0
 

Rita Lee é uma das maiores expressões da música pop produzida no Brasil e isso pode ser conferido no documentário “Ritas”, sob a direção de Oswaldo Santana e Karen Harley. A exibição do filme dá continuidade à onda de cinebiografias musicais exibidas no primeiro semestre desse ano, a exemplo do documentário sobre Milton Nascimento e o filme sobre Ney Matogrosso.

Em “Ritas”, o formato documental opta pela circularidade narrativa entre imagens e sons de arquivo com registros mais recentes, ou seja, não segue a regra cronológica para colocar a voz, em 1ª pessoa, da cantora, compositora, escritora, atriz e outras personas encarnadas por Rita Lee Jones. Nesse sentido, o documentário está mais próximo de “Moonage Daydream”, de Bret Morgen, sobre a carreira de David Bowie (artista que Rita era fã incondicional).

Além dos arquivos audiovisuais, o filme tem como base as duas obras literárias: “Rita Lee: Uma Autobiografia” (2016), sobre a carreira e despedida dos palcos; e “Rita Lee: Outra Autobiografia” (2023), sobre a luta contra o câncer e os últimos anos de sua vida. 

Em “Ritas”, observa-se que os pontos mais sombrios ou polêmicos das obras literárias são suavizados para a composição de um trabalho que funciona mais como um tributo afetivo ao legado da cantora, o que não é demérito e não prejudica a fruição do espectador, pois estamos diante do recorte pontual dos realizadores e um verdadeiro deleite para os fãs das composições de Rita Lee.

Há também a cultura afirmativa que defende a ideia que na linguagem literária tudo pode ser escrito sem tantas amarras ou interferências editoriais que possam prejudicar a essência da obra autoral. Por outro lado, o cinema como arte mais cara e que envolve várias fases, profissionais diversos e aprovações para a realização, ficaria mais propenso às regras de mercado. No caso de “Ritas”, o que se pode concluir é que as escolhas privilegiaram o recorte artístico.

No filme, as várias Ritas em montagem não cronológica e inserções digitais psicodélicas, chama atenção o episódio da saída (ou expulsão) da banda “Os Mutantes”, que teve como justificativa o fato de que a cantora não estava preparada para a transição da música psicodélica (com efeitos sonoros e arranjos experimentais) para o rock progressivo (expansão dos limites da música pop). O que se viu, anos depois, é que a sonoridade livre, leve e solta de Rita Lee estava além de rótulos e classificações do que deve e o que não deve ser feito na música popular.

A expansão do repertório musical que, a partir de um certo momento não fica mais enquadrado na imagem de ser apenas uma cantora de rock and roll no Brasil, ganha parcerias valiosas e a chancela de João Gilberto, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Elis Regina, Lucia Turnbull, Roberto de Carvalho, entre outros.

Hoje, constatamos que a trajetória de Rita Lee revela a vitória da leveza, da criatividade e do humor, artigo raro nos dias atuais com a confusão sobre liberdade de expressão que pode diminuir e achincalhar o outro.  

Nos relatos finais, a cantora é vista mais inclinada ao lado esotérico de ser, em paz com os animais em contato direto com natureza, mais espiritualizada, sem dogmas e certeza de que a vida, mesmo com os altos e baixos, valeu a pena.

José Augusto Pachêco
José Augusto Pachêco é jornalista, crítico de cinema com especialização em Imagem & Sociedade – Estudos sobre Cinema e mestre em Estudos Literários – Cinema e Literatura. Júri do Toró - 1º Festival Audiovisual Universitário de Belém, curadoria do Amazônia Doc e ministrante de palestras e cursos no Sesc Boulevard e Casa das Artes.

MPPA lança “Cartão Vermelho para o Racismo” no RexPa

Anterior

Coletivo Acorda Pedreira celebra Boi Acordado

Próximo

Você pode gostar

Comentários