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“Nós, residentes de todas as ruas, continuamos a ocupar o Solar da Beira, no [complexo] Ver-o-Peso. Sem autorização de secretarias e outras instituições, porém com o apoio de trabalhadores da feira, pessoas em estado de risco nas ruas, visitantes, turistas, professores, jornalistas e instituições como Ministério Público Federal [MPF], Sociedade Paraense de Direitos Humanos [SDDH], Ordem dos Advogados do Brasil [OAB-PA], Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais Sem Terra [MST], Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará [SINTEPP], Grupo das Mulheres Prostitutas do Estado do Pará [GEMPAC], Núcleo de Artes e Imanências em Saúde [Naris], Instituto Iacitatá Amazônia Viva. 

Nosso movimento popular suprapartidário, independente e autogerido, de artistas e pessoas de outros segmentos permanece desenvolvendo força política e agindo contra a falta de política cultural dos governos de Belém e do Pará, questionando a situação de abandono do patrimônio público e denunciando a situação de iniquidade social e marginalização de dependentes químicos, como os que ocupam o prédio ao longo de todo o ano, sem nenhuma assistência à saúde, tratados de forma equivocada pelos órgãos de segurança do município e do estado. 

Nesta semana de 25 a 29 de maio, recebemos alguns funcionários do Corpo de Bombeiros, enviados pela Secon e interessados nas condições precárias do prédio, o que impossibilitaria nossa ocupação, e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional [IPHAN] questionando a falta de notificação da Prefeitura Municipal de Belém [PMB] devido nossa estadia no local e as condições em que se encontra o patrimônio. 

Então, nós perguntamos: 

1. Em relação ao Corpo de Bombeiros, o que realmente deveríamos acatar das medidas, quase impossíveis, de segurança que nos foram solicitadas (já que estamos em um prédio de responsabilidade da PMB, que não possui vistoria anual, que por sua vez não cabe a nós fazê-la)?

2. Ainda sobre essa questão, por que a preocupação com as condições do prédio apenas agora, sendo que o Solar da Beira é ocupado ao longo de todo o ano, diariamente, por pessoas em estado de risco nas ruas (muitas sem casa, outras dependentes químicos), além dos próprios funcionários da Secretaria Municipal de Saneamento [Sesan] que usam o espaço insalubre como descanso no intervalo do almoço, e por animais abandonados? Eles, sim, correm risco frequentemente estando em meio ao abandono.

3. Com relação ao IPHAN, por que a não notificação do Instituto, interessado diretamente em questões patrimoniais? O que há para esconder da população e de órgãos que poderiam contribuir para a preservação do Solar da Beira?
Dia a dia aprendemos mais sobre compartilhamento e colaboração nos cortejos pela feira; a cada visita de um trabalhador do Ver-o-Peso para nos apoiar; nos cafés da manhã comunitários no térreo do Solar da Beira; no dividir o chão e a comida com moradores de rua; na troca de afetos; no receber novos ocupantes; na pressão imposta – e por nós desviada – por funcionários da Secretaria Municipal de Economia, pela Guarda Municipal e pelo Canil; e muitas vezes na impossibilidade de fazer mais. 

Enquanto aguardamos audiência pública solicitada no dia 19 de maio à PMB, passamos os dias apreensivos, principalmente as madrugadas, intercalando horários para dormir para assegurar a nossa integridade física, os nossos equipamentos e pertences pessoais, além de acordarmos com a iminência de recebermos mais um vez grande contingente de guardas municipais armados para nos obrigar à desocupação (como ocorreu no mesmo dia 19/05). 

No dia 27 de maio entramos com representação no MPF para solicitar à prefeitura projeto e planejamento para o Solar da Beira e construímos dossiê sobre os 21 dias de ocupação e essas 519 horas até aqui. Da janela, ainda, assistimos funcionários da PMB instalarem uma placa com o nome “Solar da Beira” na calçada – o que antes não tinha nome passa por um batismo na agenda pública. 

Ainda hoje, dia 29 de maio, recebemos novamente a cantora Gina Lobrista, que já havia apoiado nossa ocupação no dia anterior e sugerido um show no próximo domingo (31 de maio). No entanto, após ser convocada e pressionada pelo Diretor do Complexo do Ver-o-Peso pela Secon, ficou em dúvida sobre o apoio e o show. Segundo ela, este mesmo diretor se referiu à ocupação Solar das Artes e aos ocupantes da seguinte forma:

1. O Solar da Beira está sendo usado para consumo de drogas, orgias e lugar para defecar; 

2. A operação Secon-Guarda Municipal está pronta, aguardando apenas o show de Gina Lobrista e sua negociação com os ocupantes para agir na segunda-feira (1º de junho); 

3. Assim que o Solar da Beira for desocupado, e após a famigerada reforma, a PMB tentará mudar o nome do local para Solar das Artes. 

Sobre a postura da cantora Gina Lobrista: a escolha em apoiar e participar de nossa ocupação é pessoal, os proponentes de atividades não são convidados, a maioria, como a própria cantora, visitou o espaço e se dispôs a participar. O Solar das Artes é aberto, todos são bem-vindos. Todos os artistas que promoveram atividades de qualquer linguagem em nossa ocupação continuaram nos apoiando, pois entenderam a seriedade do movimento. 

Sobre drogas, orgias e dejetos do local: há um equívoco de data neste falacioso e frágil argumento, além de não haver provas. Quem visitou o Solar das Beira antes de nossa ocupação sabe do que estamos falando – do ponto de tráfico e uso de drogas, do lugar de prostituição e estupro, do depósito de objetos furtados, do uso como lixão e banheiro a céu aberto, e da negligência com as pessoas, com os funcionário da própria Prefeitura (Sesan) e com o patrimônio. Nós, ocupantes, temos registros disso. 

Não vamos usar ninguém como moeda de troca, como a Secon está usando. E não é conosco que a Prefeitura de Belém deve conversar, sim com o Ministério Público Federal.
Nós, resistentes de todas as ruas, continuamos a ocupar o Solar da Beira, no [complexo] Ver-o-Peso. E re-existindo após cada opressão, tentativa de criminalização do movimento, desrespeito e omissão de órgãos públicos. 

Solar da Beira, Ver-o-Peso, Belém, 29 de maio de 2015″.

ATUALIZAÇÃO – O Ministério Público Federal deu prazo de prazo de cinco dias ao
prefeito de Belém, Zenaldo Coutinho, para que se manifeste sobre denúncias de
artistas da cidade que ocuparam, no último dia 14, o Solar da Beira, uma das
edificações que compõem o conjunto arquitetônico do Ver-O-Peso, principal
patrimônio histórico e ponto turístico da capital paraense, tombado nas esferas
municipal, estadual e federal.

O grupo de cerca de 115 pessoas relata que
não havia energia elétrica, as portas e janelas estavam quebradas, algumas
paredes ruindo, goteiras e tábuas soltas. Além de pedir a abertura de inquérito
civil público ao MPF, os ocupantes pedem audiência pública a fim de discutir o
futuro do prédio.
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, membro da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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