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Faz algum tempo que estamos nos debatendo sobre o quão elástica tornou-se a categoria intelectual, bem como os exercícios de diálogo que se tem tratado em volta de outra categoria de grande relevância sobre a postura diagonal do chamado “lugar de fala” em relação à categoria do intelectual. O propósito de estabelecermos efetivas colaborações não pode desconsiderar a emergência de outras formas de intervir e interpretar, todavia elas não são por si mesmas referências para suplantar as interpretações vigentes, embora tenham um condão de alterar, às vezes, marginalmente, e outras vezes, profundamente, aquilo que se tinha por certo e inabalável. Em um mundo tão polêmico, a busca por polêmica ultrapassa qualquer possibilidade de racionalidade como testemunhamos a pseudo ciência zombar dos riscos do clima afetando a possibilidade de nossa existência. Mesmo questões aparentemente prosaicas ganham relevo no esforço de desacreditar o método científico legitimado tantas vezes. À guisa do espírito de polêmica, observo como a denominação para a cidade de Belém está mobilizando campos de significações para a nomenclatura no momento anterior a fundação da povoação colonial portuguesa na Foz do Amazonas. Mairi, suposta identificação Tupinambá tem servido de referência para ratificar a ancestralidade indígena para esse lugar, em contraposição ao domínio colonial. A apresentação dos argumentos cede facilmente aos ataques pessoais, descuidando da necessária prudência para compreender ou explicar as maneiras de operar a produção de conhecimento. Alguns vocabulários criados recentemente pouco contribuem para elucidar essa questão, como tornou-se o exemplar do abuso da expressão epistemicídio. A esse respeito basta considerarmos a filiação desse conceito a Boaventura de Sousa Santos, apesar da rica contribuição que esta categoria encerra, ela foi criada dentro da língua do colonizador, portanto a apropriação daquilo que querem ver preservado ou fazer ressurgir, mobilizou o recurso consagrado da elaboração dentro da epistemologia do colonizador, exigindo de nós um esforço maior de decodificação. De modo semelhante, podemos pensar por exemplo na categoria imperialismo, fartamente atribuída a Lênin, desprezando as muitas contribuições anteriores forjadas por liberais radicais quando foram os pioneiros ao cunhar este conceito. Creio ser motivo de regozijo nós travamos debates cada vez mais extensos e aprofundados para entender a nossa realidade. Reconhecer diferentes perspectivas na abordagem é parte da herança dos estudos históricos formados por especialistas e não especialistas, contudo não é possível, por puro objeto de desejo, simplesmente ignorar fontes escritas em favor de fontes orais. É no cotejo das mais variadas fontes que podemos nos aproximar de decifrar diferentes formas de interrogar e problematizar a relação entre presente passado e vice-versa. Emile Zola sustentou na imprensa J’accuse(Eu acuso) como o estado francês criou a farsa para justificar a derrota fragorosa sofrida diante da Prússia. Esse é o papel do intelectual, mesmo sofrendo o isolamento, deve primar para esclarecer sua sociedade sobre as agruras do tempo que vive. A chave de interpretação que abro, fecho, deixo entreaberta é de perceber quão indígena e negra é essa Belém que vivo todos os dias, quanto mais a reconheço fruto do colonialismo, no qual sou surpreendido por relações de forças que não deixam de assombrar as tentativas de apagamento promovida pela elites que querem sublimar essa condição.

Fernando Neves
Fernando Neves é Doutor em História pela PUC/SP, Mestre em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido e Licenciado em História pela UFPA, da qual é Professor Associado, tendo exercido o cargo de Pró-reitor de Extensão, Diretor Executivo da FADESP e Diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. É membro do Instituto Histórico e Geográfico do Pará e da Sociedade Cinco de Agosto. Atua principalmente nos temas igreja, ultramontanismo, história das religiões, crítica ao desenvolvimento, semiótica, humanidades digitais e teoria da História.

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