Publicado em: 16 de novembro de 2025
Belém encerrou neste domingo (16) a Cúpula dos Povos, evento paralelo à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), com um apelo contundente do cacique Raoni Metuktire em defesa da vida, da floresta e dos povos originários. Durante a cerimônia de encerramento, o líder indígena lembrou que há décadas vem alertando o mundo para os impactos da destruição ambiental e das mudanças climáticas.
“Há muito tempo, eu vinha alertando sobre o problema que, hoje, nós estamos passando, de mudanças climáticas, de guerras”, afirmou Raoni. Em tom firme, pediu continuidade na mobilização global em defesa do planeta: “Mais uma vez, peço a todos que possamos dar continuidade a essa missão de poder defender a vida da Terra, do planeta. Eu quero que tenhamos essa continuidade de luta, para que possamos lutar contra aqueles que querem o mal, que querem destruir a nossa terra”. A grande liderança indígena encerrou pedindo mais respeito e amor entre os povos: “Há muito tempo, eu venho falando para que possamos ter respeito um com o outro e possamos viver em paz nessa terra”.
A Cúpula dos Povos reuniu cerca de 70 mil participantes, entre representantes de comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, extrativistas, camponesas, periféricas e urbanas, vindas de 62 países. O encontro foi o maior espaço de participação social da COP30 e culminou na leitura da Declaração da Cúpula dos Povos, entregue ao presidente da conferência, o embaixador André Corrêa do Lago, que se comprometeu a levar as reivindicações às reuniões de alto nível da COP30 a partir desta segunda-feira (17).
O documento critica as chamadas “falsas soluções” apresentadas por governos e empresas para enfrentar a crise climática. “Nossa visão de mundo está orientada pelo internacionalismo popular, com intercâmbios de conhecimentos e saberes, que constroem laços de solidariedade, lutas e de cooperação entre nossos povos”, afirma o texto. “As verdadeiras soluções são fortalecidas por esta troca de experiências, desenvolvidas em nossos territórios e por muitas mãos. Temos o compromisso de estimular, convocar e fortalecer essas construções.”
A carta também ressalta que “não há vida sem natureza” e reconhece o papel central das mulheres na reconstrução ética e ambiental do planeta. “Por isso, o feminismo é parte central do nosso projeto político. Colocamos o trabalho de reprodução da vida no centro, é isso que nos diferencia radicalmente dos que querem preservar a lógica e a dinâmica de um sistema econômico que prioriza o lucro e a acumulação privada de riquezas.”
O texto final da Cúpula identifica o capitalismo global como a principal causa da crise climática e aponta que os impactos recaem de forma desigual sobre os povos mais vulneráveis, que vivem em áreas periféricas, indígenas e tradicionais. O documento denuncia ainda o papel das grandes corporações transnacionais, entre elas mineradoras, empresas de energia, de armamentos, o agronegócio e as Big Techs, como responsáveis diretas pela degradação ambiental.
Entre as demandas apresentadas estão a demarcação de terras indígenas, a reforma agrária, o fomento à agroecologia, o fim dos combustíveis fósseis e o financiamento público para uma transição ecológica justa, sustentada pela taxação de grandes fortunas, corporações e do agronegócio. A carta também defende o fim das guerras e da militarização de territórios, denunciando a expansão da extrema-direita e do imperialismo.
O texto manifesta apoio ao povo palestino e condena “o genocídio praticado contra a Palestina” pelo Estado “sionista” de Israel, bem como a “ameaça imperialista” dos Estados Unidos no Caribe sob o pretexto de combate ao narcotráfico. “Nos solidarizamos à resistência da Venezuela, Cuba, Haiti, Equador, Panamá, Colômbia, El Salvador, República Democrática do Congo, Moçambique, Nigéria, Sudão, e com os projetos de emancipação dos povos do Sahel, Nepal e de todo o mundo”, afirma o documento.
O embaixador André Corrêa do Lago reconheceu as dificuldades de negociação entre os 195 países que integram a COP, mas destacou a relevância da participação popular. “Vocês sabem que isso é basicamente uma grande negociação dentro das Nações Unidas, com 195 países que têm que estar de acordo com tudo, porque é tudo por consenso. Então, é uma negociação superdifícil. Mas saber que a sociedade civil mundial tem voz em Belém é absolutamente sensacional”, afirmou.

Ele também agradeceu a contribuição dos movimentos sociais: “Por isso, eu agradeço a vocês por esse trabalho, que eu registrarei na abertura da reunião de alto nível, que começa amanhã na COP. Fico muito, muito feliz de poder presidir essa COP com esse apoio que eu estou sentindo aqui hoje.”
Durante o encerramento, Corrêa do Lago recebeu ainda a Carta das Infâncias, elaborada por cerca de 700 crianças e adolescentes que participaram das atividades da Cúpula. No texto, elas expressam preocupação com o futuro diante da emergência climática: “Para que as próximas crianças e adolescentes não tenham medo do calor, da fumaça, da falta de água, da extinção dos animais. Para que elas possam desenhar florestas vivas e não florestas morrendo.”

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou neste domingo (16) que a Cúpula dos Povos foi essencial para a realização da COP30. Em carta enviada aos participantes, lida pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, Lula destacou a importância do diálogo entre governos e sociedade civil: “A COP30 não seria viável sem a participação de vocês. Essa extraordinária concentração de pessoas que acreditam que outro mundo é possível e necessário. Como tenho dito em todos os fóruns internacionais de que participo, debaixo de cada árvore da Amazônia há uma mulher, um homem, uma criança”.
Após cinco dias de debates, manifestações e atos públicos, a Cúpula dos Povos encerrou-se com o Banquetaço pela Justiça Climática, realizado na Praça da República, no centro de Belém. A ação reuniu cozinhas comunitárias que distribuíram refeições ao público, em um gesto simbólico de partilha e solidariedade, e contou com apresentações culturais e mensagens de união entre os povos da floresta, do campo e da cidade em uníssono com o propósito coletivo de defender a Amazônia, os direitos humanos e o equilíbrio do planeta.
Leia a Declaração da Cúpula dos Povos e a Cartas das Infâncias:
Imagens: Tânia Rêgo / Agência Brasil









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