Hoje, dia 10 de setembro, 5 dias após o “Dia da Amazônia”, vamos seguir tratando sobre o tema da mineração, mas desta feita, faremos uma ponte entre a mineração, atividade econômica essencial ao país e a também mineração, porém, de dados, que é igualmente essencial ao país e ainda assim, se mantém incompreendida e pouco estimulada em nossas universidades.
No último dia 30 de agosto, foram divulgados publicamente os dados sobre a expansão da mineração no país, permitindo acompanhar o histórico dessa atividade desde 1985 até 2020. Lançado graças a união de esforços de uma startup de tecnologia amazônica, a Solved – Soluções em Geoinformação (@SolvedGeo) e a rede de pesquisa MapBiomas (@Mapbiomas), os dados da Coleção 6 do Projeto de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil, permitem reconstruir o retrato histórico da mineração no país, diferenciando as áreas de mineração em “Mineração Industrial” e “Garimpo”.
Graças aos dados do projeto pudemos quantificar e localizar um fenômeno que povoava nosso imaginário, especialmente o dos amazônidas: “A mineração na Amazônia deve ter crescido bastante, mas bastante quanto??”. Pois bem, agora sabemos o quanto cresceu, bem como a localização das áreas mineradas. Infelizmente, os números que emergiram dessas análises não são agradáveis:
Em 2020, três de cada quatro hectares minerados no Brasil estavam na Amazônia.
O bioma amazônico concentra 72,5 % de toda a área, incluindo a mineração Industrial e o garimpo. São 149.393 hectares (ha), dos quais 101.100 ha (67,6%) são de garimpo. Lembrar que 1 hectare = 10.000 m².
Considerada exclusivamente a atividade garimpeira, a quase totalidade (93,7%) do garimpo do Brasil concentra-se na Amazônia.
No caso da mineração industrial, o bioma Amazônico responde por praticamente a metade (49,2%) da área ocupada por essa atividade no País.
O garimpo apresentou forte expansão em anos mais recentes. A partir de 2010, a taxa de expansão da área garimpeira foi de 6,5 mil ha por ano. A atividade garimpeira superou a área associada à mineração industrial em 2020: 107.800 ha contra 98.300, respectivamente.
A expansão do garimpo coincide com o avanço sobre territórios indígenas e unidades de conservação. De 2010 a 2020, a área ocupada pelo garimpo dentro de terras indígenas cresceu 495%; no caso das unidades de conservação, o crescimento foi de 301%.
No ano passado (2020), metade da área do garimpo em território brasileiro estava em unidades de conservação (40,7%) ou terras indígenas (9,3%).
As maiores áreas de garimpo em terras indígenas estão em território Kayapó (7602 ha) e Munduruku (1592 ha), no Pará, e Yanomami (414 ha), no Amazonas e Roraima.
Entre as 10 unidades de conservação com maior atividade garimpeira, oito ficam no Pará. As três maiores são a Área de Proteção Ambiental do Tapajós (APA do Tapajós) com 34.740 ha, a Floresta Nacional do Amanã (Flona do Amanã) com 4.150 ha e a do Parque Nacional do Rio Novo (Parna do Rio Novo), 1.752 ha.
Em extensão de área total minerada, os três maiores estados são Pará (110.209 ha), Minas Gerais (33.432 ha) e Mato Grosso (25.495 ha). No caso do Pará, a maior parte dessa área é ocupada pelo garimpo (76.514 ha, contra 33.695 ha de mineração industrial). Em Minas Gerais, a quase totalidade é ocupada pela mineração industrial (32.785 ha). O Mato Grosso repete o padrão do Pará, com predominância do garimpo (22.987 ha).
A produção de ferro (25,4%) e alumínio (25,3%) respondem por metade da área de mineração industrial, ao passo que 86,1% da área garimpada está relacionada à extração de ouro.
Há, portanto, grande diferença entre a forma de organização e evolução entre as áreas de mineração industrial e a mineração por garimpo. O avanço maior das áreas garimpeiras em relação às indústrias, tem provável relação com o aumento do valor da principal commodity garimpeira, o ouro. Mais de 85% dos garimpos nacionais são atribuídos à extração de ouro. Assim, o aumento da área garimpada parece estar relacionado ao aumento do valor relativo do ouro e a forma de busca e extração adotada pelo garimpo.
De fato, a rápida ascensão da área garimpeira, que hoje responde por uma fatia do território que já ultrapassa àquela ocupada pela mineração industrial e quadruplicou sua taxa de expansão nos últimos 10 anos, guarda estreita relação com o modus operandi da extração garimpeira. Quase sempre ocupando as regiões aluvionares dos rios amazônicos, o garimpo é atividade de extração superficial, em que o avanço horizontal de um garimpo é controlado pela quantidade de ouro extraído por tonelada de terra processada. Se em determinado local a relação ouro/tonelada passa a ser pequena demais, uma nova frente garimpeira é escavada. Essa forma de atuar é sistemática e realimenta a expansão predatória dos garimpos.
Com 40,7% dos garimpos em Unidades de Conservação e 9,3% em Terras Indígenas (TIs), 50% da atividade garimpeira se dá potencialmente às margens da lei. Essa atividade marginal e irremediavelmente ilegal, quando dentro de TIs, requer do Estado Brasileiro atenção imediata, impedindo a expansão dentro de áreas protegidas por lei e garantindo aos garimpeiros oferta de alternativas tecnológicas que permitam a exploração aurífera livre da tragédia ambiental que arrasta consigo o atual padrão de extração mineral.
No caso das Unidades de Conservação, não se pode afirmar, sem o devido aprofundamento documental, que todos os 40,7% de garimpos em UCs sejam ilegais, porém é muito pouco provável, ainda que ocupem UC’s de uso sustentável, que em uma área agregada de 439.65 km² (MapBiomas – Col6), equivalente 65 mil campos de futebol, tudo tenha sido devidamente licenciado pelos órgãos ambientais competentes e sigam à risca os ditos da lei.
Para a radiografia da evolução espacial da mineração brasileira, foi imperativo analisar 36 anos de imagens de satélite, ao longo de todo território nacional. Sendo o Brasil o quinto maior país do planeta, essa não foi uma tarefa trivial. O país tem 8.5 milhões de km² (IBGE), que traduzidos aos pixeis dos satélites Landsat (30m), perfazem para cada ano analisado, mais de 9 bilhões de pixeis. Assim, em 36 anos, são mais de 300 bilhões de pixeis a serem analisados. Portanto, sem auxílio da computação aplicada e da mineração de dados, mapear a área minerada do país teria sido tarefa humanamente inviável.
Ainda que humanos sejam exímios analisadores de padrão, inspecionar mais de 300 bilhões pixeis, é do ponto de vista do tempo de execução da tarefa, irrealista para os padrões humanos. Apesar de muito bons no reconhecimento de padrões, especialmente os visuais, somos muito lentos na execução da tarefa. E, é aqui que precisamos das máquinas. Se bem treinadas para o reconhecimento de determinado padrão, as máquinas superam em muito a capacidade humana, já que são mais rápidas e podem fazer milhões de tarefas simultâneas.
Porém, ainda que absolutamente necessário ao país, a capacidade de treinar computadores para que estes façam as análises numéricas estratégicas à sociedade brasileira, segue sendo um ramo de formação profissional que sofre com a ausência de disciplinas formais em nossas universidades. Muito dessa carência está associada à dificuldade de adaptação aos desafios impostos pelos novos tempos, contados em microssegundos, que as universidades precisam enfrentar. As respostas lentas de nossos centros de formação acadêmica não ecoam em tempo hábil às transformações, comprometendo as respostas e soluções que precisam ser implementadas.
Nos parágrafos anteriores, propositadamente, recorri a termos técnicos como: análise de padrão, análise numérica, mineração de dados, treinamento computacional, processamento simultâneo, satélites, pixeis, Landsat. Todos esses termos, bem familiares à Computação Aplicada e às Geociências, que não são mais do que ferramentas transversais e interdependentes que, quando incorporadas ao arsenal de habilidades dos futuros profissionais (alunos e pesquisadores) das áreas de aplicação, podem ampliar sua capacidade analítica.
Assim, é impreterível, que a Computação Aplicada faça parte, ao menos na forma optativa, da grade de formação de profissionais de múltiplas áreas que já se beneficiam da análise de imagem, desde as Geociências até a Medicina. O ciclo vicioso de formar mais do mesmo, com profissionais que ainda contam passos duplos para medir distâncias, se atrapalham com GPS por preferir a bússola e utilizam-se de chapas de raio-X para laudar fraturas, deve ser substituído pelo ciclo virtuoso da computação aplicada a serviço do processamento digital.
Como fundador de uma empresa criada para esse fim, o de utilizar a computação aplicada sobre grandes volumes de dados, como os mais de 9 bilhões de pixeis que representam o território brasileiro, defendo e espalho a opinião de que o caminho para avançar com essas práticas em larga escala, pode ser alcançado no âmbito da formação acadêmica, se as universidades perceberem o salto qualitativo que podem alcançar com a formação de grupos docentes de pesquisadores dedicados a esse domínio. Por enquanto, os avanços que se têm obtido resultam de raras exceções institucionais e de professores isolados, porém muito da aventura solitária do aluno curioso, que sem o devido auxílio ou auxílio algum, busca por si próprio o caminho da computação aplicada à sua área de formação. Embora os resultados oriundos desse caminho solo não ganhem escala, é um exemplo vigoroso do que se pode fazer com a computação aplicada e poucos recursos, antecipando onde se pode chegar.
Para o país que é responsável pela criação do avião (Alberto Santos-Dumont), da Embraer, da Petrobras, é líder do mercado de TI da América Latina (ABES), do desenvolvimento e uso dos Biocombustíveis (MME) e do emprego de avançada tecnologia nos setores Agrícolas e Mineral, mudar a formação de seus jovens universitários, com impacto em sua economia e mercado de trabalho é questão de decisão política em educação, ciência e tecnologia. Devemos isso ao país e se quisermos podemos pagar essa dívida.
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