda a população da região; além de inúmeras denúncias de contaminação, e devastação da floresta, entre outros absurdos.

A cordenadora do Fórum Paraense de Combate ao Uso Indiscriminado e Impactos dos Agrotóxicos, promotora Ângela Maria Balieiro, entregou à presidente da Câmara Municipal, vereadora Neta Brown, a Carta de Cachoeira do Arari. “O município pode legislar e criar barreiras para minimizar o efeito do agrotóxico”, sugeriu a promotora.

A presidente da Câmara assumiu publicamente a missão de criar lei para proibir o uso de pulverização áerea de agrotóxico no município de Cachoeira de Arari.
A carta contém 11 itens e o décimo afirma: “Urge que o Legislativo municipal desta cidade busque implementar medidas legislativas sobre o tema debatido.

O documento ressalta que o Brasil, em razão da visibilidade da COP-30, que será realizada em 2025, em Belém, está diante de uma grande oportunidade deassumir o protagonismo na pauta prioritária e emergencial – sustentabilidade. Também profere que é direito fundamental de todos o acesso a meio ambiente ecologicamente equilibrado e que seja um bem comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, e que cabe aopoder público e à coletividade defendê-lo e preservá-lo.

Também alerta que a degradação do meio ambiente enseja responsabilização nas esferas civil, administrativa e criminal do causador, conforme determina a legislação.

“Precisamos dos dados e botar o sistema pra funcionar. A Prefeitura Municipal também tem sua parcela de responsabilidade”, afirmou a promotora Ângela Balieiro. Ela informou que a Carta também será entregue ao prefeito municipal, Antônio Augusto Figueiredo (Bambueta) e ao governador Helder Barbalho.

O Fórum ressalta que Cachoeira do Arari fica dentro de Área de Preservação Ambiental (APA do Marajó), que é uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável, criada em 1989 pela Consttuição Estadual (artigo 13, parágrafo 2º).

As espécies de peixes locais e de camarão estão desaparecendo e até sofrendo mutações. A denúncia também foi incluída na Carta de Cachoeira do Arari, assim o fato de que o açaí da região também já sofre alteração.

Medidas judiciais

O promotor auxiliar da coordenação do Fórum Paraense de Combate ao uso indiscriminado e impactos dos agrotóxicos, Nadilson Portilho, explica que o documento formalizado no evento é uma carta de intenções, e servirá para realização conjunta dos órgãos.

Uma delas deverá ser uma denúncia criminal contra o desvio do curso do rio arari; contra o uso indiscriminado do agrotóxico; exigir a licença ambiental que desde 2015 está vencida, entre outros itens. “O Fórum está aqui para assegurar que os direitos da população sejam respeitados”, afirma o promotor.

“O povo de Cachoeira do Arari quer respostas do poder público. A população quer viver com saúde dentro do seu território. Os campos de Cachoeira foram quase completamente destruídos. As pessoas deste lugar vivem dos rios, dos campos e esses locais têm que ser preservados e não destruídos”, advertiu a ouvidora externa da DPE, Norma Miranda.

Ela lembrou aos presentes que o Estado do Ceará já legislou contra os agrotóxicos e proibiu a pulverização aérea nas plantações agrícolas.

A ouvidora e a promotora agrária Ione Nakamura também se reuniram com as lideranças das famílias que ocupam a área desde agosto, e informaram sobre a situação judicial da área.

Impactos na saúde, economia e na vida das pessoas

Coordenadora de Vigilância em Saúde da Sespa, Roberta Souza informou que o maior impacto do agrotóxico é na saúde da população. Mas que, para a saúde pública agir, é preciso que as pessoas afetadas procurem a unidade de saúde e que a saúde pública municipal realize as notificações dos casos. “Até o momento não há nenhuma notificação no município. O que deve ocorrer em Cachoeira do Arari é a subnotificação e o município precisa fazer uma busca ativa nos locais afetados”, alertou a coordenadora.

“Agrotóxico é um problema de saúde pública e uma ameaça silenciosa, que poderá se manifestar mais adiante. Em todo o país há mais de 1,2 mihões de casos notificados até 2015, mas a subnotificação é muito expressiva”, explicou a técnica.

Pedro Ribeiro, líder da comunidade ribeirinha do Aranaí, informou na reunião que a degradação causada pelos arrozais é constatada em Cachoeira do Arari especialmente na pesca, que teve seus berçários destruídos para dar lugar aos arrozais. “O avião voa por cima da cidade jogando veneno. Cai milhões de litros de agrotóxicos no rio, nas casas. É uma destruição humana e do meio ambiente”, denunciou.

Professora aposentada, Carime Silva denunciou: “Hoje estamos pagando um preço muito alto por esse empreendimento aqui em Cachoeira. Imaginem que tivemos a Feira do Produtor Rural e este ano foi a primeira vez que não havia camarão”. Ela também garantiu que a vegetação da área urbana já sofre os efeitos do veneno jogado na plantação. “Estamos esperando esse fórum há muito tempo pra denunciar. Nossas árvores já estão sofrendo mutações”, contou.

Monitoramento

O engenheiro ambiental da Secretaria de Meio Ambiente de Ponta de Pedras, Ivan Cardoso, propôs que os órgãos de fiscalização ambiental, estadual e federal criem um sistema de monitoramento das águas, do ar em Cachoeira do Arari e nos arredores, como forma de controle. “É preciso saber a dimensão desse impacto com urgência. O rio arari é muito importante pra região, pois ele alimenta outros rios”, informou.

Os técnicos do Ibama adiantaram que vão propor ao Ministério do Meio Ambiente incluir o arquipélago do Marajó na área de fiscalização federal obrigatória.

Os órgãos públicos de saúde, agricultura, fiscalização ambiental e de trabalho atuarão em conjunto com o Ministério Público para propor ações judiciais para conter o avanço desenfreado da degração socioambiental em Cachoeira do Arari.

Um procedimento investigativo já foi instaurado pelo promotor do município, Marcelo Gonçalves, que baseará a ação conjunta do Ministério Público.

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