O mundo estava em chamas! Os líderes das nações mais poderosas do planeta Terra ordenavam ataques a bombas uns sobre os outros; um homem furioso aprisionava e matava milhares de pessoas, por causa de suas origens étnicas; uma nação poderosa, após sofrer um ataque surpresa a uma base naval sua, respondeu ordenando que lançassem duas bombas atômicas em cidades desse pequeno país da Ásia, destruindo instantaneamente milhares de pessoas. Foram tempos de neurose, insanidade e fúria. Esta é uma pequena história sobre a humanidade.
Tudo isto aconteceu durante a primeira metade do século XX. Foi nesse cenário de destruição e de dor que a humanidade tomou uma decisão que mudaria para sempre o rumo de sua História.
Nós, hoje, 193 nações do globo terrestre, decidimos nos tornar irmãos.
Essa decisão foi tomada durante uma grande reunião, chamada Assembleia Geral das Nações Unidas. Nessa cúpula, elaboramos um documento importante. Uma espécie de pacto. Nesse pacto, decidimos que, a partir de 1948, seríamos todos irmãos. Esse documento é chamado de Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A partir do momento que uma nação assinasse aquele documento, todos os seus membros se tornariam irmãos de toda a humanidade. Qual a importância disso? O dever jurídico imposto aos líderes desses 193 países, de formular as leis e as práticas políticas e sociais a partir dos valores consagrados no nosso pacto universal pela humanidade.
Um grande príncipe da paz foi eleito para cuidar da união dessa grande família chamada humanidade: os direitos humanos. Para fazer parte dessa fraternidade, bastaria a nação interessada assinar um documento, e praticar os valores civilizatórios ali consagrados.
O pacto pela paz e fraternidade entre os humanos tem os detalhes todos sobre essa decisão importante. Os mais preciosos valores resguardados por essa enorme família global são:
Fraternidade
O artigo 1 da Declaração celebra a fraternidade. É a regra que nos torna irmãos uns dos outros. Em uma língua antiga, frater significa irmão. Entre irmãos não pode haver diferença inferiorizante nem desigualdade. Então, todos nós nos tornamos livres e iguais, filhos da Terra, nosso planeta e casa-mãe.
Diversidade
O Artigo 2 da Declaração celebra a nossa diferença. Espalhados pelos diversos continentes da terra, somos pretos, brancos, marrons, albinos, altos, baixos, homens, mulheres; temos religiões, costumes e deuses diferentes, mas, como irmãos e filhos de uma única mãe, devemos respeitar e cuidar uns dos outros. A diferença é o que nos torna únicos e belos. Fica proibido fazer qualquer discriminação negativa em razão de características que nos tornam diversos e ricos na terra.
Vida e integridade
Os artigos 3 a 17 consagram o direito a possuir direitos. Assim, todos os irmãos, sem distinção, na qualidade de seres humanos, são pessoas detentoras de direitos à vida digna e integridade. Se algum irmão, ou o estado, ferir esse direito, caberá uma ação judicial para defendê-lo.
Liberdade e cuidados
Os Artigos 22 a 30 da Declaração celebram o direito de todos os irmãos a receber tratamento digno, amparo e cuidado do estado. Esses direitos envolvem a saúde, o trabalho e a vida pública de todos os irmãos. O dever de respeito e cuidado para com esses valores deve compor a pauta dos direitos fundamentais de todos os signatários do grande pacto.
No ambiente dos direitos humanos, os grandes rivais são o ódio e as guerras. As guerras e o ódio têm como paroxismo o extermínio. Em um ambiente de ódio, o prejuízo material é o troféu dos vencedores, que comemoram solitariamente vitórias pírricas. Em uma guerra, os únicos vencedores são os mortos, que não deverão pagar pelo alto custo da guerra, nem chorar por seus entes queridos.
A justificativa para os direitos humanos
O que justifica os direitos. humanos? Esta questão deve ser respondida como se perguntássemos em nossa casa o que justifica o poder de nossos pais. No caso de nossos pais, a cultura e a tradição marcam a posição e o poder destes agentes dentro da estrutura familiar. Para os direitos humanos esse fundamento também vale, mas um pouco mais.
Por que devo respeitar os direitos humanos?
Para respondermos a esta pergunta filosoficamente, precisamos falar um pouco sobre a justiça e sobre a igualdade. Antes, devo dizer que ocorre uma tentativa de sequestro de pauta dos direitos humanos pela política. O enviesamento da pauta dos direitos humanos ocorre como ágora pública de debates jurídicos e políticos, mas não é capaz de subverter a eficácia do pacto civilizatório ou de relegá-lo exclusivamente à esquerda ou à direita, como bases ideológicas políticas.
Por exemplo, sobre as ações afirmativas e os direitos humanos, devemos dizer que há uma distorção dos direitos humanos, quanto à igualdade. Muitos se sentem ofendidos, por exemplo, quando uma lei impõe tratamento vantajoso para uma pessoa negra em uma situação jurídica.
A resposta é que a igualdade, no campo dos direitos humanos, não é formal. Ela é material. A igualdade material nos impõe o dever jurídico de tratar de forma diferente quem está em situação diferente.
Podemos trabalhar uma situação concreta. A existência dos jogos paralímpicos. O que justifica haver duas edições dos jogos olímpicos? É exatamente o tratamento desigual para aqueles que, por algum motivo, estão em posições diferentes. Qual objetivo? Implementar a justiça material.
Assim, quando uma sociedade que já exterminou pessoas por motivo de raça/cor/etnia produz leis que oferecem vantagem competitiva nas universidades ou no mundo do trabalho, tem por objetivo reparar injustiças históricas, oferecendo tratamento desigual aos que estão em situação desigual.
O pacto pela fraternidade universal impõe a pauta dos direitos humanos para todos os espectros políticos e justifica a proteção desses direitos em todos os campos da disputa política, eis que, para protagonizar e titularizar diretos humanos e a justiça material o indivíduo só necessita ostentar uma condição e um valor: a humanidade e a dignidade.
Concluo este texto com um aforismo filosófico de Kant e uma máxima sociológica de Boaventura de Sousa Santos, que carregam o sentido da aplicação da dignidade humana e da igualdade como valor. Ambos expressam a ética dos direitos humanos como valor e como ideal de justiça material.
Para Kant, quando questionado sobre a diferença entre pessoas e coisas, há a distorção de valor: coisa tem preço; pessoa tem dignidade. Para Boaventura de Sousa Santos, sobre a métrica da igualdade material: temos o direito a ser iguais. sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza.
Recomendações de Leitura:
A gramática do tempo: Para uma nova cultura política https://a.co/d/3vQi73o
Crítica da razão pura https://a.co/d/8LMcXfA
Law’s Empire https://a.co/d/fKScKGF
Teoria dos Direitos Fundamentais (2024) https://a.co/d/76MdJ8B
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