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A revista PLOS ONE publicou um interessante estudo revelando que cientistas acusados de má conduta sexual sofrem uma redução significativa no número de citações de seus trabalhos após as acusações se tornarem públicas. Curiosamente, essa tendência não se verifica entre pesquisadores acusados de má conduta científica, como fraude ou plágio, cujas citações permanecem praticamente inalteradas. Essas constatações, segundo artigo da Science, contrariam a percepção comum entre os próprios pesquisadores, que acreditam que estariam mais inclinados a deixar de citar colegas envolvidos em má conduta científica do que aqueles acusados de assédio sexual.

A pesquisa, liderada por Giulia Maimone, cientista comportamental da Universidade da Califórnia em Los Angeles, analisou quinze casos de pesquisadores acusados de má conduta sexual e outros quinze acusados de má conduta científica. A equipe acompanhou o número de citações recebidas por esses pesquisadores ao longo de 10 anos antes e 3 anos após as acusações se tornarem públicas. Os resultados mostraram uma queda significativa nas citações dos acusados de assédio sexual em comparação com seus pares, enquanto não houve diferença estatisticamente significativa para aqueles acusados de má conduta científica.

Esses resultados dão a entender que a comunidade acadêmica tende a perder confiança em pesquisadores acusados de má conduta sexual, mesmo que tais comportamentos não estejam diretamente relacionados à integridade de suas pesquisas.

É curiosa a discrepância entre as atitudes declaradas pelos pesquisadores e seu comportamento real em relação às citações pode ser atribuída a diversos fatores. Uma possibilidade é que os pesquisadores não queiram admitir que continuam citando trabalhos de colegas envolvidos em má conduta científica, com medo de que seja percebido como uma violação das normas científicas. Outra explicação é que os pesquisadores não estejam plenamente conscientes de como as acusações de má conduta, sejam elas de natureza sexual ou científica, influenciam seu comportamento de citação na prática.

Casos de má conduta sexual no meio acadêmico têm ganhado destaque nos últimos anos, levando a medidas mais rigorosas por parte das instituições. Entre os casos analisados, destaca-se o do astrônomo Geoff Marcy, da Universidade da Califórnia em Berkeley, que enfrentou acusações de assédio sexual contra alunas. Marcy era uma figura altamente respeitada na comunidade científica e seus trabalhos eram amplamente citados antes das denúncias. Após a divulgação do caso, suas citações caíram consideravelmente e provocaram sua saída de duas universidades.

Já Brian Wansink, um ex-pesquisador da Universidade de Cornell acusado de fraude científica, não enfrentou uma queda significativa em suas citações, mesmo após retratações de seus artigos. A situação pode ser lida como um idicador de que a comunidade acadêmica pode considerar que os trabalhos fraudulentos são corrigidos por meio de processos institucionais, enquanto a má conduta sexual representa um problema mais difícil de ser abordado formalmente.

No Brasil, uma pesquisa publicada em 2022 sobre assédio na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) revelou que apenas 10% dos casos de assédio são oficialmente registrados, evidenciando um índice de subnotificação altíssimo. O estudo também apontou que as mulheres são as principais vítimas desse tipo de violência: 15% relataram ter sofrido assédio sexual, contra 5% dos homens.

Um dos casos mais rumorosos de assédio sexual e moral no meio acadêmico dos últimos tempos ocorreu no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, em Portugal. Em 2017, pichações nos muros da instituição denunciaram práticas de assédio cometidas por Boaventura de Sousa Santos, um dos professores mais prestigiados da instituição e do país. Posteriormente, três ex-alunas da pós-graduação publicaram um artigo expondo casos de assédio sexual e moral dentro do CES.

O artigo foi censurado, mas sua repercussão foi internacional. As vítimas relataram abusos sexuais, assédio moral, abuso de poder e extrativismo intelectual. Com a pressão de estudantes, feministas de vários países e o surgimento de novas denúncias, o CES instituiu uma Comissão Independente (CI) para investigar o caso. O relatório final da CI confirmou que os testemunhos apresentados eram detalhados, coerentes e forneciam informações precisas sobre os episódios de assédio e abuso. Boaventura demitiu-se do CES alegando linchamento moral e move um processo judicial contra as vítimas “em defesa do bom nome”.

A forma como a comunidade científica reage a diferentes tipos de má conduta tem implicações significativas para a cultura acadêmica. A disposição em penalizar mais severamente a má conduta sexual do que a científica aponta que há uma maior intolerância a comportamentos que afetam diretamente o ambiente de trabalho e o bem-estar dos indivíduos.

Há também um outro fator a ser considerado: o crescimento do número de mulheres no ambiente acadêmico que publicam trabalhos científicos. De acordo com dados da UNESCO, as mulheres ainda representam menos de 30% dos pesquisadores em todo o mundo, mas existem dados interessantes: na América Latina e Caribe, por exemplo, onde a produção científica com participação é muito heterogénea, a proporção de artigos científicos que incluem a participação de pelo menos uma autora registra índices de 43% em El Salvador, 66% na Guatemana, 67% na Argentina, a 72% no Brasil. Regionalmente falando, entre 2014 e 2017, 46% dos autores são mulheres (OEI 2018).

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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