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O espetáculo premiado AZIRA’I, interpretado pela atriz e autora indígena Zahy Tentehar, fará duas apresentações, nos dias 21 e 22 de outubro, sempre às 20h, no Theatro da Paz, em Belém. Com direção de Denise Stutz e Duda Rios, a montagem é uma produção da Sarau Cultura Brasileira e conta com o patrocínio da Petrobras, por meio do Programa Petrobras Cultural.

O solo autobiográfico, escrito por Zahy em parceria com Duda Rios, parte das recordações da atriz sobre a mãe, Azira’i, reconhecida como a primeira mulher pajé da reserva indígena de Cana Brava, no Maranhão. Por meio da arte, a atriz revisita as memórias familiares e os laços espirituais herdados, criando uma narrativa sensível que tece passado e presente, vida e ancestralidade.

O trabalho rendeu à artista o principal prêmio brasileiro de teatro, nas categorias de melhor iluminação e melhor atriz, tornando Zahy Tentehar a primeira artista indígena a conquistar tal reconhecimento. O espetáculo também recebeu apoio da Bolsa Funarte de Teatro Myriam Muniz 2023.

Após sua estreia no Brasil, AZIRA’I conquistou palcos internacionais. Em 2024, integrou a programação do Festival de Avignon OFF, na França (o maior festival de teatro do mundo, com cerca de 1.700 produções) e foi destacado por importantes veículos europeus, como Le Monde, Libération e Le Figaro, entre os melhores espetáculos da edição. A peça também já percorreu Chicago (EUA), Bogotá (Colômbia), Santiago (Chile) e segue em circulação por Córdoba (Argentina) e Montevidéu (Uruguai).

A montagem se constrói como um verdadeiro “musical de memórias”, onde canto, palavra e corpo se entrelaçam. Zahy interpreta canções que dialogam com os lamentos e ensinamentos transmitidos por sua mãe, além de composições próprias criadas em parceria com Duda Rios e Elísio Freitas, responsável também pela direção musical. Freitas, produtor do premiado álbum Nordeste Ficção, de Juliana Linhares, divide com os artistas a autoria de algumas músicas originais do espetáculo.

“Sou a filha caçula da minha mãe. A nossa relação, como muitas de nossos brasis, foi diversa: cheia de semelhanças e diferenças, com muitos afetos e composições importantes para nossa trajetória. A presença de minha mãe é tão viva, que a nossa relação se faz continuamente importante. Quando pensei em trazê-la ao teatro, não foi para falar apenas dos meus sentimentos, foi para dialogarmos com nossos reflexos enquanto sujeitos coletivos. Gosto de nos ver, humanos, como espelhos, pois nossas histórias se entrelaçam e se compõem”, diz Zahy.

A mãe da atriz, Azira’i, era reconhecida como pajé suprema, detentora de vasto conhecimento sobre o mundo espiritual e das práticas de cura, utilizando “três ferramentas tecnológicas”: as plantas, as mãos e o canto. Ao criar sua filha na mesma aldeia, transmitiu-lhe saberes e visões que agora encontram eco no palco.

A concepção do espetáculo começou em 2019, quando Zahy e Duda Rios se conheceram no elenco de Macunaíma, dirigido por Bia Lessa e encenado pela companhia Barca dos Corações Partidos, outro projeto da Sarau Cultura Brasileira. As conversas entre camarins despertaram o desejo de transformar as histórias de Zahy e de sua mãe em dramaturgia.

Duda lembra que o principal desafio do processo foi selecionar, entre as muitas narrativas contadas pela atriz ao longo dos anos, quais fariam parte da peça: “Às vezes queremos abordar muitas coisas num espetáculo e terminamos perdendo o fio da meada. Mas se temos um eixo narrativo claro, a chance do público se envolver é maior. Nesse aspecto, a chegada de Denise foi fundamental, pois ela entrou no projeto pouco antes do início dos ensaios, com um olhar fresco que nos ajudou a identificar o que era essencial pra nossa narrativa”, comenta.

Para Denise Stutz, que se juntou à direção na fase final de criação, a escuta das histórias foi o ponto de partida: “Fui conhecendo as memórias de Zahy durante os meses de ensaio e fui me impressionando a cada dia pela potência das histórias de vida que ela contava e das narrativas sobre a mãe. Quando recebi o convite do Duda para me juntar a ele na direção desta montagem, tivemos conversas quase infinitas e o trabalho não faria sentido se a gente não escutasse primeiro os desejos de Zahy, afinal, é a história dela e são muitas memórias junto com sua mãe.”

O cenário minimalista, composto apenas por uma cadeira e uma cortina de cordas cruas, acentua a força performática do texto e do corpo da atriz. A proposta estética ganha densidade com as projeções criadas pelo multiartista Batman Zavareze, a cenografia de Mariana Villas-Bôas, os figurinos de Carol Lobato e a iluminação precisa de Ana Luzia Molinari de Simoni.

“Uma história que é minha, mas também é a verdade de muitos brasis. É muito libertador poder falar do ser indígena de uma forma mais humanizada, sem estereótipos ou políticas. Quero poder contar a história de uma pessoa, como outras, que saiu de sua reserva, foi para a cidade, aprendeu uma outra língua e teve uma relação intensa com a mãe”, reflete Zahy.

O espetáculo alterna cenas em português e em Ze’eng eté, língua dos povos Tentehar, trazendo à cena reflexões sobre os processos de aculturamento vividos por gerações indígenas.

A Sarau Cultura Brasileira, responsável por montagens como Elza, Nossa História com Chico Buarque e Viva o Povo Brasileiro (De Naê a Dafé), assina a produção do espetáculo, que mantém a tradição da companhia em revisitar histórias nacionais sob uma perspectiva crítica e emocional.

Serviço:
Azira’i – Um musical de memórias
Local: Theatro da Paz – Belém
Datas: 21 e 22 de outubro, às 20h
Duração: 90 minutos
Classificação: 12 anos

Imagem: Daniel Barboza

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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